quinta-feira, julho 31, 2014

JANE HAWKING, GEORG TRAKL, SUSAN NEIMAN & GLÓRIA STEINEM


 

A SOLIDÃO DE TRAKL - A infância de um semi-nascido em Salburgo e os primeiros problemas emocionais: encarou as estranhices comportamentais da mãe e a morte prematura do pai, ambos protestantes. Arrimo de família muito jovem e a adolescência sustentada pela misantropia de poemas, com doses de ópio, clorofórmio, veronal e cocaína, entre animais azuis e o sono branco, um tempo remoto de terror e desalento. Os arroubos incestuosos com a irmã, o seu grande amor. Suas cartas destruídas, entre poemas refeitos e remontados a todo instante. A profunda angústia dos versos de Transfiguração. Outros como De Profundis, Crepúsculo de Inverno, Calma e Silêncio, Maranas gatona, Nascimento, Aos Emudecidos, e muitos que sobreviveram entre declínios e ocasos, desintegração e ruinas, decomposição e morte. Tornou-se farmacêutico profissional e atuou durante a guerra. Não havia remédios, nada poderia fazer, só o nexo entre a loucura de Hölderlin e o desespero de Celan. Presenciou o enforcamento de desertores e um suicídio. E diante do tanto de mortos e feridos, cambaleou com seu espírito já debilitado, nos versos de Grodek: À tarde soam as florestas outonais/ De armas mortíferas, as planícies douradas. / E lagos azuis, por cima do sol/ Mais sombrio rola; a noite envolve/ Guerreiros em agonia, o lamento selvagem/ De suas bocas dilaceradas./… Todos os caminhos desembocam em negra putrefação... Sua vida amargurada entre as drogas e poesia, a solidão e a doença do mundo, nos versos de Lamento: Sono e morte, as tenebrosas águias/ Rodeiam noite adentro essa cabeça:/ A imagem dourada do Homem/ Engolida pela onda fria/ Da eternidade... Em medonhos recifes./ despedaça-se o corpo purpúreo/ E a voz escura lamenta/ Sobre o mar./ Irmã de tempestuosa melancolia/ Vê, um barco aflito afunda/ Sob estrelas,/ Sob o rosto calado na noite... A imagem dourada e o corpo purpúreo, tudo despedaçado. Uma dose violenta overdose de cocaína aos vinte e sete anos no ocidente poente, tombando em definitivo durante sua internação na Cracóvia. Veja mais abaixo e muito mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Tudo o que você precisa para obter clareza, você deve começar com os olhos abertos. A maior tarefa da filosofia é ampliar nosso senso de possibilidade. O tribalismo sempre tornará o seu mundo menor; o universalismo é a única maneira de expandi-lo. Crescer significa perceber que nenhum momento da vida é o melhor e decidir saborear cada segundo de alegria ao seu alcance. Você sabe que cada um passará e não considerar mais isso uma traição. Pensamento da filósofa estadunidense Susan Neiman. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Quando vozes únicas se unem por uma causa comum, elas fazem história. A empatia é a mais radical das emoções humanas. O primeiro problema para todos nós, homens e mulheres, não é aprender, mas desaprender. O futuro depende inteiramente do que cada um de nós faz todos os dias; um movimento é apenas pessoas se movendo. Pensamento escritora, jornalista e ativista estadunidense Glória Steinem. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

VIAJANDO PARA O INFINITO – [...] Claramente aqui estava alguém, como eu, que tendia a tropeçar na vida e conseguia ver o lado engraçado das situações. Alguém que, como eu, era bastante tímido, mas não avesso a expressar as suas opiniões; alguém que, ao contrário de mim, tinha um senso desenvolvido de seu próprio valor e teve a ousadia de transmiti-lo. [...] Viver cada dia conforme ele acontecia, em vez de projetar alguma miragem fantasiosa num futuro distante, estava se tornando um modo de vida. [...] Digo a você o que sempre digo quando as coisas não podem ser alteradas: conte suas bênçãos. [...] Durante esses longos períodos de contemplação solitária num cenário de beleza tão dramaticamente assustadora, fui dominado por ondas de solidão. [...] Depois daquele dia decidi que nunca mais dependeria de outras pessoas. No entanto, colocar essa resolução em prática foi mais fácil de falar do que fazer. [...] No meu estado de espírito simples e pós-natal, estava convencido de que se o mundo fosse governado pelas mães de bebés recém-nascidos, em vez de velhos endurecidos que incitam jovens impetuosos à violência, as guerras cessariam da noite para o dia. [...] Viva no presente, disse ele, e confie em Deus através da escuridão, da dor e do medo. Então, como ele citou a passagem bíblica de Coríntios "Deus não permitirá que você seja provado mais do que você pode [...]. Trechos extraídos da obra Travelling to Infinity: My Life with Stephen (Alma Books, 2013), da educadora e escritora britânica Jane Hawking.

 

QUATRO POEMAS - MEU CORAÇÃO AO CREPÚSCULO - No crepúsculo ouve-se o grito dos morcegos. \ Dois cavalos saltam no gramado. \ O ácer vermelho sussurra.\ Ao andarilho surge no caminho a pequena taberna.\ Maravilhoso o sabor de vinho novo e nozes.\ Maravilhoso: cambalear bêbado na floresta crepuscular.\ Pelos galhos negros ressoam sinos aflitos.\ No rosto pinga orvalho. DE PROFUNDIS - Há um restolhal, onde cai uma chuva negra.\ Há uma árvore marrom, ali solitária.\ Há um vento sibilante, que rodeia cabanas vazias.\ Como é triste o entardecer\ Passando pela aldeia\ A terra órfã recolhe ainda raras espigas.\ Seus olhos arregalam-se redondos e dourados no crepúsculo,\ E seu colo espera o noivo divino.\ Na volta\ Os pastores acharam o doce corpo\ Apodrecido no espinheiro.\ Sou uma sombra distante de lugarejos escuros.\ O silêncio de Deus\ Bebi na fonte do bosque.\ Na minha testa pisa metal frio\ Aranhas procuram meu coração.\ Há uma luz, que se apaga na minha boca.\ À noite encontrei-me num pântano,\ Pleno de lixo e pó das estrelas.\ Na avelãzeira\ Soaram de novo anjos cristalinos. SALMO - Há uma luz que o vento apagou. \ Há uma taberna, de onde à tarde sai um bêbado.\ Há um vinhedo, queimado e negro com buracos cheias de aranhas.\ Há um aposento que caiaram com leite.\ O louco morreu. Há uma ilha do mar do sul\ Para receber o Deus Sol. Rufam os tambores.\ Os homens executam danças guerreiras.\ As mulheres balançam os quadris em trepadeiras e flores de fogo\ Quando canta o mar. Oh, nosso paraíso perdido.\ As ninfas abandonaram as florestas douradas.\ Enterra-se o desconhecido. Então cai uma chuva cintilante.\ O filho de Pã surge na figura de um trabalhador rural\ Que dorme ao meio-dia no asfalto em brasa.\ Há mocinhas num pátio com roupinhas pobres que dilaceram o coração!\ Há quartos repletos de acordes e sonatas.\ Há sombras que se abraçam diante de um espelho embaçado.\ Nas janelas do hospital aquecem-se convalescentes.\ Um vapor branco no canal traz sangrentas epidemias.\ A irmã desconhecida ressurge nos sonhos ruins de alguém.\ Descansando na avelãzeira, brinca com as estrelas dele.\ O estudante, talvez um sósia, contempla-a longamente da janela.\ Atrás dele está o seu irmão morto, ou desce a velha escada em espiral.\ Na escuridão dos castanheiros empalidece a figura do jovem noviço.\ O jardim cai a noite. No claustro esvoaçam os morcegos.\ Os filhos do guardião param de brincar e procuram o ouro do céu.\ Acordes finais de um quarteto. A pequena cega atravessa a aléia tremendo,\ E mais tarde sua sombra tateia frios muros, envolta em contos de fadas e lendas sagradas.\ Há um barco vazio, que à noite desce o negro canal.\ Na sombriedade do velho asilo desmoronam-se ruínas humanas.\Os órfãos mortos jazem no muro do jardim.\ De quartos cinzentos saem anjos com asas sujas de excrementos.\ Vermes gotejam de suas pálpebras amareladas.\ A praça da igreja está escura e silenciosa, como nos dias da infância.\ Sobre solas prateadas deslizam vidas passadas,\ E as sombras dos condenados descem às águas soluçantes.\ No seu túmulo o mágico branco brinca com suas serpentes.\ Silenciosos sobre o Calvário, abrem-se os olhos dourados de Deus. HUMANIDADE - Humanidade posta ante abismos de chama,\Um rufo de tambores, frontes de guerreiros tenebrosos,\ Passos pela névoa de sangue; negro ferro exclama;\ Desespero, noite em cérebros pesarosos:\ Aqui a sombra de Eva, caça e rubra dinheirama.\ Nuvens que a luz atravessa, vespertina refeição.\ Em pão e vinho deve um doce silêncio residir.\ E aqueles lá reunidos, doze são.\ À noite sob ramos de oliveira gritam ao dormir;\ São Tomé mergulha na ferida a mão. Poemas do poeta expressionista austríaco Georg Trakl (1887-1914). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 


Sou aquela que é a mãe natureza de todas as coisas, senhora e regente de todos os elementos, progenitora inicial dos mundos, chefe dos poderes divinos e rainha de todos que estão no inferno, soberana daqueles que habitam o céu, manifesta através de uma só e única forma em todos os deuses e deusas. Os planetas do céu, os ventos salutares que sopram do mar e o os silêncios lamurientos do inferno estão dispostos segundo minha vontade. Meu nome, minha divindade, é adorada em todas as partes do mundo, de diversas maneiras, com costumes variados e segundo várias denominações”.
(Discurso da deusa, Apuleio, O asno de ouro).

RETORNO DA DEUSA – O livro O retorno da deusa, de Edward Christopher  Whitmont (1912-1998), aborda temas como o dilema moderno, a consciência em evolução, os mitos patriarcais, um mito para nossa época, visão para uma nova era, desejo, violência, agressão, mito, Dioniso e Apolo, a morte de Deus, o bode expiatório, o feminino e a repressão, ética, individuação e destino, entre outros assuntos.

Oh Mãe, enlouquece-me com teu amor!
Que necessidade tenho eu de conhecimento ou razão?
Embriaga-me com o Vinho do Teu Amor,
Oh, tu que roubas o coração de Teus bhaktas
Afoga-me no fundo do mar de Teu amor!
(Deusa Mãe, canção entoada por devotos hindus - bhakta)

UMA TEOFANIA MODERNA – CAPÍTULO 1 – “Uma mulher dona de casa tiranizada... carente de lugar e propósito, repleta de fel... era como ela se descrevia. Estava à beira de um sério colapso. Há cerca de um ano, começara a ouvir uma voz que lhe ordenava pegar uma faca e com ela esfaquear e esquartejar seu único filho, um menino de cinco anos. Ela resistia, mas estava aterrorizada. A voz insistia, incessante. E continuou chamando, até ela sentir que estava usando toda a sua força e seu poder pessoal para resistir. Não ousava olhar para objetos pontiagudos nem se aproximar do filho, com receio de que sua resistência esmorecesse e ela o atacasse fisicamente. Assustada, desesperada, procurou socorro psiquiátrico. Seu primeiro terapeuta investigou com ela os principais acontecimentos de sua infância e casamento. Ela havia crescido numa pequena cidade; sua família era de classe media e conservadora. Havia pouco afeto genuíno, e só uma porção ainda mais reduzida dele podia ser abertamente manifestada. No lugar do amor havia a pressão para ser alegre e bem-sucedida, para se conformar, para fazer o melhor possível (segundo os ditames petrificados de sua mãe, da Igreja e da escola). As crianças aprenderam a ocultar seus sentimentos. Manifestações de necessidades individuais e sexuais eram tabu. Seus pais a tinham forçado a romper um apaixonado romance infantil, porque ali não havia futuro. A seguir, ela desposara um professor de ginásio, inteligente e instruído, que considerava entediante e ineficaz. Seu primeiro terapeuta diagnosticara com exatidão uma enorme quantidade raiva reprimida, primeiro contra a mãe dominadora que a havia frustrado em seu desenvolvimento emocional e sexual, e depois contra as circunstancias da vida, em particular seu casamento, que sustentava seu cativeiro e, assim lhe parecia, anulava quaisquer esperanças de encontrar em si mesma um autentico ser humano. Também tinha raiva dos homens de sua vida, do pai ausente e do marido fraco (pelo menos a seu ver). Também era claro que a atmosfera e os valores restritivos de sua infância tinham produzido uma espécie de paralisia psicológica. A religião e a moralidade tradicionais não tinham conseguido conferir-lhe um senso eficiente de individualidade nem dar um significado à sua vida, e a ameaça iminente de destruição proveniente de uma violência perigosamente contida tornara-se completamente real. Sendo uma mulher inteligente, compreendia as razões de seus padecimentos e apreendia o ódio e o ressentimento assim engendrados, mas compreender a crise e os motivos de sua existência de nada adiantavam. A voz continuava dizendo-lhe que matasse seu filho [...]”

O céu é meu, a terra é minha / Eu sou guerreira eu sou / Há algum deus que possa medir-se comigo? / Os deuses são pardais, eu sou falcão / Os deuses fazem rodízio / Eu sou uma esplêndida vaca selvagem”.
(Canção de Inanna).

O espírito da fonte nunca morre.
É o mistério feminino,
E à porta da fêmea escura
Encontra-se a raiz do céu e da terra.
É frágil, frágil, mal existe;
Mas toca-a; nunca se esgota.
(Lao Tse, Tao Te Ching)

REFERÊNCIA
WHITMONT, Edward. O retorno da desua. São Paulo: Summus, 1991. Veja mais Trajetória da Mulher.


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