QUANTO VALE UMA VIDA, GRACE… - Horizonte estreito e cabelos
ao vento, aflição nas pernas e os disparos errantes: para fuga basta apenas o
ermo ou a escuridão. Para caçada de gângsters ou policiais, quase não há saída.
A bela Grace fugitiva atravessa a noite, paragens pelas montanhas rochosas e um
lugar qualquer, onde o cão ladra e “todos têm pequenos defeitos facilmente
perdoáveis", cada qual sua história. Uma mão amiga para os demais
moradores dali. Ao primeiro contato relutam em aceitá-la e em receber sua
ajuda, por fim aceitaram-na por duas semanas, seria decidida sua sorte. Ela treme
ajudando-os nas tarefas cotidianas. O seu quid pro quo e a certidão: na
vila devia esse favor a eles. E como prova do seu valor auxiliando a todos em
suas necessidades. Não mais a forasteira Margaret, agora íntima nos trabalhos
domésticos, cuidando dos pequenos, auxiliando no estudo dos jovens, ensaiando
música com uma organista, acompanhando anciões noturnos. Pelo bom trabalho passou
aos elogios, cumprimentos respeitosos, permitindo-se, enfim, que ali residisse,
entre os simples habitantes daquela província. Continuava a realizar suas
tarefas quando a implacável surpresa a denunciou com a afixação de cartazes pela
polícia: desaparecida. Depois outra batida com novos cartazes: sua efígie no
cartaz e a cabeça a prêmio. A inquietação levou ao agravamento. Agora fora da
lei, novas exigências por refúgio. Do contrário, seria entregue. Para tanto teria
de pagar muito mais pela proteção. Fez-se passiva aos reclamos e aos abusos foi
submetida, consumida por todos. Até que tudo se precipita no meio da escravidão
braçal e sexual: o estupro e todos fecham os olhos, sabem o que se passa no
interior de cada recinto. Todos são evasivos, apenas tolerada. Assim, irrelevante:
nada nesse mundo é de graça. Levada a ocupar a carroceria de um caminhão e, novamente
estuprada, logo é jogada fora para que todos saibam da sua ingratidão pela
tentativa de abandoná-los sem satisfação. Mais submetida a penitências impostas
por todos. Agora com uma coleira ao pescoço, presa a uma pesada roda de
carroça. Cativa, torna-se indefesa e violentada. Por fim denunciada, ao
entregá-la aos captores não se previa o final tão trágico. Era a filha do chefão
Mulligan e uma sentença atrás da outra, todos executados. Para ela: o mundo
seria melhor sem aquele local, Dogville. Apenas o cão a ladrar, o martírio e a
hipocrisia, o refúgio e a arrogância de opressores, o confronto entre o
verdadeiro e o falso, quase a mesma coisa: a vingança na ponta da mira. Veja
mais abaixo e mais aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Se você quer
alcançar algo, se quer escrever um livro, pintar um quadro, certifique-se de
que o centro da sua existência esteja em outro lugar e que você esteja
firmemente conectado à terra. Dessa forma, poderá manter a calma e rir dos
ataques que virão. Pensamento do filósofo e físico austríaco, Paul Feyerabend (1924-1994), que na
obra Contre la méthode (Seuil, 1988), expressou que: [...] O único
princípio que não inibe o progresso é: tudo vale a pena. [...] É claro que a ideia de um método estático ou de uma teoria
estática da racionalidade funda-se em uma concepção demasiado ingênua do homem
e de sua circunstância social. Os que tomam do rico manancial da história, sem
a preocupação de empobrecê-lo para agradar a seus baixos instintos, a seu
anseio de segurança intelectual (que se manifesta como desejo de clareza,
precisão, objetividade, verdade), esses vêem claro que só há um princípio que pode
ser defendido em todas os estágios do desenvolvimento humano. É o princípio: tudo
vale. [...] Unanimidade de opinião pode ser adequada para uma
igreja, para vítimas temerosas ou ambiciosas de algum mito (antigo ou moderno)
ou para os fracos e conformados seguidores de algum tirano. A variedade de
opiniões é necessária para o conhecimento objetivo. E um método que estimule a
variedade é o único método compatível com a concepção humanitarista. [...]. Já na obra La
ciencia en una sociedad livre (Paidós, 1988), expressa que: [...] introduzir
uma nova teoria implica mudanças de perspectiva tanto em relação aos traços
observados como aos traços não observados do mundo, e as mudanças
correspondentes nos significados dos termos, inclusive os mais fundamentais da
linguagem empregada. [...] a influência de uma teoria científica
compreensiva, ou de algum outro ponto de vista geral, sobre nosso pensamento, é
muito mais profunda do que o admitem os que a consideram tão somente como um
esquema conveniente para a ordenação de fatos. De acordo com esta primeira ideia,
as teorias científicas são formas de ver o mundo e sua adoção afeta nossas
crenças e expectativas gerais e, como conseqüência, também as nossas
experiências e a nossa concepção de realidade. Podemos dizer, inclusive, que o
que se considera natureza em uma época determinada é um produto nosso, no
sentido de que todos os traços que nós lhe registramos foram, primeiro,
inventados por nós e usados depois para outorgar ordem àquilo que nos rodeia. [...]. Veja mais aqui,
aqui, aqui & aqui.
ALGUÉM FALOU: Meu desejo é que o tratamento nuclear do câncer seja tão disponível e tão
barato quanto a aspirina... Pensamento da física egípcia Sameera Moussa (1917-1952), que no dia 5
de agosto de 1952, pretendia voltar para o Egito, mas foi convidada para uma
viagem. No caminho, seu carro caiu de uma altura de mais de 12 metros e ela
morreu instantaneamente. O mistério em torno do acidente cresceu quando
descobriram que o convite para a viagem não era verdadeiro, além do
desaparecimento do motorista do carro que conseguiu saltar antes do acidente,
fazendo algumas pessoas acreditarem em um plano de assassinato. Acredita-se que
o serviço de inteligência israelense, o Mossad estaria por trás da sua morte.
COMO A POESIA SALVOU A MINHA VIDA - [...] Mentir é o trabalho de pessoas a quem dizem que suas
verdades não têm valor. O trabalho de sobrevivência está carregado de mitos e
mal-entendidos. O silêncio é obra de pessoas que não conseguem compreender que a
mudança é possível.
[...] Não, você não escreve sobre amor pela mesma razão que se
recusa a aprender a andar de patins. Você não gosta da ideia de introduzir qualquer coisa que
exija se machucar repetidamente antes de ficar bom nisso. [...] O silêncio é obra de
pessoas que não conseguem compreender que a mudança é possível.
[...] A profanação está ensinando? A violência é conhecimento? É assustador um tipo de vida? eu não tinha modelo para o renascimento. Nenhum plano de segunda vinda. [...] Aprendi o poder da identidade – a ideia de que mesmo uma
mulher sem instrução, como eu, que não tivesse lido Mary Wollstonecraft ou Bell
Hooks, poderia ser uma especialista em feminismo simplesmente por causa da sua
identidade como mulher.
[...] Eu... acredito que ler
passivamente sobre ou testemunhar injustiças nos prejudica - aumenta a
desconexão. A parte de nós que está sofrendo não cura no escuro; devemos
acender a luz para olhar para ela. Devemos prestar atenção [...]. Trechos
extraídos da obra How Poetry Saved My Life: A Hustler's Memoir (Arsenal Pulp, 2013), da premiada escritora canadense Amber
Dawn, que também expressa: Quando
eu estava pensando em Como a poesia salvou minha vida entrando no “grande mundo
literário”, eu o via mais como um subgênero ou um livro oprimido porque ainda
existem comparativamente poucos livros sobre trabalho sexual, especialmente de
autores que já trabalharam nas ruas, como Eu tenho. Revelar para quem trabalha no trabalho sexual nas ruas
ainda parece arriscado para mim. Além de Runaway, de Evelyn Lau (publicado em 1989), ainda
não li um livro de memórias em primeira pessoa sobre trabalho de rua. Mais dessas histórias devem estar por aí – talvez eu
ainda não as tenha encontrado.
DOIS POEMAS - UM GRITO SEM VOZ - O som de passos verdes é
a chuva \ Eles estão vindo da estrada, agora \ Almas sedentas e saias
empoeiradas trazidas do deserto \ Seu hálito queimando, misturado com miragens \
Bocas secas e cobertas de poeira \ Eles estão vindo da estrada, agora \ Corpos
atormentados, meninas criadas na dor \ A alegria desapareceu de seus rostos \ Corações
velhos e cheios de rachaduras \ Nenhum sorriso aparece nos oceanos sombrios de
seus lábios \ Nem uma lágrima brota dos leitos secos dos rios de seus olhos \ Ó
Deus! \ Não saberei se os seus gritos mudos alcançam as nuvens, \ os céus
abobadados? \ O som de passos verdes é a chuva. UM POEMA - Não tenho vontade de abrir a boca \ Sobre o que devo cantar...? \ Eu,
que sou odiado pela vida. \ Não há diferença em cantar ou não cantar. \ Por que
deveria falar de doçura, \ quando sinto amargura? \ Oh, o banquete do opressor \
Bateu na minha boca. \ Não tenho companhia na vida \ Por quem posso ser doce? \
Não faz diferença falar, rir, \ Morrer, ser. \ Eu e minha solidão tensa. \ Com
tristeza e tristeza. \ Eu nasci para o nada. \ Minha boca deveria estar selada.
\ Oh meu coração, você sabe que é primavera \ e hora de comemorar. \ O que devo
fazer com uma asa presa, \ que não me deixa voar? \ Fiquei muito tempo em
silêncio, \ Mas nunca esqueço a melodia, \ Pois a cada momento sussurro \ As
canções do meu coração, \ Lembrando-me do \ dia em que quebrarei esta jaula, \ Voarei
desta solidão \ E cantarei como um melancólico. \ Não sou um choupo fraco \ que
se deixa abalar por qualquer vento. \ Eu sou uma mulher afegã, \ só faz sentido
gemer. Poema da poeta afegã Nadia Anjuman (1980-2005).
DOGVILLE – O filme Dogville (2003), dirigido pelo
cineasta dinamarquês Lars von Trier e estrelado pela atriz australiana Nicole Kidman, conta a
história de uma bela fugitiva num lugarejo das montanhas rochosas. Ali ela
recebe a acolhida da comunidade e se esconde para, em troca, realizar serviços
para a população. Ao ser descoberta como procurada pela polícia, as exigências
dos habitantes passam a ser maiores, a ponto de torná-la escrava braçal e
sexual, sendo abusada e estuprada pelos moradores, até o momento em que ela é
entregue aos gangsters prenunciando um final trágico. O filme faz parte da
trilogia USA - Land of Opportunities. Veja mais aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
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