PASSANDO A LIMPO
Na feira do Pinrras eu estudava no
Ginásio Municipal e minha vida era compor músicas tantas quanto pudesse com
Fernandinho Melo e as leituras dos livros que a professora Jessiva me
emprestava da biblioteca de Fenelon, enquanto fugava das minhas atividades
adolescentes de carimbador oficial e dedógrafo incorrigível no cartório do meu
pai.
Nessa época eu me danava
pseudopoeta parnasiano fajuto construindo umas sonetadas e outras versejadas
decoradas do manual do Bilac, imitando Augusto dos Anjos e os poetas da
terrinha, todo cheio de bico e se achando, me amostrando com Fernandinho pra
turma na frente da igreja da Praça Ismael Gouveia que a gente sempre chamou de
Maurity.
Por causa da minha verborragia
inócua e da minha completa falta de assimilação harmônica para conjunção de
tons e versos, foi que descobri a razão pela qual ninguém recitava meus
pretensos poemas nem cantava as minhas desatinadas músicas. Pudera, eram
doidices tronchas que nem mesmo eu entendia, mas que me dava a empáfia do rei
da cocada preta, dava.
Do Ginásio fui pro Colégio José
Ferreira que era no mesmo prédio, só que de noite; e de lá fui pro Diocesano. Fo
aí que a turma engrossou na maior patota: Célio Carneirinho, Ângelo Meyer,
Mauricinho Melo Filho, Ozi dos Palmares, Zé Ripe e Sandra Lustosa, mais Gulu
que era do Nossa Senhora de Lourdes e Javanci que já flertava sua arte
pictórica com os versos de Sandra. Como a gente traquinava demais e fazíamos a
maior arte, começamos a organizar nossas atividades.
De primeira, certo dia eu estava
todo cheio do topete de metido às pregas com as coisas criadas pela turma e
pelo apoio dos professores Erivan Felix, Inalda, José Duran y Duran e João da
Silva que davam a maior corda pra gente, e fui até o diretor da escola, à época
o bispo Dom Acácio Rodrigues Alves. Cheguei ao seu gabinete e disse que queria
falar com ele, assim sem mais nem menos. Sempre muito atencioso, ele me mandou
entrar.
- Dom Acácio, eu quero que o
senhor me dê os dois últimos horários na quinta para eu fazer uma apresentação
da turma pros alunos do colégio na quadra.
Oxe, ele nem me deixou terminar de
dizer o que era que a gente queria e foi logo: - Está dado, faça!
Saí de lá voando sem nem agradecer
para dar a boa notícia pra trupe. Oxe, acertamos, escrevi uns textos, pegamos
umas músicas, fizemos um roteiro, aluguei o som do conjunto do Rege
eletrotécnico no qual Fernandinho e Ozi tocavam, contratei um palco que foi
armado pra nossa emboança, Ripe tornou-se um cenógrafo e fez o cenário afora
toda percussão da zoadeira da gente, ensaiamos dias numa sala de aula do
colégio e no dia marcado, lá estávamos, às vinte horas, todo o colégio em peso
na plateia e a gente ainda arrumando as coisas no palco, quando batemos o
centro na tocada do que nomeamos como melodrama: eu recitava desafinado
acompanhado das desafinações de Mauricinho e Ângelo com o resto da patota
ajudando nos tons, enquanto a violada (Gulu, violão; Ozi, viola de 10 cordas;
Ripe e Célio na percussão; Mauricinho, eu e Ângelo nas vozes e declamações). Um
sucesso. Fizemos mais duas ou três apresentações o que concorreu para que
fizéssemos um jogral que foi encenado pelo Ângelo e outros alunos do colégio e
uma exposição itinerante reunindo poesia e desenho dos alunos artistas. Essa
exposição foi pro Colégio Nossa Senhora de Lourdes onde também foi um sucesso e
muito bem recebida pela Madre Maria do Espírito Santo, mas foi interrompida
quando chegou no Colégio Costa Azevedo e a diretora rasgou uns três ou quatro
desenhos com poemas da gente. Pronto, foi o fim.
A gente era a galera dos artistas
inhetos: música, leituras, pileques, discussões e muita invenção no meio dos
bate boca regados à base de meiotas e lorotas.
No meio disso fomos convidados
para participar das Noites da Cultura Palmarense, capitaneadas por José Duran y
Duran, Juareyz Correya e Paulo Profeta. A gente participou dessas noites com
muita música, literatura, artes plásticas, teatro & o escambau artístico.
Inclusive, numa das noites eu fiz uma apresentação voz e violão das músicas dos
discos da parceria Paulo Diniz/Juareyz Correya, o que me valeu certo prestígio
no meio da minha ruindade artística. Que bão! Esses encontros resultaram na
publicação da revista Nova Caiana que, salvo engano, saíram três edições
reunindo poesias, crônicas, informações e dicas dos papos artísticos da
localidade.
Esses encontros propiciaram a mim
um maior amadurecimento, o que valeu para que eu musicasse os poemas Mulher
Seculada, de Paulo Profeta, Ponte sobre águas turvas, de Juareyz
Correya e Espera, de Sandra Lustosa. Afora isso, nada que prestasse e servisse
pra cocô de lôro, vez que eu me mantinha ainda como cego desorientado no meio
do maior tiroteio de ideias e despropósitos.
Mas uma coisa no meio disso tudo merece
também destaque: o sucesso da dupla Gulu & Célio Carneirinho com a sua parceria
musical Leonor. Seguinte: não adiantava eu & Fernandinho compormos três a
quatro músicas por dia, nem Marco Ripe cantar divinamente bem, nem a recada
toda sair cantando o que fosse, só dava Leonor na cabeça. Todo mundo tocava e
cantava essa música, maior popularidade na nossa parada musical. O curioso disso
tudo é a história da musa: quem é Leonor? Ninguém nunca viu, eu jamais vira
mais gorda. Os dois guardavam em segredo, afinal a musa era deles. Todo mundo
peiticando: quem é Leonor? E nada, os dois só se rindo. Passou-se o tempo, um
dia lá no meio da cachaçada, os dois meio lá meio cá me confidenciaram: é
Uga-gogó, uma piniqueira que era uma lindeza ocrídia de gente e que os dois
apostavam na porrinha quem primeiro fazia a ceia e quem ficava com o pão com
banha. Isso tudo no dizer deles è época, frise-se, literalmente. Tá, segredo
dito, segredo guardado! Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Graças
a Deus que neste momento sou perigosa para os aproveitadores da guerra deste
país que roubam o povo, por um lado, e roubam e degradam o governo, por outro;
e então, com seus bolsos e carteiras cheios dos lucros imundos e manchados de
sangue da guerra, envolvem-se com as dobras sagradas das estrelas e listras e sobre
sua flagrante hipocrisia para o mundo. As mulheres dos Estados Unidos não
passam de porcas reprodutoras, tendo filhos para serem colocados no exército e
transformados em fertilizantes. São as mulheres da Europa que pagam o preço
enquanto a guerra continua, e serão as mulheres que pagarão novamente quando a guerra
tiver seguido o seu curso sangrento e a Europa afundar no pântano da pobreza
como uma fera atormentada, demasiado exausta para travar a luta. Serão as mães
sem filhos que dobrarão os ombros ao arado e empunharão o gancho com mãos
paralisadas pela idade. Pensamento da ativista e editora estadunidense Kate
Richards O'Hare (1876-1948).
ALGUÉM FALOU: Concentre-se
em si mesma: faça o que quiser, quando quiser, sem precisar pensar em mais
ninguém... Eu estava sempre tentando fazer todos gostarem de mim. Ninguém mais
parece se importar com isso, então por que eu deveria me preocupar?...
Pensamento da escritora estadunidense Lauren Weisberger. Veja mais aqui.
EXPIAÇÃO - [...] Uma pessoa é, entre
todas as outras coisas, uma coisa material, facilmente rasgada e difícil de
consertar. [...] Não eram apenas a maldade e as intrigas que
deixavam as pessoas infelizes; era a confusão e os mal-entendidos; acima de tudo, foi
o fracasso em compreender a simples verdade de que outras pessoas são tão reais
quanto você. [...] O custo do devaneio alheio sempre foi esse
momento de retorno, o realinhamento com o que havia sido antes e agora parecia
um pouco pior. [...] então o mundo, o
mundo social, era insuportavelmente complicado, com dois bilhões de vozes, e os
pensamentos de todos lutando com igual importância e a reivindicação de todos
sobre a vida tão intensa. [...] e todos pensando que eram
únicos, quando ninguém era. Alguém poderia se
afogar na irrelevância [...] De vez em quando,
alguns centímetros abaixo da superfície da água, os músculos do seu estômago
contraíam-se involuntariamente ao recordar outro detalhe. Uma gota d'água em
seu braço. Molhado. Uma flor bordada,
uma simples margarida, costurada entre as copas do sutiã. Seus seios bem
separados e pequenos. Nas costas, uma
toupeira meio coberta por uma tira. Quando ela saiu do
lago, teve um vislumbre da escuridão triangular que sua calcinha deveria
esconder. Molhado. Ele viu, fez-se ver
de novo. A maneira como os
ossos pélvicos esticavam o tecido da pele, a curva profunda da cintura, a
brancura surpreendente. Quando ela pegou a
saia, um pé levantado descuidadamente revelou um pedaço de terra em cada ponta
dos dedos suavemente diminuídos. Outra verruga do
tamanho de um centavo na coxa e algo arroxeado na panturrilha — uma marca de
morango, uma cicatriz. Não manchas. Adornos.
[...]. Trechos extraídos da obra Atonement (Anchor, 2003), do escritor britânico Ian McEwan. Veja
mais aqui, aqui, aqui e aqui.
TRÊS POEMAS – MORTE EU –
Às três da tarde, a noite caiu sobre ela. \ A luz voou dela, do chão, das \ agulhas
de tricô, da lã verde, do céu. \ Veja como é fácil, como é fácil: \ uma batida,
um fio \ se desfaz silenciosamente \ às três da tarde. \ E então não mais. Não
vale a pena \ se afogar em lágrimas, sem entender, tentando \ acordá-la. \ Morte,
de pé, morte \ nas alturas, sozinha, de pé, parada \ durante um maio exausto. UNIDADE
- Uma pequena tarefa como esta, de \ cortar o pão e levá-lo à mesa, \ começa e
depois termina \ —um círculo de significado que se fecha— \ a pequena molécula
de um projeto concluído. \ Trivial? Talvez, mas veja cada gesto \ ligado \ ao
próximo, \ rodeado pela suave \ espiral invisível \ que vai do pensamento à
mão, \ do olho à faca. POR TRÁS DA MINHA VOZ - Atrás da minha voz \ – ouça, ouça – \ outra voz canta.\ Vem de trás, de
longe; \ Vem de \ bocas enterradas e canta. \ Dizem que não estão mortos \ –
ouçam-nos, ouçam – enquanto \ sobe a voz \ que os lembra e canta. \ Ouça, ouça;
\ outra voz canta. \ Dizem que agora vivem \ nos seus olhos. \ Segure-os com os
olhos, \ com as palavras; \ Apoie-os com a sua vida \ para que não se percam, \
para que não caiam.\ Ouça, ouça; \ outra voz canta.\ Não são apenas memória, \ são
\ vida aberta, contínua e ampla; \ Eles são o caminho que começa. \ Eles cantam
comigo, \ eles cantam comigo.\ Dizem que não estão mortos; \ ouça-os, ouça, \ enquanto
sobe a voz que os lembra e canta. \ Eles cantam comigo, \ eles cantam comigo.\ Não
são apenas memória, \ são vida aberta, \ são um caminho que começa \ e que nos
chama.\ Eles cantam comigo, \ eles cantam comigo. Poemas da escritora, professora e tradutora
uruguaia Circe Maia.
O MUNDO LÍQUIDO DE ZYGMUNT
BAUMAN - O sociólogo
polonês Zygmunt Bauman
iniciou sua carreira como professor emérito de Sociologia da Universidade de
Varsóvia e Leeds e é autor de vários livros sobre o consumo e a modernidade
líquida. Quem não se preocupa com o futuro, faz isso por sua
própria conta e risco. E certamente pagará um preço pesado. Mais cedo do que
tarde, descobre-se que o desagradável "adiamento da satisfação" foi
substituído por um curto adiamento da punição - que será realmente terrível –
por tanta pressa. Qualquer um pode ter o prazer quando quiser, mas acelerar sua
chegada não torna o gozo desse prazer mais acessível economicamente. Ao fim e
ao cabo, a única coisa que podemos adiar é o momento em que nos daremos conta
dessa triste verdade. Por mais amarga e deletéria que seja, esta não é a única
pequena cláusula anexada à promessa, grafada em letras maiúsculas, do
"desfrute agora, pague depois". Para impedir que o efeito dos cartões
de crédito e do crédito fácil se reduza a um lucro que o emprestador só realiza
uma vez com cada cliente, a dívida contraída tinha de ser (e realmente foi) transformada numa fonte permanente de lucro. (Zygmunt Bauman, Capitalismo parasitário e
outros temas contemporâneos). Pergunte-se o que é realmente
uma família hoje em dia? O que significa? E claro que há crianças, meus filhos,
nossos filhos. Mas, mesmo a paternidade e a maternidade, o núcleo da vida
familiar, estão começando a se desintegrar no divórcio... Avós e avôs são
incluídos e excluídos sem meios de participar nas decisões de seus filhos e
filhas. Do ponto de vista de seus netos, o significado das avós e dos avôs tem
que ser determinado por decisões e escolhas individuais. O que está acontecendo
hoje é, por assim dizer, uma redistribuição e realocação dos "poderes de
derretimento" da modernidade. Primeiro, eles afetaram as instituições
existentes, as molduras que circunscreviam o domínio das ações-escolhas
possíveis, como os estamentos hereditários com sua alocação por atribuição, sem
chance de apelação. Configurações, constelações, padrões de dependência e
interação, tudo isso foi posto a derreter no cadinho, para ser depois novamente
moldado e refeito; essa foi a fase de "quebrar a forma" na história
da modernidade inerentemente transgressiva, rompedora de fronteiras e capaz de
tudo desmoronar. Quanto aos indivíduos, porém - eles podem ser desculpados por
ter deixado de notá-lo; passaram a ser confrontados por padrões e figurações
que, ainda que "novas e aperfeiçoadas' eram tão duras e indomáveis como
sempre. Na verdade, nenhum molde foi quebrado sem que fosse substituído por
outro; as pessoas foram libertadas de suas velhas gaiolas apenas para ser
admoestadas e censuradas caso não conseguissem se realocar, através de seus
próprios esforços dedicados, contínuos e verdadeiramente infindáveis, nos
nichos pré-fabricados da nova ordem: nas classes, as molduras que (tão
intransigentemente como os estamentos já dissolvidos) encapsulavam a totalidade
das condições e perspectivas de vida e determinavam o âmbito dos projetos e
estratégias realistas de vida. A tarefa dos indivíduos livres era usar sua nova
liberdade para encontrar o nicho apropriado e ali se acomodar e adaptar:
seguindo fielmente as regras e modos de conduta identificados como corretos e
apropriados para aquele lugar. (Zygmunt Bauman, Modernidade líquida). Diferentemente de
“relações”, “parentescos”, “parcerias” e noções similares — que ressaltam o
engajamento mútuo ao mesmo tempo em que silenciosamente excluem ou omitem o seu
oposto, a falta de compromisso —, uma “rede” serve de matriz tanto para
conectar quanto para desconectar; não é possível imaginá-la sem as duas
possibilidades. Na rede, elas são escolhas igualmente legítimas, gozam do mesmo
status e têm importância idêntica. Não faz sentido perguntar qual
dessas atividades complementares constitui “sua essência”! A
palavra “rede” sugere momentos nos quais “se está em contato” intercalados por
períodos de movimentação a esmo. Nela as conexões são estabelecidas e cortadas
por escolha. A hipótese de um relacionamento “indesejável, mas impossível de
romper” é o que torna “relacionar-se” a coisa mais traiçoeira que se possa
imaginar. Mas uma “conexão indesejável” é um paradoxo. As conexões podem ser
rompidas, e o são, muito antes que se comece a detestá-las. Elas são “relações
virtuais”. Ao contrário dos relacionamentos antiquados (para não falar daqueles
com “compromisso” muito menos dos compromissos de longo prazo), elas parecem
feitas sob medida para o líquido cenário da vida moderna, em que se espera e se
deseja que as “possibilidades românticas” (e não apenas românticas) surjam e
desapareçam numa velocidade crescente e em volume cada vez maior,
aniquilando-se mutuamente e tentando impor aos gritos a promessa de “ser a mais
satisfatória e a mais completa”.
Diferentemente dos “relacionamentos reais”
é fácil entrar
e sair dos
“relacionamentos virtuais”. Em comparação com a “coisa autêntica”,
pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear. Entrevistado a respeito da
crescente popularidade do namoro pela Internet, em detrimento dos bares para
solteiros e das seções especializadas dos jornais e revistas, um jovem de 28 anos da Universidade de Bath
apontou uma vantagem decisiva da relação eletrônica: “Sempre se pode apertar a
tecla de deletar”. Como que obedecendo
à lei de
Gresham, as relações
virtuais (rebatizadas de
“conexões”) estabelecem o padrão que orienta todos os outros
relacionamentos. Isso não traz felicidade aos homens e mulheres que se rendem a
essa pressão; dificilmente se poderia imaginá-los mais felizes agora do que
quando se envolviam nas relações pré-virtuais. Ganha-se de um lado, perde-se de
outro. Como apontou Ralph Waldo Emerson,
quando se esquia sobre gelo fino,
a salvação está na velocidade.
Quando se é traído pela qualidade, tende-se a buscar a desforra na quantidade. Se “os compromissos são
irrelevantes” quando as relações deixam de ser honestas e parece improvável que
se sustentem, as pessoas se inclinam a substituir as parcerias pelas redes.
Feito isso, porém, estabelecer-se fica ainda mais difícil (e adiável) do que
antes — pois agora não se tem mais a habilidade que faz, ou poderia fazer, a
coisa funcionar. Estar em movimento, antes um privilégio e uma conquista,
torna-se uma necessidade. Manter-se em alta velocidade, antes uma aventura
estimulante, vira uma tarefa cansativa. Mais importante, a desagradável
incerteza e a irritante confusão, supostamente escorraçadas pela velocidade,
recusam-se a sair de cena. A facilidade do desengajamento e do rompimento (a
qualquer hora) não reduzem os riscos, apenas os distribuem de modo diferente,
junto com as ansiedades que provocam.
Este livro é dedicado aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separado, em
nosso líquido mundo moderno. (Zygmunt Bauman, Amor liquido: sobre a fragilidade dos laços humanos). Em suma, “comunidade” é o tipo de mundo que não
está, lamentavelmente, a nosso alcance — mas no qual gostaríamos de viver e
esperamos vir a possuir. Raymond Williams, atento analista de nossa condição
comum, observou de modo cáustico que o que é notável sobre a comunidade é que
“ela sempre foi”. Podemos acrescentar: que ela sempre esteve no futuro.
“Comunidade” é nos dias de hoje outro nome do paraíso perdido — mas a que
esperamos ansiosamente retornar, e assim buscamos febrilmente os caminhos que
podem levar-nos até lá. Paraíso perdido ou paraíso ainda esperado; de uma
maneira ou de outra, não se trata de um paraíso que habitemos e nem de um
paraíso que conheçamos a partir de nossa própria experiência. Talvez seja um
paraíso precisamente por essa razão. A imaginação, diferente das duras
realidades da vida, é produto da liberdade desenfreada. Podemos “soltar” a
imaginação, e o fazemos com total impunidade — porque não teremos grandes
chances de submeter o que imaginamos ao teste da realidade. Não é só a “dura
realidade”, a realidade declaradamente “não comunitária” ou até mesmo hostil à
comunidade, que difere daquela comunidade imaginária que produz uma “sensação
de aconchego”. Essa diferença apenas estimula a nossa imaginação a andar mais
rápido e torna a comunidade imaginada ainda mais atraente. A comunidade
imaginada (postulada, sonhada) se alimenta dessa diferença e nela viceja. O que
cria um problema para essa clara imagem é outra diferença: a diferença que
existe entre a comunidade de nossos sonhos e a “comunidade realmente
existente”: uma coletividade que pretende ser a comunidade encarnada, o sonho
realizado, e (em nome de todo o bem que se supõe que essa comunidade oferece)
exige lealdade incondicional e trata tudo o que ficar aquém de tal lealdade
como um ato de imperdoável traição. A “comunidade realmente existente”, se nos
achas- abandonar a busca — mas a continuar tentando. Sendo humanos, não podemos
realizar a esperança, nem deixar de tê-la. Pouco resta fazer para fugir ao
dilema — podemos negá-lo por nossa conta e risco. Uma boa coisa a fazer,
contudo, é avaliar as chances e perigos das soluções já propostas e tentadas.
Armados de tal conhecimento, estaremos aptos ao menos a evitar a repetição de
erros do passado; ou mesmo tentar evitar ir muito longe por caminhos que podem
ser percebidos por antecipação como sem saída. Uma avaliação desse tipo —
provisória e incompleta — é o que tentei neste livro. (Notar o uso abusivo do
verbo poder...) Não seremos humanos sem segurança ou sem liberdade; mas não
podemos ter as duas ao mesmo tempo e ambas na quantidade que quisermos. Isso
não é razão para que deixemos de tentar (não deixaríamos nem se fosse uma boa
razão). Mas serve para lembrar que nunca devemos acreditar que qualquer das
sucessivas soluções transitórias não mereceria mais ponderação nem se
beneficiaria de alguma outra correção. O melhor pode ser inimigo do bom, mas
certamente o “perfeito” é um inimigo mortal dos dois. (Zygmunt Bauman, Comunidade: a busca por segurança no mundo
atual). A arte da “recomodificação” do trabalho em sua forma nova e atualizada é singularmente
imprópria para ser aprendida a partir da pesada burocracia governamental,
notoriamente inerte, presa à tradição, resistente à mudança e amante da rotina.
E essa burocracia é particularmente imprópria para cultivá-la, ensiná-la e
inculcá-la. É melhor deixar esse trabalho para os mercados de consumo, já
conhecidos por sua perícia em treinar seus clientes em artes similares e por florescerem a partir disso. E assim se faz.
Transferir para o mercado a tarefa de recomodificar o trabalho é o significado mais profundo da conversão do Estado ao culto da
“desregulamentação” e da “privatização”. O mercado de trabalho é um dos muitos
mercados de produtos em que se inscrevem as vidas dos indivíduos; o preço de
mercado da mão-de-obra é apenas um dos muitos que precisam ser acompanhados,
observados e calculados nas atividades da vida individual. Mas em todos os
mercados valem as mesmas regras. [...] Na sociedade de consumidores, ninguém
pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter
segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira
perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. A
“subjetividade” do “sujeito”, e a maior parte daquilo que essa subjetividade
possibilita ao sujeito atingir, concentra-se num esforço sem fi m para ela própria se tornar, e permanecer,
uma mercadoria vendável. A característica mais proeminente da sociedade de
consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta – é a transformação dos consumidores
em mercadorias; ou antes, sua dissolução no mar de mercadorias em que, para citar aquela que
talvez seja a mais citada entre as muitas sugestões citáveis de Georg Simmel,
os diferentes significados das coisas, “e portanto as próprias coisas, são vivenciados como
imateriais”, aparecendo “num tom uniformemente monótono e cinzento” – enquanto
tudo “flutua com igual gravidade específica na corrente constante do dinheiro”. A
tarefa dos consumidores, e o principal motivo que os estimula a se engajar numa
incessante atividade de consumo, é sair dessa invisibilidade e imaterialidade
cinza e monótona, destacando-se da massa de objetos indistinguíveis “que flutuam com igual gravidade específica” e assim captar o olhar dos consumidores (blasé!)... (Zygmunt
Bauman, Comunidade: a
busca por segurança no mundo atual). AMOR LÍQUIDO - A obra Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços
humanos, trata sobre apaixonar-se e desapaixoonar-se, dentro e fica da caixa de
ferramentas da socialidade, sobre a dificuldade de amar o próximo, o convívio
destruído na era da modernidade líquida em que vivemos — um mundo repleto de
sinais confusos, propenso a mudar com
rapidez e de forma imprevisível. COMUNIDADE – O livro Comundiade: a busca por segurança no mundo atual, trata da agonia
de Tântalo, a reinserção dos desenraizados , tempos de desengajamento ou a
grande transformação, a secessão dos bem-sucedidos, duas fontes do
comunitarismo, direito ao reconhecimento, direito à redistribuição, dDa
igualdade ao multiculturalismo, o nível mais baixo: o gueto e muitas culturas,
uma humanidade. CAPITALISMO PARASITÁRIO – A obra Capitalismo parasitário e outros temas contemporâneos, aborda
sobre o capitalismo parasitário, a cultura de oferta, novos desafios para a
educação, a relação aluno/professor na fase líquida-moderna, a sociedade do
medo, o corpo em contradição e um homem com esperanças. MODERNIDADE LÍQUIDA – O livro Modernidade líquida trata do ser leve
e líquido, emancipação, as bênçãos mistas da liberdade, as casualidades e a
sorte cambiantes da crítica, indivíduo em combate com o cidadão, o compromisso
da teoria crítica na sociedade dos indivíduos, a teoria crítica revisitada, a
crítica da política-vida, individualidade, capitalismo - pesado e leve, tenho
carro, posso viajar, pare de me dizer; mostre-me!, a compulsão transformada em
vício, o corpo do consumidor, comprar como ritual de exorcismo, livre para
comprar - ou assim parece, separados, compramos, tempo/espaço, quando estranhos
se encontram, lugares êmicos, lugares fágicos, não-lugares, espaços vazios, não
fale com estranhos, a modernidade como história do tempo, da modernidade pesada
à modernidade leve, a sedutora leveza do ser, vida instantânea, trabalho,
progresso e fé na história, ascensão e queda do trabalho, do casamento à
coabitação, digressão: breve história da procrastinação, os laços humanos no
mundo fluido, a autoperpetuação da falta de confiança, comunidade,
nacionalismo, marco, unidade - pela semelhança ou pela diferença?, segurança a
um certo preço, depois do Estado- nação, preencher o vazio, Cloakroom
communüies, escrever; escrever Sociologia. VIDA PARA O
CONSUMO – O livro Vida
para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, de Zygmunt Bauman, trata sobre
o segredo mais bem guardado da sociedade dos consumidores, consumismo versus
consumo, sociedade de consumidores, cultura consumista e baixas colaterais do consumismo. Veja mais aqui, aqui e aqui.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em
mercadoria. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2008.
______. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços
humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar., 2004.
______. Comunidade: a busca
por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003
______. Capitalismo
parasitário: e outros temas contemporâneos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.
______. Modernidade líquida.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
Veja
mais sobre:
Maria Callas, Psicodrama, Gestão de PME,
Responsabilidade Civil & Acidentes de Trabalho aqui.
E mais:
Arte & Entrevista de Luciah Lopez aqui.
Psicologia Fenomenológica, Direito
Constitucional, Autismo, Business & Marketing aqui.
Big Shit Bôbras, Zé Corninho & Mark
Twain aqui.
Abigail’s Ghost, Psicologia Social,
Direito Constitucional & União Estável aqui.
Betinho, Augusto de Campos, SpokFrevo
Orquestra, Frevo & Rinaldo Lima, Tempo de Morrer, The Wall & Graça
Carpes aqui.
Dois poemetos em prosa de amor pra ela aqui.
Agostinho, Psicodrama, Trabalhador
Doméstico, Turismo & Meio Ambiente aqui.
Dois poemetos ginófagos pra felatriz aqui.
Discriminação Religiosa, Direito de
Imagem, Direito de Arrependimento & Privacidade aqui.
A minissaia provocante dela aqui.
Princípio da probidade administrativa aqui.
O alvoroço dela na hora do prazer aqui.
Canção de Terra na arte de Rollandry
Silvério aqui.
Todo dia é dia
da mulher aqui.
A croniqueta de
antemão aqui.
Palestras: Psicologia,
Direito & Educação aqui.
Livros Infantis
do Nitolino aqui.
&
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Art by Ísis Nefelibata
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.