TRIPTICO DQP – Do nada e outras... - Ao som do performático show de cabaré
da lendária compositora, pianista e arranjadora estadunidense de jazz Mary Lou Williams (1910-1981), no Les Mouches em Nova York, 1978. - Ao deparar com o espelho: nem eu nem
nada. Pelo menos, não tive que passar pela experiência de ter que dar de cara
com um general obtuso, nem um ladrão sorrateiro, muito menos a morte inexorável. Graças! Ainda me
pergunto como é que tudo isso foi acontecer justo comigo, logo comigo! Uma
coisa estava certa: ou havia me tornado invisível de vez, ou seria um vampiro das
costelas ocas. Só sendo. Essa a constatação. Até brinquei cantarolando:
Espelho, espelho meu, afinal de contas, o que serei eu? Um delírio ou uma
assombração, hehehehe. Vamos nessa. E ao chegar à sala, esta não era a minha:
três vultos sentados num sofá que não era o meu. Fui ver quem. Ah, qual não foi
a minha surpresa! O primeiro a se virar para mim foi Machado de Assis que logo me falou: A vida é uma
lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso
escrito. Hem? O outro
logo interveio, era Guimarães Rosa: Tudo, aliás, é a ponta de um mistério.
Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um
milagre que não estamos vendo. Mal ele
terminou de me dizer, logo apareceu Sacha Guitry que foi contando a história de um
senhor que, ao sair às compras, virou-se da porta e perguntou à esposa o que
ela queria que trouxesse: um pente. Este o pedido. No mercado, ele não se
lembrava do pedido dela e adquiriu um espelho. Como ela nunca tinha visto
aquilo, ao abri-lo, teve uma surpresa: pensou consigo que o marido havia
comprado outra mulher. Com esta constatação, levou o objeto para mãe que também
nunca tinha visto um troço daquele. Vôte! E ao fitá-lo, olhou, olhou, olhou,
virou de ponta à cabeça, fez careta e... como mãe é mãe (né?): é sábia. Coisa
mais sem pé nem juízo, ora. Como é? Bem, diante do trio fiquei sem saber o que
fazer. O que sei é que aquela não era a minha sala de estar; era, soube por
eles depois, a do deão do Christ Church College, que possuía um grande
espelho sobre uma enorme chaminé. Teria eu, conforme as instruções que me foram
dadas pelos visitantes, que subir o console da lareira, livrando-me dos vasos
de flores secas protegidos por redomas vitorianas, e ao alcançá-lo,
consequentemente, ultrapassá-lo para saber onde é que ia dar. Como é que pode
uma coisa desta, hem? A minha longa jornada pelo espelho.
Dois sustos no imprevisível... - Ao atravessar o espelho, ele se
dissolveu como uma bruma prateada. Estava diante de mim, ninguém mais nem menos
que Lewis Carroll que, por recepção,
foi logo me saudando amável e enigmaticamente: A única forma de
chegar ao impossível, é acreditar que é possível. Nem deu para notar direito a
ponta de sarcasmo que havia no seu jeito e fui imediatamente acompanhado de uma
admoestação para que eu não me espantasse, explicando que ali era a entrada
para o país do Espelho (!?!), o qual, quando visto, torna-se impossível
descrever o cenário com precisão. Hum? Sim, realmente, impossível ter qualquer
noção em um lugar em que foram abolidos tanto o movimento no espaço como a
passagem do tempo: a prova tangível da
refutação do espaço de Zenão. Eita!
Além do mais, ali o tempo de cada um é diferente do tempo de todos: o tempo
tanto corre para frente, como para trás. Vôte! Endoidou tudo! Assim, eu podia
parar o meu tempo à vontade, independente do tempo do outro e nenhum prejuízo
para ninguém. Então o que eu vi e senti não deu para contar, apenas vi e senti
sim, nada mais. Coisa de doido, né? Pois é.
Três solfejos e nenhuma canção... - Já tive oportunidade de aqui
publicar poemas de Virginia Leal: a
cada leitura de seus cometimentos poéticos, um prazer indescritível, uma emoção
inenarrável: e isso muito me apetece. Tanto é que virei assíduo apreciador de
suas postagens e, a cada uma delas, lá estou eu como devotado admirador. Prova
disso é que aqui já publiquei de sua autoria o Lascivus – da série Nauta Libidinosos –, afora outros dos seus poemas. Até comecei a
musicar um deles e, mal começava a descobrir canções em seus versos, logo outro
aparecia e lá ia eu solfejando melodias intermináveis. Cheguei a selecionar uns
dez ou doze poemas dela, já definindo a linha melódica para cada um deles e
procurando superar minhas limitações musicais para alcançar a grandeza do que
expressavam. Fiz, refiz, me enganchei, desenganchando e recomeçando, quem sabe,
de repente, eu consiga fazer uma música à altura dos seus poemas, espero, vamos
ver. Mas o que quero falar aqui não é a respeito dessas minhas tentativas
recorrentes e sim de um conto dela que foi responsável pela potencialização da
admiração: o A bailarina, a atriz e a canção,
extraído da antologia Contos de oficina –
Oficina de Criação Literária (Bagaço, 2004), organizada por Raimundo Carrero, do qual pinço o
trecho: [...] O artista esculpiu a
sensibilidade da menina, antes enredada pela teia do drama que a fez ameaça,
ovelha negra, problema. A menina-atriz ressurgida resgatou as histórias
perdidas. Agora, havia interessados em suas verdades. Descobriu que é possível
fazer do trabalho diversão. Sentiu-se de volta aos brinquedos infantis,
enquanto seu corpo febril descobria outros prazeres. O tempo a lapidar
cumplicidade, compreensão. [...]. Pois bem, mesmo que minha teimosia em
musicar seus poemas não vingue por minha completa incompetência de alcançar a
grandeza de sua arte, pelo menos, vou tentando e mais me deliciando com sua
maravilhosa expressão. Até mais ver.