TRÍPTICO DQP –- Uma
vez mais vou danado de novo pra Catende... - Ao
som de Vou danado pra Catende, no
álbum Molhado de suor (Som Livre, 1974),
de Alceu Valença - Ao travesseiro,
bastou-me deitar a cabeça e lá estava eu nas paradisíacas paragens da Serra da Prata, aquela mesma que me deu
a ideia do Bacuna pra me levar de
novo danado pra Catende, nos versos
de Ascenso pelo açude de Santa Rita,
até a bica de Monte Alegre. De lá passar pelo casarão de Curupaiti no Roçadinho,
depois a casa grande Tabaiaré, chegar nas águas dos rios Panelas ou Pirangi, timbungar
o dia todo e comer uma pituzada na festa de Santana pra poder participar do
concurso de Batida, Licores e Doces, ao som da pipocada estrondosa dos bacamarteiros
de Miguel do Pirajá, lá na frente do Tiro de Guerra. Não era pouco, se eu caia
solto, lá vinha o bumba-meu-boi do Matadouro, enquanto ouvia dos alto-falantes
da Voz de Catende a sessão que ia passar no cinema Diamante. Enquanto isso, eu
me maravilhava com as talhas de Zé Fernandes, a arte de Nelson José e Gabriel,
a pintura de Jether Peixoto, Socó, Adgerton e José Adir; ao som da música de
Tarcisio Accioli, Deo do Baião, Marcelo Montenegro e Zé Ripe. Era como se eu vivesse inteirinho nas páginas do romance Outro sol se levanta (Autor, 2007), do
escritor Pelópidas Soares: As pessoas pelas calçadas, portas e janelas,
achavam graça dos bêbados... A inveja e os delatores estão em toda a parte...
E eu escapando ou saindo da estação para frevar no meio dos blocos da Filopança,
Ferro e Fogo puxado pela Maria Fumaça,
ou na Mulher da Sombrinha do saudoso
amigo Marcos Catende, que me foi trazido
à memória com os versos do poema recolhido do romance de Carlos Gaiza: Na calçada da
igreja / fica ela a esperar / um homem da usina / que por lá vai passar... Eu
não era da usina, mas era doido pra me travar com ela no meio dos versos de Bartyra, como quem recitasse nos braços
da mulher amada dali, e despertar agoniado porque não passava de sonho e
fizesse minhas as palavras do trecho de Mel
de engenho, de Luiz Maia,
extraído da obra Memória histórica de
Catende (Autor, 2014), de Eduardo
Menezes: Hoje, distante daqueles
faustos e áureos anos sessenta, mais que nunca a saudade daquela cidade e de
sua gente me faz morada, deixando-me uma dor no peito por saber que nada
daquilo, absolutamente nada, mais existe... Pois é, eu escapulia dos sonhos
para mandar ver na vida.
Dois pinotes
diante do espelho... - Agoniado,
levantei-me às pressas e nem deu tempo saber que horas seriam ou onde é que eu
estava, porque era Déa Ferraz,
câmara e luzes e ação, numa rua do Recife, a me perguntar a respeito das
mulheres na Câmara de Espelhos. Vôte!
Como é que pode, hem? Sabia lá como responder porque fui pego de surpresa. Além
do mais, apareceu de repente Emmanuelle Seigner que me sorriu e disse: Tudo na
vida, bom ou bom, faz você mudar e crescer - felizmente, porque se não mudasse,
seríamos máquinas. Coisas muito piores acontecem às pessoas: câncer, doença,
elas perdem um filho. Você pode encontrar uma força inesperada ou pode
desmoronar. Eu não sou do tipo que desmorona. Nem eu que perdi meu
filho e a vida me levou passarinho até agora sem saber o que fazer de tudo que
vivi. Mas a estonteante lindeza dela me dava outro fôlego, aquele que jamais
tivera. Estava embevecido, ela ali e mais
seria, não fosse a intervenção de Anne Morrow Lindbergh: Se você
se render completamente aos momentos que passam, enriquece a sua vida. Pessoas
demais, requisitos demais, muito a fazer; pessoas competentes, ocupadas,
apressadas - isso não é viver. Só o amor pode ser dividido infinitamente e
ainda assim não diminuir. Sim, mas eu nunca caí, ou fiz que não,
levei o tombo como se fosse empurrão e assim era porque o tanto era só viver. Aliás,
cá comigo: quem me salva do espelho, eu não sei.
Três anjos cangaceiros...- Se não
estava no céu, era perto: de primeira parecia bonecos de barro. Mas, não. E se
eram anjos, não sei o que mais seriam. Na verdae, eram como se fossem. Foi aí
que dei de cara com o Mestre Zé do Carmo
(José do Carmo Souza – 1933-2019), que
mangava de mim por ser mais um a ignorar os seus anjos cangaceiros. Aí ele me
contou que Dom Hélder havia encomendado uma imagem do papa e ele prontamente
atendeu; contudo, sua arte não foi aparovada pela autoridade eclesiástica: onde
já se viu um papa com cara de cangaceiro? Caímos na gaitada, hehehehehe. Enquanto
estourávamos de rir, apareceu Norbert Elias apareceu que me deu um toque
esclarecedor: O crescente tabu da
civilização em relação à expressão de sentimentos espontâneos e fortes trava
suas línguas e mãos. E os viventes podem, de maneira semiconsciente, sentir que
a morte é contagiosa e ameaçadora; afastam-se involuntariamente dos moribundos.
Mas, para os íntimos que se vão, um gesto
de afeição é talvez a maior ajuda, ao lado do alívio da dor física, que os que
ficam podem proporcionar. Fiquei sério
na hora, queria entender. Mas o quê? Ele também se ria e eu fui na dele. Afinal,
de sério mesmo quero distância. Até mais ver.