THEANO,
THÉONE... - Olá,
sou Théone! Disse-me impactando-me com seus olhos vivos dum negrume refulgente,
quase encobertos pela cabeleira sedosa arredondada e repartida ao meio; um semi-sorriso
nos salientes lábios realçados pelas barroquinhas nas bochechas, a pele duma
brancura fulgurante, destacada pelo que se expunha no decote, pelos braços emergentes
das alças da blusa e pela saia modelada sobre as coxas torneadas. Um espetáculo
dos pés à cabeça. Ah, pensei logo comigo: seria o milagre de dar de cara com a
ressurreição daquela de Crotona, Theano? Não. Não sou a matemática filósofa
pitagórica, muito embora eu tenha me iniciado na senda órfica, mesmo asim não
seria capaz de ter a honra de elaborar a doutrina do meio-termo, nem escrever
sobre a piedade, ou delinear o teorema sobre a proporção áurea, contribuir com
as teorias dos números, dos poliedros regulares, da cosmologia, de tantas
outras ideias sobre o universo, a física, a medicina, a psicologia infantil, muito
menos de conviver com Aristoclea. Não. Além do mais, ao contrário do que
pensam, ela não era discípula do filósofo, mas sua mestre. Aquela que era uma
verdadeira médica que foi exilada e perpertuou a alma do seu discípulo até os
dias atuais. Diante dela não sabia mais nem o que fazer. Perguntou-me por um
endereço e o apontei adiante. Ah, vamos lá. Acompanhei e ao divisarmos com a
porta de entrada, era a casa da sua
madrinha Fanny. Apresentou-me e adentramos o recinto. A madrinha
estava aboletada numa poltrona imensa, levantou-se, beijou-nos e retomou o seu
conformo. A sala era um tanto requintada e enveredamos por uma conversa
explicando o tanto de antiguidade ali exposta, verdadeiras obras de arte. A anfitriã
mandou servir a bebida e quitutes, contando-nos de vida: que perdeu a mãe ainda
criança, quando seu pai administrava as finanças de Champagne. Por causa disso
foi levada prum convento. Casou-se aos 15 anos com um conde, tornando-se a
madrinha da futura rainha. Separou-se para se dedicar à escrita e ao salão. Disse
mais que tudo isso aconteceu quando era bonita e participava de diversas
academias, cortejada pela inteligência, como uma Cinderela que reinava nas
festas da sobrinha. Afinal era uma condessa. Foi Voltaire que a tratava como uma
ninfa pela divindade: Você tem
talentos e graças modestos e com isso um coração ingênuo que não condena
ninguém... Coloco aos pés da bela
musa francesa a respeitosíssima homenagem, senhora, do velho doente... E lá
estavam ao seu lado Rousseau, Buffon, até o esotérico Saint-Martin participava
entre poetas e eruditos de suas festas, como a Olympe de Gourges e a Madame La
Fayette: Mulheres que fazem algo de maneira independente e que sabem pensar.
Defendia o estatuto das mulheres autoras e recitou versos e epístolas, com a
ironia e leveza duma dama astuta. Mais contou: que foi vaiada na estreia de sua
peça teatral Fausse inconstance. A seu outro espetáculo, a Falsa
inconstância ao ser encenada foi interrompida no primeiro ato por calúnias
de uma sociedade misógina. Haviam muitos invejosos e caluniadores desde aqueles
tempos, seus detratores incansáveis fizeram-na uma salonière denegrida, uma mulher do mundo que foi uma órfã no convento de
Jeanne de Chantal, educada de forma severa e humilhante. O primeiro poema aos
dez anos de idade, foi confiscado e atirado ao fogo como uma heresia. Um
casamento arranjado que trouxe filhos ilegítimos. Uma mulher libertada da
poesia clandestina para feitura de epistolares romances, quando foi presa
durante a votação pela nacionalização das propriedades do clero, tendo que emigrar
e refugiar-se para escrever seu longo poema L'Isle de la Félicité. Agora
arruinada, depois de retornar do convento, recebe hóspedes. Mantem-se ainda
sedutora com maquiagem exagerada, a relembrar poesias fugitivas e prosas
inconsequentes, contos filosóficos, como Volsidor e Zulménie, uma história
para rir; Moral, se quiser, e filosófico, se necessário; uma anedota
espanhola, amores mágicos, a nova louca da Inglaterra, cartas às mulheres, Os
Nós Encantados ou a Estranheza do Destino, Ódio através do amor, A
inconstância de La Falsse ou o Triunfo da Honestidade, Imitação de Safo,
Para senhoras que não gostam de mim e Para um homem que gostaria de ser mulher.
A conversa seguia bem quando o dia já raiava e ela pediu licença para se
recolher aos aposentos. Olhamo-nos e dela um convite nos olhos. Vem. Levou-me
para a L'ile de la Félicité envolvido por espirais da concha do Nautilus, como a
dupla das flores do girassol, com etéreos intervalos de escalas musicais.
Confesso que na viagem vi o Metaponto emergir do Suda e nem deu para ver
direito, pois atravessávamos o Mediterrâneo e nos aproximávamos do arquipélago do mar
Egeu, passando por Citera, Anticítera, Creta, Cárpato e Rodes. Quando uma
espessa nuvem nos desvendou o chão, ornado pelos mais diversos obstáculos que
se insinuavam das torrentes, corredeiras, precipícios. Ao longe o passeio de
panteras e tigres selvagens, uma serpente com a cabeça empinada e língua de
fora em cada rosa. Caminhávamos enquanto sentia o ar perfumado com bálsamo de
âmbar, à beira de um riacho que refletia uma floração variada. Os pássaros nos
saudavam com sussurros e, ao aproximarmos do palácio, ninfas belas contornavam
as escadas e muros de ouro. Levado pela mão atravessamos o enorme salão,
subimos extensa escada e findamos em seus aposentos. Aquela era uma alcova repleta
duma magia indescritível. As ninfas retiraram nossas vestes e serviram um
verdadeiro banquete, saindo em seguida. Ao ingrerir o primeiro gole na taça do
vinho ouvi-la falar: esperei por este dia há mais de 2 mil anos, quando fui
abandonada pelo homem que amava. Agora o reencontrei, sirvamo-nos da glória da
vida, celebremos o amor e a eternidade! Veja mais abaixo e mais aqui e aqui.
DITOS
& DESDITOS - Tu sabes, conheces
melhor do que eu a velha história. Na primeira noite eles se aproximam e roubam
uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se
escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia,
o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo
nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.
Pensamento do dramaturgo, encenador e poeta alemão Bertolt Brecht (1898-1956).
Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
ALGUÉM
FALOU: A mulher que vai para a
cama com um homem deve tirar o pudor com a anágua e vesti-la novamente com a
mesma. Se
a alma não é imortal, então a vida é verdadeiramente uma festa para os
malfeitores, os quais morrem depois de terem vivido suas vidas tão iniquamente.
Eu aprendi que muitos dos
gregos acreditam que Pitágoras disse que todas as coisas são geradas a partir
do número. A própria afirmação coloca uma dificuldade: como coisas que não
existem podem ser concebidas a gerar? Mas ele não disse que todas as coisas vêm
a ser do número; antes, são de acordo com o número - com base no fato de que a
ordem no sentido primário está no número e é pela participação que um primeiro,
e um segundo e o resto são sequencialmente atribuídos a coisas que são contadas. Pensamento da filósofa e matemática grega Teano de
Crotona (que viveu por volta do séc. VI AEC).
PODEROSO
CHEFÃO – [...] Dom Corleone foi
gentil, paciente. “Por que você teme me dedicar sua primeira lealdade?” ele
disse. “Você vai aos tribunais e espera por meses. Você gasta dinheiro com
advogados que sabem muito bem que você é para ser feito de tolo. Você aceita
julgamento de um juiz que se vende como a pior prostituta nas ruas. Passados os
anos, quando você precisou de dinheiro, você foi aos bancos e pagou juros
ruinosos, esperou com o chapéu na mão como um pedinte, enquanto eles farejavam
em volta, enfiavam os seus narizes no seu próprio traseiro para ter certeza de
que você podia pagá-los.” O Dom fez uma pausa, sua voz tornou-se mais severa. “Mas
se você houvesse vindo a mim, minha bolsa teria sido sua. Se você houvesse me
procurado por justiça, aquela escória que arruinou a sua filha estaria chorando
lágrimas amargas este dia. Se por algum infortúnio um homem honesto como você
fizesse inimigos, eles se tornariam meus inimigos” — o Dom levantou o seu
braço, o dedo apontando para Bonasera — “e então, acredite-me, eles o temeriam.”
[...] Você teve a ideia errada sobre o meu pai e a família Corleone.
[...] O meu pai é um homem de negócios tentando sustentar sua esposa e filhos
e aqueles amigos de quem ele pode precisar algum dia em um tempo de encrenca.
Ele não aceita as regras da sociedade na qual vivemos, porque essas regras o
teriam condenado a uma vida não adequada a um homem como ele, umhomem de
extraordinária força e caráter. O que você tem de entender é que ele se
considera um igual em relação a todos aqueles grandes homens como Presidentes e
Primeiros-Ministros e ministros da Suprema Corte e Governadores de Estados. Ele
se recusa a viver pelas regras estabelecidas por outros, regras que o condenam
a uma vida derrotada. Mas seu derradeiro fim é entrar na sociedade com um certo
poder, uma vez que a sociedade não protege realmente os seus membros que não possuem
o seu próprio poder individual. Nesse ínterim, ele opera sob um código de ética
que ele considera de longe superior às estruturas legais da sociedade. [...]. Trechos extraídos da obra The Godfather (Fawcett,
1970), do escritor estadunidense Mario Puzo (1920-1999).
ILHA
DA FELICIDADE (fragmento) – PRIMEIRA
MÚSICA - Canto Anaxis, a aventura mágica. \ Ó você que roubou o cinturão de
Vênus, \ Homero, ouça meus desejos! Empreste-me seus pincéis: \ Anaxis, como
Aquiles, tinha coração de herói. \ E você cuja paleta gentil e encantadora, \ Com
contos encantadores divertiu minha juventude, \ Sedutor Daulnoi, ainda querido
pelas nove Irmãs, \ Empreste-me seu espírito, sua graça e suas cores; \ Assim
como você, sou uma mulher e, como você, sou sensível. \ O sexo racional não vê
nada impossível; \ Ele gostaria, acorrentando-me às suas leis austeras, \ doutrinar
minha musa e apoiar minha voz. \ Prefiro associar a minha glória à sua, \ E
seguir seus passos até o templo da memória. \ Mas temos que começar. Perdoem,
orgulhosos censores, \ Gostamos de falar; conversar está em nossos costumes. \ Perdoar;
Volto para o príncipe da Rússia. \ No trono aos vinte anos, pelo amor amolecido
\ Sua alma não tinha esse orgulho duro \ Comum neste clima, habitado por ursos.
\ Ele era gentil, corajoso e sensível; \ Especialmente nas batalhas ele era
invencível. \ O Tanaïs, já testemunha das suas façanhas, \ Parecia orgulhar-se
de afundar sob as suas leis \ Já o frio Volga o tinha visto nas suas planícies \
Dominar as tropas desumanas de Moscovo; \ E vitorioso em seus acampamentos,
vitorioso nas florestas, \ O urso feroz expirou vinte vezes sob suas feições. Poema extraído da obra L'ile de la Félicité, ou Anaxis et Théone , poëme
philosophique en trois chants ; précédé d'une Épitre aux femmes (1800-1801), da escritora francesa Fanny de Beauharnais
(1737-1813), um poema filosófico composto por três canções e uma
Epístola às mulheres. As suas obras, das quais reivindica simplicidade e leveza, revelam a
postura filosófica e literária de uma mulher de letras que procura desafiar os
clichês sexistas do seu tempo com a ajuda da fantasia e da sátira. Seu poema em
três canções: A Ilha da Felicidade ou Anaxis e Théone, conta a história
de Anaxis, príncipe da Rússia, que caiu sob o feitiço da deusa Théone que reina
na Ilha da Felicidade. Desde os primeiros versos desta canção épica, a
narradora diz que se inspira na Baronesa d'Aulnoy, que infundiu no gênero do
conto maravilhoso um espírito subversivo ao misturar a sátira. Por sua vez, ela
utiliza o registro satírico, dando a esse início do poema um tom muito particular.
A singularidade desta canção épica também se encontra no retrato de Anaxis, contando
da coragem e as suas façanhas bélicas lembram as características dos heróis
homéricos, a autora afasta-se gradualmente desta herança milenar para propor
uma nova forma de heroísmo, mais humana e sensível. Anaxis destaca-se assim do
modelo heróico tradicional, fortemente criticado no sec. XVIII pela sua
apologia às ações monstruosas e imorais.
Sob esta ponte passa o rio Sena
e o nosso amor
lembrança tão pequena
sempre o prazer chegava após a pena
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
Mãos dadas nós fiquemos face a face
enquanto sob
a ponte dos braços passe
de eternas juras tédio que se enlace
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
E vai-se o amor como água corre atenta
e vai-se o amor
ai como a vida é tão lenta
e como só a esperança é violenta
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
Dias semanas passam à dezena
nem tempo volta
nem nosso amor nossa pena
sob esta ponte passa o rio Sena
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
(Tradução de Jorge de Sena)
HÉRCULES E ÔNFALE
O cu
Onfálico
(Vão cu!)
Cai rápido.
— Vês tu
Quão fálico?
— Taful!
Priápico!
Que sonho
Medonho!…
Segura!…
E a fura
O hercúleo
Acúleo.
(trad, José Paulo Paes)
A VASELINA
Praça da Ópera: por uma farmácia a dentro
Entra um senhor bem posto feito um pé-de-vento:
“estou com pressa”, diz. “Eu quero vaselina.”
Gentil, o boticário indaga do cliente
Impaciente
A que uso se destina
O graxo ingrediente:
“Se for para o rosto, é melhor levar da fina...
Qual?
Que tal
Este artigo
Que o senhor, sem perigo,
Pode no rosto usar?
Eu por mim recomendo sempre a boricada.”
E o cliente a bufar: “mas que papagaiada!
Pouco me importa qual, pois é para enrabar!”
(trad, José Paulo Paes)
EU NÃO SEI MAIS
Eu não sei mais se ainda lhe tenho amor
Nem se o inverno conhece o meu pecado
O céu é hoje um pesado cobertor
E meus amores por eu tê-los ocultado
Perecem dentro de mim mesmo de amor
(Trad. Paulo Azevedo Chaves)
TIVE A CORAGEM DE OLHAR
Tive a coragem de olhar para trás
Os cadáveres dos meus dias
Assinalam o meu caminho e eu choro-os
Uns apodrecendo nas igrejas italianas
Ou entre os limoeiros
Que dão ao mesmo tempo e em qualquer estação
A flor e o fruto
Outros dias choraram antes de morrerem nas tabernas
Fustigados por ardentes ramos
Sob o olhar duma mulata que inventava a poesia
E as rosas da electricidade abrem-se ainda
Nos jardins da minha memória.
(trad. Paulo Hecker Filho.)
O VIGIA MELANCÓLICO
E tu meu coração porque bates tão forte
Como um vigia melancólico
Perscruto a noite e a morte
(Trad. Jorge Sousa Braga)
GUI CANTA PARA LOU
Louzinha querida queria morrer num dia em que tivesses me amado
Queria ser bonito para que me amasses
Queria ser forte para que me amasses
Queria ser jovem jovem para que me amasses
Queria que a guerra começasse outra vez para que me amasses
Queria te agarrar para que me amasses
Queria te dar palmadas no traseiro para que me amasses
Queria te pisar para que me amasses
Queria que ficássemos sós num quarto de hotel em Grasse para que me amasses
Queria que fosses minha irmã para eu te amar incestuosamente
Queria que fosses minha prima que nos amássemos desde criança
Queria que fosses o meu cavalo para eu te montar muito muito tempo
Queria que fosses meu coração para eu te sentir sempre em mim
Queria que fosses o paraíso ou o inferno de acordo com o lugar onde eu vá
Queria que fosses um menino e eu o teu preceptor
Queria que fosses a noite para nos amarmos no escuro
Queria que fosses a minha vida para eu existir só por ti
Queria que fosses um obus boche para me matar de súbito amor
(Trad. Paulo Hecker Filho).
INSCRIÇÃO PARA A SEPULTURA DO PINTOR HENRI ROUSSEAU ADUANEIRO
Gentil Rousseau que nos escutas
Nós te saudamos
Delaunay a sua mulher o senhor Queval e eu
Deixa passar sem pagar direitos as nossas bagagens pelas portas do céu
Levar-te-emos pincéis tintas e telas
Para que os teus ócios sagrados ali na luz real
Os possas consagrar a pintar como quando fizeste o meu retrato
O rosto das estrelas
( Trad. Jorge Sousa Braga)
SIGNO
Fui submetido à Regência do Signo de Outono
Portanto amo as frutas e detesto as flores
Lamento todos os beijos de que fui dono
Igual à nogueira colhida diz ao vento suas dores
Meu outono eterno ó minha estação mental
Mãos dos amantes de outrora em teu solo agarradas
Uma esposa me segue, é minha sombra fatal
As pombas à tarde batem suas últimas asas
(Tradução: André Dick)
O CANTO DO AMOR
Eis de que é feito o canto sinfónico do amor
Há o canto do amor de outrora
O ruído dos beijos perdidos dos amantes ilustres
Os gritos de amor das mortais violadas pelos deuses
As virilidades dos heróis fabulosos erguidas como peças antiaéreas
O uivo precioso de Jasão
O canto mortal do cisne
O hino vitorioso que os primeiros raios de sol fizeram cantar a Mémnon o imóvel)
Há o grito das Sabinas ao serem raptadas
Há ainda os gritos de amor dos felinos nas selvas
O rumor surdo da seiva trepando pelas plantas
O troçar das artilharias que coroa o terrível amor dos povos
As ondas do mar onde nasce a vida e a beleza
O canto de todo o amor do mundo
(Trad. Jorge Sousa Braga)
ANNIE
Na costa do Texas
Há entre Mobile e Galveston
Um imenso jardim cheio de rosas
E no interior desse jardim uma villa
Que é uma grande rosa
Uma mulher passeia-se amiúde
Sozinha no jardim
E quando eu passo em frente na estrada bordada de tílias
Olhamo-nos longamente
Como esta mulher é menonita
As suas roseiras e os seus vestidos não têm um só botão
Faltam dois no meu casaco
É como se essa mulher e eu seguíssemos a
mesma religião
(Trad. Jorge Sousa Braga)
LAÇOS
Cordas feitas de gritos
Sons de sinos através da Europa
Séculos enforcados
Carris que amarrais nações
Não somos mais que dois ou três homens
Livres de todas as peias
Vamos dar-nos as mãos
Violenta chuva que penteia os fumos
Cordas
Cordas tecidas
Cabos submarinos
Torres de Babel transformadas em pontes
Aranhas-Pontífices
Todos os apaixonados que um só laço enlaçou
Outros laços mais firmes
Brancas estrias de luz
Cordas e Concórdia
Escrevo apenas para vos celebrar
Ó sentido ó sentidos caros
Inimigos do recordar
Inimigos do desejar
Inimigos da saudade
Inimigos das lágrimas
Inimigos de tudo o que eu amo ainda
(Tradução de Jorge de Sena)
PAES, José Paulo. Poesia erótica. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.