TRÍPTICO DQP –- Tantos
sangram na indiferença... - Ao som do concerto
Espelho no espelho (2021), da Orquestra do Theatro São Pedro - No travesseiro
o meu país é Stultifera Navis no desgovernado Fecamepa Coisonário, onde será que vai
parar, ninguém sabe, já estamos no fundo do precipício. De lá ouço Mary McCarthy: Na violência, esquecemos quem somos. Na ciência, todos os fatos, por mais triviais ou banais
que sejam, gozam de igualdade democrática. Isto meu país ignora, meu povo olvida. De repente, assim do nada, me aparece aquele filósofo austríaco
suicida, o Otto Weininger (1880-1903), a me censurar pelo culto recorrente
às mulheres, jogando-me na cara o seu polêmico Geschlecht und Charakter
– Eine prinzipiellen Untersuchung
(Severus, 2014): Nenhum
homem que pense profundamente sobre as mulheres mantém uma opinião elevada
sobre elas. Ou os homens desprezam as mulheres ou nunca pensaram seriamente a
respeito delas. Hem? Ela se afasta, contorna
a minha cama e fica um pouco distante, de um lado da porta do quarto. Fita-me
com severidade e divido olhar entre ambos. Penso comigo: ora, como um próspero
jovem judeu, no auge dos seus 23 anos, recebe seu doutoramento, torna-se
cristão e publica um estudo científico-filosófico, em que distingue entre todas
as coisas vivas a combinação de proporções variáveis de elementos masculinos e
femininos, com denúncias que o levam a se matar, como é que pode? Ele mantém o
olhar sisudo sobre mim. Neste mesmo instante vejo Wittgenstein atravessar a entrada da sala e, cabisbaixo, encosta-se
à parede. Com meu olhar indago o que está havendo e ele dá de ombros: Com meu escrito não pretendo poupar aos
outros o pensar. Porém, se for possível, incitar alguém aos seus próprios
pensamentos. Olho para um e outro, ela está inquieta e mais quando sou
surpreendido com a aproximação do dramaturgo e escritor japonês Kafū
Nagai (1879-1959) que me entrega
autografado o seu Histórias da Outra
Margem (Estação
Liberdade, 2013), a me dizer: Eu não tinha mais aonde ir.
As pessoas que eu queria rever estavam todas mortas. Ele tomou pé da situação,
saudou a todos com um gesto na cabeça e ancorou nela o seu olhar. Entreolhamo-nos
uns aos outros e éramos então todos lídimos solitários, dividindo cada qual e ao
mesmo tempo, a solidão.
A noite escura no
espelho... - Imagens do fotógrafo Carlos Vasconcelos - Não sei
quem era ao espelho, apenas seu olhar firme em mim e não era eu, isto eu sabia.
Ficamos assim por um bom bocado de tempo, interrompidos pela chegada da poeta
israelense Zelda Schneurson Mishkovsky (1914-1984): Eu pensei que
era uma alma livre como um homem morto... E abraçou-me desamparada,
deitando sua cabeça ao meu ombro. Nada mais disse e assim ficamos a desconhecer
tudo ao redor. Até que se assustou com a chegada de alguém. Imediatamente, afastou-se
como se me perguntasse quem era com um gesto aturdido e mãos espalmadas. Sei lá.
Seguiu até a porta e cruzou olhar com a poeta Marceline Desbordes-Valmore, que a viu com ar desconfiado, mas ao
me ver, apressou os passos e me abraçou apaixonadamente com um verso de sua
lavra: Esta
noite minhas roupas ainda estão perfumadas ... Venha e inspire em mim sua
fragrância chamada. E me puxou com um
beijo na escuridão.
Ela & Homens de papel - Ao abrir os olhos,
despertando do profundo beijo, ela era outra, a Maria-Vai: Nós, todas as noites, enchemos a cara de cachaça. É o jeito. A vida é
uma merda mesmo. Só com cachaça a gente escora... Era como se dividíssemos a cena de Dois perdidos numa noite suja, mas não era e ela retomava o seu
texto: Ninguém está com a ganância pega.
Nós sabe das coisas. Com trabalho ninguém se ajeita nessa merda de vida. Pra
que dar duro? Pro Berrão ficar mais rico? Aqui, ó! Na verdade estávamos realmente
perdidos e me beijou avidamente,
enquanto se desnudava. Aí me largou, afastou-se desabotoando o sutiã para
deixar seus seios rijos à mostra, acendeu o Abajur Lilás e a cobiça no meu sexo, enquanto me falava da Navalha na Carne que era a sua vida e me
perguntou se eu soube a respeito do Assassinato do anão do caralho grande. Que coisa! E com um puxão me deitou sobre o seu
corpo para que amássemos a noite madrugada afora, sem culpa nem fim. Deu-me a
sua carne suculenta e misturamos nossas peles, lábios e sexos. Ao despertarmos
fomos surpreendidos com a presença do Plínio Marcos, o repórter de um tempo mau, a nos dizer: Se eu não for sincero, estou para sempre
perdido. O que foi? E ele debulhou Os dez mandamentos! Ele sabia que eu sabia há muitos anos atrás, quando eu
pesquisava sobre o Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP) e as peças teatrais
de Hermilo Borba Filho, e o vi bem
próximo do absurdo e da miséria. Foi na mesma época que o poeta francês Yves Bonnefoy (1923-2016) me disse em um
verso de crepúsculo estival: Tudo
isso eu vi acontecer quando minha alma explodiu em mistério e inspiração. Era tudo
como se fosse num redemoinho de eventos e eu quase esqueci que esperava Pinheiros no Largo da Paz. Até
mais ver.