domingo, abril 25, 2021

GOMBROVICZ, VILA-MATAS, CIDA PEDROSA, BEATRIZ BRACHER & WALBER BARRETO

 

TRÍPTICO DQC: UM: No tempo que as coisas tinham graça – Era então menino presepeiro no Caçotinho, isso lá pela segunda metade dos anos 1960. A vizinhança era musical: no quintal ficava ouvindo o sax que soava intermitente pelas manhãs, finais de tarde e no meio da noite. Do lado esquerdo, um menino já solava a guitarra. Aí eu corria e me encostava à porta de sua casa para ouvi-lo: Bito, vamos tomar café? Vambora. A senhora mãe dele, com uma simpatia sorridente que era o maior afago no coração da gente, forrava a mesa, ajeitava tudo e me tinha como um da casa, servindo uma cumbuca de manteiga, pães e um apetitoso prato de batatinhas fritas. Santa mãe: ela achava a maior graça nossa gulodice, armados um duma faca de serra, lascava o pão verticalmente, tascava uma prastada de manteiga na banda do pão e inhac! Tome manteiga pra cima a cada mordida no pão. E isso enfiando o palito naquela que seria a melhor batata frita do universo! Verdade! Ainda hoje sinto o gosto na boca, inigualável. Bucho roliço, a gente corria da mesa para que ele executasse na guitarra os solos de sucessos que faziam a trilha sonora da nossa infância. Às vezes ele sapecava nas cordas umas gritadas raivosas segurando no cabo da distorção, só via seus dedos correndo dum lado pro outro no braço do instrumento e os cachorros uivavam fazendo coro do lado de fora. Nisso a gente ficava o dia inteiro, só suspendendo quando da chegada do pai dele pro almoço ou janta. À sesta, seu Louro sentava do meu lado e ficava apreciando o talento do filho nas cordas de aço. Quando não, era chutando a bola um pro outro, ou aprontando coisas de meninice. Anos de infância e adolescência, até que me mudei de lá e só o reencontrei já na segunda metade dos anos 1980, para integrar a equipe de músicos do meu show Por um novo dia. Ele já era músico prestigiado por todas as bandas e já se assinando Vavá de Aprígio. Festejamos e fizemos bonito, maior barato. Depois do evento, piquei a mula Brasil afora, só revendo o amigo muitos anos depois, para gravar os meus frevos da Folia Caeté. Comemoramos e pintou tudo às mil maravilhas, com a participação do maestro Maurício Malafaia e outros músicos da minha estima. Foi festejo que só em copos e rodadas. Tudo passou e agora é como se ouvisse o escritor espanhol Enrique Vila-Matas: Mais do que o vazio, o que importa é o conteúdo do vazio... Encontramo-nos em uma corrida louca rumo ao nada. Coisas do coração falam mais alto Marguerite Yourcenar: Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana. É a hora nostálgica da qual fala Augusto Roa Bastos: Nesses momentos, quando a humanidade como um todo está em estado de decadência, sempre existem aqueles seres excepcionais como ponto de referência. Hoje vez em quando a gente se cruza, joga conversa fora e fala dos projetos adiados para quando o genocídio e a pandemia folgarem um pouco e a gente mandar ver numas estripolias boas lembrando as presepadas de infância e das últimas curtidas sonoras das nossas audições. Vamos nessa!

 


DOIS: Das lembranças no meio dos livros - Ao som de Saudações – Sertões Veredas (ECM, 2009), de Egberto Gismonti, com a Camerata Romeu, sob a regência de Zenaida Romeu. - Bordejava eu com meus vinte e poucos anos pela rua 7 do Livro, quando ela me deu a edição do Lítero-Pessimsta, com a publicação de um poema do meu primeiro livro. Foi uma verdadeira festa no meu coração. E trouxe junto Francisco Espinhara, Marcelo Mário Melo e Eduardo Martins pra gritaria performática duns versos independentes nos céus do Recife. Ô festa boa! Lá estávamos e eu me aprontava para Piratear recepcionando o abraço de Arnaldo Tobias e Cícero Melo, com a novidade me levaram para uma roda com Jaci, Juareiz e Paulo Caldas que ouviam as cipoadas poéticas de Ângelo Monteiro e Alberto da Cunha Melo. Era cada virada de copo e de noite, de me perder da Boa Vista e errar o caminho de volta para casa. Tempos bons. Ainda tenho entre meus livros nas estantes a coletânea Restos do fim e O cavaleiro da epifania, que são desta época. Depois que adquiri nas minhas passagens pelo Recife os livros Cântaro (2000) e Gume (2005). E agora folheando Solo para Vialejo, revejo na memória viva e verdadeira a premiada e votada poetamiga Cida Pedrosa como se me dissesse desde sempre: Eu acredito que o poema pode mudar o mundo ou uma pessoa, ou o dia de uma pessoa. E é por isso que eu escrevo. Essa é a minha maior militância de todas as minhas militâncias. E depois recitasse... : a mulher virou homem o trabalho / e a desigualdade por baixo da saia: trouxa / na cabeça camisa cáqui de mangas compridas / chapéu de palha quartinha de cabaça e só / calça comprida por baixo da saia / calça comprida por baixo da saia / calça comprida por baixo da saia. Aplausos de sempre. Beijabrações, sucesso & saudades.

 


TRÊS: Medo de fechar os olhos – Imagem do escultor, poeta e artista tcheco Gyula Kosice (1924-2016), ao som Prelude 4, de Heitor Villa-Lobos, na interpretação do violonista alemão Peter Graneis. – O medo de fechar os olhos na escuridão da infância até agora e não sabia. O medo de abrir os olhos e o bicho embaixo da cama e os monstros dos velórios do meu quarto, minha casa meu cárcere na lápide da catacumba de todo fausto que apenas ouvi dizer por que só havia decadência por todo lado desde sempre. Fechar os olhos e abri-los e o Sol tiver roubado o dia para que nunca mais amanheça e não ter como fazer as pazes com Deus no meio das alternativas de escolher e resistir, de errar e não mais. Ou abrir os olhos no fundo do mar ou no oco do abismo, no estômago de um mastodonte e perder a fronteira e cair do outro lado ou me envultar de vez porque perdi a guerra e não estou sozinho, embora não tenha ninguém por perto. Abrir os olhos e ouvir o escritor e dramaturgo polaco Witold Gombrovicz (1904-1969): Eu dei vazão à minha estupidez ... e aqui estou eu, renascido. Nosso elemento é a imaturidade sem fim. E fechá-los com o eco de Platão na cabeça: Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz. E ao abri-los ficar encadeado de doer com Gandhi insistindo: O medo tem alguma utilidade, mas a covardia não. E eu que nunca fui covarde com o medo de fechar os olhos e ter de retornar para um lugar que não me cabe e nem reconheço mais porque havia não sei quantas maneiras de ser diferente e perder a sinarquia dos mistagogos, inescrupulosamente desesperançado das dúvidas inquietantes por ser derrotado pela ressurreição das arruinadas verdades sagradas nas ondas do ressentimento e no deserto das ausências. E abrir os olhos e não mais ouvir Clarice: Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite... O medo de fechar os olhos como se a vida fosse uma causa perdida e eu nunca me resignei, nem me arrependi e agora é tarde recuperar o que perdi porque vi o que ninguém vu, senti o que ninguém sentiu. E enfim me salvar com a frase de Beatriz Bracher: Nenhuma palavra pode alcançara luz rosa e a transformação das pedras monumentais do amanhecer... E seguir cego sozinho sem ter para onde ir. Até mais ver.

 

A ARTE TEATRAL DE WALBER BARRETO


 

A arte do ator e professor Walber Barreto Pinheiro, que é ator e professor de Língua Portuguesa. Ele iniciou sua carreira no Projeto Arteatro, em 1996, participou do projeto Mais Educação e além de performances de teatro popular, realizou uma temporada exitosa com a encenação da peça O discurso da pura razão, do premiado dramaturgo, pintor e advogado Elmar Castelo Branco, com o qual foi premiado no Festeráguas 2019. Confira a entrevista que ele me concedeu aqui e mais Teatro aqui e aqui.

 

 

sábado, abril 10, 2021

TERESA WILMS MONTT, CORÍN TELLADO, VONNEGUT, BRUNO KIEFER, ČIURLIONIS, MESTRE SOLÓN & GILVAN LEMOS


  

TRÍPTICO DQC: UMA ÚNICA VEZ &ALGUNS DIAS – Ao som de Saudade, do compositor Bruno Kiefer (1923-1987), na interpretação da pianista Liliane Kans e do clarinetista Diego Grendene, no Encontro Brasileiro de Clarinetistas e Claronista, recolhida do álbum O clarinete na obra de Bruno Kiefer (Tratore, 2020). – Aterrissei - aeronave com motor ligado: só para reabastecer, matar um taquinho da imensa saudade e cair no mundo, muito ainda a desenrolar por aí. Não dá para esperar o desfecho do desgoverno genocida – cuido cá de mim e de quem mais no braço elástico por aí. Lamentavelmente tem muita gente que não está nem aí. E a prova é tanta que apenas 25% decidiram e mandam ver se segurando de todo jeito no grito – também, pudera, só: a covardia oportunista e deixa ver como é que fica. Ora, ora. Outros 25% esperneiam titubeando a cama de gato e o contrapé da topada. E os 50% restantes ou roncam ou ignoram. Pode? Pois é. Fazer a minha parte é o que me resta. Confesso estar ainda naquela: umúnica vez & alguns dias. Nada não. Sei que tenho sete vidas e não é a primeira vez, nem a última; se encontrei, reencontrarei, oxalá; só não sei quando. Ainda me surpreendo com a Corín Tellado: Acho que somos muito parecidos. As mulheres param e os homens urinam na parede, só isso. Eu sou homens maravilhosos e sensíveis. Mais ainda com o escritor alemão Kurt Vonnegut (1922-2007): Temos que pular de penhascos continuamente e desenvolver nossas asas durante a queda. Cuidado com o que você finge ser, pois você é o que finge ser. Pois é, ainda muito me surpreendo e me espanto sempre, sigo ressurreto das encruzilhadas, cantarolando do Chico: Vida, minha vida, olha o que é que eu fiz...

 


DOIS: SOU UM BONECO DO MAMULENGO - Ao som de La cesta de flores, op. 9, da compositora e maestrina venezuelana María Teresa Carreño García de Sena (1853-1917), na interpretação da pianista venezuelana Clara Rodríguez, professora do Royal College of Music, de Londres. – Nas minhas andanças, paisagens e indiferença. Encarei meu alter ego e eu que era o boneco do mamulengo – o Tião de Hermilo -, não me reconheci: eu tenho vida, os outros são iguais. Foi o Mestre Solón quem advertiu: Antes de existir o homem, existiu o boneco. E mais Schopenhauer: Às vezes converso com os homens do mesmo modo como as crianças conversam com seus bonecos: embora ele saiba que o boneco não a compreende, usando uma visão agradável e consciente, consegue divertir-se com a comunicação. Então, abri os olhos e a vida às minhas mãos, ventríloquo da Lindanor Celina: Evidente que a vida é tudo entremeado, sal de lágrimas, mel de riso e as amarguras dos desesperos, dos ciúmes... Meu medo é que sigas sempre desse jeito, atraindo abismos. De porta fechada e piso em falso, muito equilibrei, sou não-eu: fiz do outro o que sou.

 


TRÊS: REENCONTRO MARCADO - Imagem: Veiled Woman (1907), do pintor e compositor lituano Mikalojus Konstantinas Čiurlionis (1875-1911), também autor da música Miške (In The Forest/Five Preludes – Marco-Polo, 1990), na interpretação da Slovak Philharmonic Orchestra, maestro Juozas Domarkas. - A solidão dói: talho que não mata. Para quem sabe, criativa: reinvento a mim mesmo e o mundo. A chuva torrencial e invento pouso ensolarado; se calorão, concebo aragem à sombra pitombeira e um poema de Teresa Wilms Montt: Diante da minha janela fechada, pergunto ao tempo quanto mais terei de viver. Sombras inundam minhas cortinas, e a claridade mal marca uma linha tênue. O relógio está hesitando de um coração doente. Em um gesto convulsivo, minhas mãos se contraem no papel. Eles buscam o apoio da terra. E sou encontro e muitos desencontros: aprendi muito – a maior parte desse aprendizado restou inútil, valha-me! Muito mais para aprender e a minha vida é pouca. Se em cima da hora, pronto para outra viagem, um reencontro, o reencontro marcado. Até mais ver.

 

A LITERATURA DE GILVAN LEMOS



Os aventureiros, oportunistas, desonestos, macomunados com o poder conseguem o que pleiteiam; os honestos, classificados de bestas, prosseguem inconformados, em sua vidinha obscura.

A literatura de Gilvan Lemos (1928-2015), autor de obra como Noturno sem música (Nordeste, 1958), Jutaí menino (Cruzeiro, 1968), Emissários do diabo (Civilização Brasileira, 1968), Os olhos da treva (Civilização Brasileira, 1975), O anjo do quarto dia (Globo, 1976), Os pardais estão voltando (Guararapes, 1983), Espaço terrestre (Civilização Brasileira, 1983), Cecília entre os leões (Bagaço, 1994), A lenda dos cem (Civilização Brasileira, 1995), Morcego cego (Record, 1998), entre outros. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 



domingo, março 07, 2021

MARISA REZENDE, TERESA NAZAR, JUANA DE IBARBOROU, JEFFREY EUGENIDES & CLÓVIS PEREIRA

 

 

TRÍPTICO DQC: SOS Brasil! - Ao som do álbum Amazônia (Carmo, 1990), de Egberto Gismonti. - Salve toda gente de Pindorama! Os dias não estão tão simpáticos assim, não mesmo. É que aqui a coisa vai de mal a pior já faz um bom tempo. Pudera, já se vão uns cinco anos desandando e empiorando a cada amanhecer. Nunca me passou pela cabeça que a gente, depois de tanta luta de décadas pela plenitude democrática, de uma hora para outra, ao invés de seguir adiante, o Brasil deu marcha à ré de ficar só nisso: dirigindo pelo retrovisor. Ainda me pergunto como é que pode na última eleição, entre tantos candidatos, o pior foi escolhido. Isso sem contar com golpes, um atrás do outro: roubaram nossos sonhos. Como é que pode? Pois foi, para completar o Kid Coisonário com a sua tresloucada trupe sentou-se em Brasília, patrocinado pela elite infame dos seculares sátrapas do nepotismo oligarca, imprensa vendida e salafrários trampolineiros da mão invisível a serviço da opressiva dominação das transnacionais corporações e lá tome voto regido a mentiras e orações. Queria mais? Sabia eu lá que haveria tantos Fabos, Cafos & similares ilegíveis do Mobral onipresente e do bestiário da Planolândia daqui (tão tóxicos e corrosivos da peçonha e as suas nada brilhantes inteligências que precisam de tratamento psiquiátrico por seus desequilíbrios mentais e estupidez à flor da pele, nenhum inimputável, diga-se de passagem), e aboletados com suas tronchuras tão levianas quanto ressentidas na Operação da Praga Duradoura e que se multiplicaram a cada ninhada, dando cria aos montes, não havendo direito qualquer perspectiva de erradicá-los no moribundo Brasil que virou o Corcunda Recalcitrante das Mil e Uma Noites: quem não suspeito? De quem a culpa, ora essa, tantas vidas perdidas e todo mundo ligado no Big Shit Bôbras, voyeurs e ególatras umbigocentristas, que não tem quem seja capaz de dar um breque na desabalada descida: Êêêêêê, boi do cu-cagado! Fico cá comigo pensando quem poderá sobreviver aos bregues detratores e aos esbarrões das ameaças furiosas das cabeçadas e patrioteiras carteiradas deles, como se isso fosse possível, digo logo, longe disso, são desumanos porque indiferentes, o que já é meio caminho andado para a barbárie. Meio caminho nada, já é. Quem conseguiria persistir humano se tudo virou como se fosse aqueles suntuosos casarões de outrora demolidos pela especulação imobiliária, o que me dá a impressão de pegar no sono e, de um dia pro outro, o país deixar de existir de tão esturricado no abismo e tragado pelo sensacionalismo do noticiário. Eita, pau! Já dizia acertadamente Sérgio Augusto: Nesta terra em que se corrompendo tudo dá! Parece mesmo um nó cego, senão insolúvel. Pois é, eu mesmo fico com a cara daquele escritor britânico, Kenneth Grahame (1859-1932): É o meu mundo e não desejo nenhum outro. Sim, mas ele alerta no seu The Reluctant Dragon (Egmont, 2008): A fera terrível deve ser exterminada, o interior deve ser libertado dessa praga, desse terror, desse flagelo destruidor. Mas são muitos e tantos, um exército de acéfalos com as fileiras engrossadas não sei como. Otimista por natureza, lá vou enfrentando a destruição como posso e não é nada, a desgraça com efeito em cadeia parece indestrutível, valha-me! Como sair do Fecamepa, SOS Brasil! Salve-se quem puder!

 


DOIS: Escapar da tirada de fino e bala perdida - Imagem: a arte da artista visual, escritora e professora Teresinha Soares, ao som do Canticum Naturale, per soprano e orchestra (1972), de Edino Krieger, com a soprano Evi Zeller & Philharmonisches Orchester Südwestfalen. – Por conta disso, lembrei-me que minha vó dizia insistentemente que a mãe havia jogado meu umbigo no rio, coisa que me levou a me afeiçoar tanto por água. Lá no quintal dos meus avós havia um brejo e eu menino só vivia pela beirada. E ela: Menino sai daí, tu ainda morre afogado, desgraçado! Um bocado de década se passou e nem morri de mesmo, exceto duas ou três vezes que fui do outro lado e voltei mais compenetrado que nunca, não me passando por aquele do Dente quebrado, do escritor venezuelano Pedro Emílio Coll (1972-1947), nem me aventurando por rios caudalosos ou mares tempestuosos. Ao contrário, me peguei muitas vezes naquela do escritor estadunidense Michael Hart (1947-2011): Muitas vezes foi dito que se Jesus voltasse à terra, ele ficaria chocado com muitas das coisas que foram feitas em seu nome e horrorizado com as lutas sangrentas entre diferentes seitas de pessoas que se dizem seus seguidores. Aí sim: quantos não vejo em nome dele tramar falcatruas, enrolar fieis e mandar na ver ajeitado no pé do cipa, pois é. Nem polícia, nem Justiça nem ninguém dá cabo deles: estão todos enrolados até o pescoço e em nome de Jesus, cruz-credo! Bem, olho pros lados e vejo: verdadeira perdição. Então, pensei na minha vó: de que poderia mesmo eu morrer, com tantos meteoros passando e tirando fino, tantos satélites pendurados, aeronaves para cima e para baixo, afora outras tantas ameaças, sobretudo do monstro invisível com a morte rondando aqui e acolá, ora, ora. Bem, dum sopapo da vida ou duma disfuncionalidade orgânica qualquer, não sei, vou escapando: passam triscando por mim, alguns arranhões e rugas, apenas. No mais, ileso e resiliente.

 


TRÊS: A VÊNUS DO QUINTAL - Imagens: arte da artista multimídia argentina Teresa Nazar (1936-2001), ao som de Cismas para trio de cordas, contrabaixo e piano (1997), da compositora Marisa Rezende, na interpretação da pianista Thais Nicolau & Quarteto Radamés Gnattali, no Festival de Música Contemporânea Brasileira (2018) – Ah, sim, pois foi exatamente pelo periodo em que era eu menino lá da beira do brejo, que se deu a descoberta duma estátua enterrada no quintal. Foi isso mesmo, verdade. Uma estátua enorme de Vênus, acho. Fiquei tão excitado com aquilo de querer ficar ao seu lado o tempo todo – ora, desde menino eu conversava com plantas, paredes e amigos invisíveis, ela seria real e em tamanho natural, muito melhor. Não deu, logo me tomaram e esconderam não sei onde, a ponto de, com o passar do tempo, esquecê-la, não antes chorar de sonhar dias, meses, anos. Pois bem, agora, depois de todos mortos, lá vou eu com questões de inventário, formais de partilha e me deparo com o quarto dos pertences dos meus antepassados. Nunca que poderia adivinhar que a família pudesse guardar tanta tranqueira. Tudo amontoado num dependência duma casa que sequer sabia existir. Pois bem, lá fui eu ver o que sobrara do espólio: meio mundo de coisa empoeirada e coberta por teias de aranha, nada mais. Um verdadeiro monturo. Quase desisti da conferência, não fosse na mínima vasculhada rápida, lá escondida estava ela, tal e qual a La Vénus d'Ille (1837), de Prosper Merimée: Apenas devemos fazer as tolices que nos agradam. E, talqualmente aquela do poeta francês Jules Barbier (1825-1901): E afinal era só uma boneca de olhos de esmalte. Isso mesmo quando se repetia no intervalo entre o primeiro e o segundo ato do seu texto operístico Les contes d'Hoffmann (1881), musicado por Jacques Offenbach: É ridículo: ninguém se apaixona por uma boneca! Tudo baseado na história da boneca de Hoffmann, que até virou filme dirigido por Michael Powell e Emeric Pressburger: Olympia não passava de uma enorme boneca mecânica. Pois sim, depois de remover todas as catrevagens, quase tudo direto pro lixo de imprestável, exceto a estátua que guardei no meu quarto. Ficou lá, encardida mas limpinha, como se fosse um troféu. Dia vai, dia vem, eu chegava, olhava para ela e ali ficava por horas até adormecer. Um dia lá, cheguei tão cansado que só deu tempo de me banhar e me recolher, nem olhei para ela, nem nada, tratei de dormir, mas o sono foi interrompido, ouvi alguém falar Juana de Ibarborou: O amor é fragrante como um ramo de rosas. Amoroso, todas as fontes são possuídas. A minha surpresa? Era ela, a Vênus Galateia do meu quintal, viva nudez no meu quarto. Como pode? Disse-me Jeffrey Eugenides: Essa obrigação de ser feliz paradoxalmente nos deixa cada vez mais infelizes. No final, não foi a morte que a surpreendeu, mas a teimosia da vida. Como é? Não entendi! Ela fitou-me firme e decididamente, abraçou-me deitando-se em minha cama como se fosse Maria Bonita governando Lampião, afinal, todo dia é Dia da Mulher e eu atravessasse com ela toda primavera. Era verão quando ela saiu e não mais voltou, nem disse adeus. Hibernei, só voltarei ao final do outono. Até mais ver.

 

A ARTE DE CLÓVIS PEREIRA



A arte do compositor, arranjador, pianista e regente Clóvis Pereira, autor de frevos, caboclinhos, maracatus e obras para coro e orquestra e de peças sinfônicas. Em sua homenagem a obra Clóvis Pereira: no reino da pedra verde (Cepe, 2016), do jornalista, pesquisador e crítico musical Carlos Eduardo Amaral, abordando a vida e uma coletânea importante para a música erudita pernambucana, além de informações sobre o lançamento das composições, formação instrumental, bem como iconografia e dados coletados com o próprio músico. Na primeira parte da obra é contada a trajetória do garoto pobre de Caruaru, apaixonado por música e cinema, ao respeitado professor universitário, com cursos na Berklee College of Music, em Boston, Massachussets, nos EUA, hoje gozando de uma confortável aposentadoria, e finalmente podendo conviver no dia a dia com a família, mulher, filhos, netos. A segunda parte é um catálogo da sua obra, envolvendo uma listagem e classificação das partituras e discos; consultas presenciais e online a bibliotecas do Recife, do Rio de Janeiro e de João Pessoa; entrevistas com músicos que interpretaram peças do compositor ou tiveram peças arranjadas por ele; e redação final. Veja mais aqui e aqui.


 


sexta-feira, março 05, 2021

BYUNG-CHUL HAN, MARK DANIELEWSKI, LACEY LEWIS, SIMON BISLEY & CÍCERO DIAS

 

 

TRÍPTICO DQC: Janelavai... – Ao som do álbum Études, preludes, choros (RRMR, 1986), de Heitor Villa-Lobos, na interpretação do violonista Turíbio Santos. Da janela a hora e já vou: a indiferença grassa, o morticínio tornou-se insuportável e a mordaça da negação ousa coibir a gritaria dos que sucumbiram e dos que escaparam aflitos. Recolho todos os meus mortos: os da convivência, os que se foram das mais longínquas plagas e todas as vítimas do irresponsável Genocídio do Fecamepa, que Mario Sergio Cortella flagra na tragédia: ... tem levado a população a uma situação de agonia cada vez mais forte. Na educação, na saúde, na cultura e na economia, a gestão federal tem sido desastrosa. E vem levando algumas instituições, como as Forças Armadas, à total desmoralização. Sensação das cinzas, dói demais e quem culatreia ou acuado na condução persecutória, salve-se quem puder ao deus dará. É o que se pode fazer pregados olhos no artigo O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã, do filósofo Byung-Chul Han: Precisamos acreditar que após o vírus virá uma revolução humana. Somos nós, pessoas dotadas de razão, que precisamos repensar e restringir radicalmente o capitalismo destrutivo, e nossa ilimitada e destrutiva mobilidade, para nos salvar, para salvar o clima e nosso belo planeta. É o que nos resta depois de uma espiada aguda na sua obra Sociedade do cansaço (Vozes, 2015), na qual assevera: A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos de obediência”, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos. Enfim, observa ele: O homem não nasceu para o trabalho. Quem trabalha não é livre. Respiro fundo e voo: a minha liberdade é inegociável, sou ave Patativa de Assaré: Onde a verdade aparece a mentira é destruída. E se eu tivesse que morrer hoje ou agora mesmo, tudo já teria valido a pena. Para onde vou será sempre dia; e o anoitecer, descanso. Por isso levo todos e quem quiser comigo bem dentro do coração: já nela vou lá.

 


DOIS: Escrita das imagens dos pedaços – Imagens: As heroínas do quadrinista e artista visual britânico Simon Bisley, ao som da Cello Sonata in C-Major, op. 119 (1949), de Sergey Prokifiev, na interpretação da pianista Sol Gabetta e da cellista Polina Leschenko (2016). – E vai a vida e gira e voo estrada afora sem contar as pedras dos caminhos, já foram tantas rolando ribanceira abaixo e nunca tive medo de me perder, quantos labirintos desatei das tocaias da legião de minotauros e sicários em série, desencantados nas rebarbas escatológicas do ermo real, fabricados pelas cloacas desiguais. Havia de me salvar não sei das quantas e sempre ela assomava do inopinado no valhacouto das circunstâncias, a me dizer Rosa Luxemburgo: Não estamos perdidos. Ao contrário, venceremos se não tivermos desaprendido a aprender. Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir. Mas nós conseguiremos... Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem. A Liberdade é quase sempre, exclusivamente a liberdade de quem pensa diferente de nós. E era o pão de cada dia, fome saciada com migalhas agarradas pela mão. Lá estão estradas erradias e uma esperança indelével recolhida dos olhos do coração dela.

 


TRÊS: Olhar a alma de todos os sobreviventes - Imagem: a arte da artista visual estadunidense Lacey Lewis, ao som do álbum Satie: Complete Piano Works Vols. 1 e 2 (Brilliant Classics, 2010), de Erik Satie, na interpretação da pianista italiana Christina Ariagno. – Solidária solidão, não tinha mais onde ficar sequer para onde ir. Quando ela desaparecia, errava às cabeçadas muros e paredões, até ver-me sacudido pelas aversivas condições, a tê-la ao lado, arrimo de todas as horas, recitando Anna Akhmátova: Eu, como um rio, / Fui desviada por estes duros tempos. / Deram-me uma vida interina. / E ela pôs-se a fluir num curso diferente, passando pela minha outra vida, e eu já não reconhecia minhas próprias margens. O que se perde não ganha, mas o achado quando menos se espera. Quando não, no meio da tarde ela me dizia um trecho do House of Leaves (Pantheon, 2000), do escritor estadunidense Mark Danielewski: Paixão tem pouco a ver com euforia e tudo a ver com paciência. Não se trata de se sentir bem. É uma questão de resistência. Assim como a paciência, a paixão vem da mesma raiz latina: pati. Não significa fluir com exuberância. Significa sofrer. E para quem sofreu além da conta e ainda achava pouco, nunca demais, o cansaço e ela, era o que tinha mais haver, não mais. Ela ausente sequer imagina viver em mim, mesmo que nem me dê conta por onde anda ou vai, vive inteira e real em mim. É hora de prosseguir, mesmo que as tardes sejam madrugadoras ou as manhãs anoitecidas, ziguezague e vice-versa, eu voo: não passei do ponto, a hora é esta. Até mais ver.

 

A ARTE DE CÍCERO DIAS



Num clarão estranho, rompendo tudo, num ruído metálico de suas grandes asas, os poderosos arcanjos vão paliando pelas costas do Nordeste os corais. Corais e mais corais. Belos, rosas, vermelhos. Sabiam da luz das estrelas. Estrelas cadentes, bem vivas, a mostrar o caminho da vida eterna. E, ao abrigo de uma esfera celeste, colorida de um azul de anil, as formas e as cores se ajustavam.

A arte do artista plástico do Modernismo brasileiro Cícero Dias (1907-2003). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.


 


quinta-feira, março 04, 2021

BERNANOS, BASSANI, IVAN ANTÔNIO, NOBUYOSHI ARAKI, KHALED HOSSEINI & LAYZA PEREIRA

 

 

TRÍPTICO DQC: O trâmite da solidão - Ao som de From My Life - String Quartet N.1 in E minor, de Bedrich Smetana. – Cada qual seu caminho, luzes acesas ou não, chuvadas ou estio, às tacanhices e reificações. Olho para céu recorrentemente, piso o chão atento às esquinas e a finitude se desenha nas estrelas inalcançadas e pelas estradas que não sei aonde vão dar. Persigo na passada a me desprender da redoma do que sou, a ponto de ser-me tão longe de sequer reconhecer-me. Ouso o impossível com a minha exiguidade, a ouvir do escritor francês Georges Bernanos (1888-1948): O acaso assemelha-se a nós. O pobre prefere um copo de vinho a um pão, porque o estômago da miséria necessita mais de ilusões que de alimento. Não me basta o que já foi percorrido, por mais andejo tudo foi muito pouco. O futuro? Ah, melhor diz Nikolai Gogol: A única coisa que vale a pena é fixar o olhar com mais atenção no presente; o futuro chegará sozinho, inesperadamente. É tolo quem pensa no futuro antes de pensar no presente. Quanto mais sublimes forem as verdades mais prudência exige o seu uso; senão, de um dia para o outro, transformam-se em lugares comuns e as pessoas nunca mais acreditam nelas. Sim, quantas mentiras que se passam por verdade, incautos ou estúpidos que se deixam levar. Retomo a caminhada e não haverá nunca camisa-de-força ou limite territorial, estou com Valery: Há momentos infelizes em que a solidão e o silêncio se tornam meios de liberdade. E me recrio a cada instante enquanto voo sozinho.

 


DOIS: A cena solidária - Ao som das Afinidades Brasileiras (1985), do compositor e flautista belga Mathieu-André Reichert (1830-1880), na interpretação da concertista e flautista francesa Odette Ernest Dias e da pianista Elza Kazuko Gushikem. – Sozinho, vida aberta, mãos pelos bolsos, voo pelas calçadas. A noite é longa e deserta. De repente me deparo com alguém talvez perdido que recita um poema afetuoso a um ouvinte das ruas, assim me parece. Saúda a minha presença ali e sai por aí aos versos e cantos. Sigo seus passos pelas praças e periferias a poetar cantante. Há algo de íntimo de afinidade, como se fosse alguém que veio da caatinga e se tornou um operário da arte. No arruado da beira do rio me fala do Teatro da Solidão Solidária: método de inclusão social por meio da arte e da cultura da paz em prol da solidariedade humana, em suma: um método de mediação de conflitos e inclusão social através da arte, com a expectativa de protagonizar a interação entre empresários, pessoas em situação de rua, policiais, ex-presidiários, advogados, professores, estudantes, assistentes sociais, psicólogos, donas de casa, enfim, um conjunto plural e diversificado de pessoas. Ou como ele mesmo reitera: Fiz uma imersão nas dores e na desesperança de crianças, homens e mulheres em situação de rua numa pesquisa que durou dez anos. E passava dias embaixo das pontes e marquises, esmolando pelos albergues e recintos hospitaleiros. Ao percorrer o reino dos invisíveis nas cidades que são minhas e dele: São dezoito países da Europa, América Latina, além dos Estados Unidos, que vivencio na prática as dores e a desesperança de pessoas em estado de exclusão extrema, depois compartilho minha pesquisa com meus alunos de segmentos sociais diversificados (empresários, advogados, artistas, psicólogos, médicos, professores e estudantes) para juntos criarmos meios de amenizar as diferenças e as desigualdades entre todos nós. Dele ouvi canções de Eus... da fúria à ternura (2018) e poemas do seu Amor Revolução Silenciosa (Kalango, 2019) e doutras suas publicações poéticas mobilizando pessoas: para o socialmente mais justo e artisticamente mais pleno. E praticar o bem, sem olhar a quem. Quem era? O poeta, dramaturgo e compositor Ivan Antônio: A solidão em mim se faz tão companheira desde a minha infância, mesmo tendo ao meu redor pessoas que tanto amo e que sou amado, sinto uma “solidão do mundo,” desde cedo, inexplicavelmente ela me acompanha e percorre os mais submersos cantos da minha alma e a arte, a música tem sido ao longo da minha existência uma amiga que aponta caminhos e que tornando-se farol pra mim, me faz entender melhor esse processo de solidão. O interessante é que a mesma música que me salva da tristeza do sentir-se só, foi motivo de desespero e desesperança na minha infância (risos) por ser muito desafinado e mesmo assim amar tanto o “cantar”, o bullying era a festa dos meus amiguinhos na infância e depois na adolescência. No deserto da madrugada, era hora de voltar, me despedi e ficamos de nos cruzar em qualquer encruzilhada da vida deste mundão arrevirado e de porteira escancarada. Na volta para casa, me assustei com a aproximação de alguém desconhecido. Precavido, quase mudo de calçada. Uma mão ao meu ombro, temi pelo pior, dei de cara com o escritor italiano Giorgio Bassani (1916-2000): O medo sempre foi um mau conselheiro. Na vida, se você quer entender, realmente entender como são as coisas neste mundo, você tem que morrer pelo menos uma vez. Para quem já havia morrido duas vezes na vida, uma terceira morte seria um novo aprendizado para mim.

 


TRÊS: A Deusa da Lua - Imagens: a arte do fotógrafo japonês Nobuyoshi Araki, ao som do Konzert für Streichorchester und Zheng (2015), do compositor chinês Tan Dun, com a Frankfurt Radio Symphony Orchestra, Yuan Li & regência de Julian Kuerti. – Retomei a caminhada de volta para a casa e percebi que algo se movia no céu entre as nuvens carregadas. Estava prestes a chover e algo minimamente brilhante contornava o espaço aéreo. Era um ponto fulgente que, a cada volta, ampliava suas dimensões e ziguezagueava justamente acima do trajeto que eu percorria. Havia uma certa aproximação a cada giro, a ponto de atravessar a rua e pousar próximo na calçada na qual eu seguia. Logo foi se transformando em uma coisa parecida com uma árvore de cores vermelhas e, mais se transformando, por fim, tornou-se uma linda mulher de pele macia e vestido longo transparente com tonalidades de azul e prateado. Saudou-me e me disse ser Chang. Abraçou-me dizendo: Espero o meu amado há muito tempo, lá na Lua, sozinha. E contou-me que trouxe uma porção do elixir da eternidade que a Rainha Mãe do Monte Kunlun lhe dera para mim. Para mim? Sim, eu mesma tive que ir até ela, atravessando o Rio das Águas Afogadoras e a Montanha das Chamas Ardentes. Foi ela que me apontou e me mandou até você. Não beba toda a Poção da Imortalidade, só a metade, senão ficará condenado a subir ao céu como um imortal. Eu mesma derivei desolada para a Lua, onde passo o resto dos meus dias em meu palácio solitário, na companhia apenas do coelho de Jade. Foi a Rainha Mãe quem me indicou você: a minha salvação e não precisarei mais retornar para lá. Tome. Desconfiado, olhei pros lados e ela insistente: Tome. E mais se explicou ser a deusa guardiã da Lua e logo sentou ao meio fio, me puxou deitando minha cabeça sobre seu colo para contemplar tudo e todas as coisas. Vi-a acenar não sei para quem e riu com meu ar de interrogação: É o Coelho de Jade que está nos saudando de lá da lua, retribuí o gesto. E rimos. Acariciou meus cabelos, tateou minhas faces e me disse Ding Ling: Encontramos a felicidade lutando no meio de uma tempestade violenta, não tocando alaúde ao luar, ou recitando poesia no meio das flores. Olhou-me atentamente, alisou meus lábios e me beijou demoradamente. Depois levou-me a face aos seios e falou do escritor afegão Khaled Hosseini: De todas as dificuldades que uma pessoa tem de enfrentar, a mais sofrida é, sem dúvida, o simples ato de esperar. E seguir tocando a vida. Porque, no fundo, sabia que era tudo o que podia fazer. Viver e ter esperanças. E me beijou novamente por dias e noites sem fim. Acenou para mim de lá da Lua, jogando-me beijos e fazendo gestos de que vela por mim a todo instante. Chamei-a e veio, está aqui agora, amém. Até mais ver.

 

IANDÉ DE LAYZA PEREIRA



Iandé é um projeto desenvolvido pela fotógrafa Layza Pereira, que remete a “nós” e compartilha saberes ancestrais retratados no cotidiano e vivência da comunidade indígena Potiguara, da Paraíba. As obras da exposição foram destinadas à promoção de condições de vida para as famílias da etnia. Veja mais aqui e aqui.

 



ANNE CARSON, MEL ROBBINS, COLLEEN HOUCK & LEITURA NA ESCOLA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som do álbum Territórios (Rocinante, 2024), da premiada violonista Gabriele Leite , que possui mestrado em...