TRIPTICO DQP – Uma: Longa jornada do espelho... - Lá vou eu e qual não foi minha
surpresa: não apareci. Ué, ou virei vampiro ou fiquei invisível. Podia ser
pior: dar de cara com o Dorian Gray do Oscar Wilde, ou com O
retrato profético de Giovanni Papini. Tá. Sei que entre os muitos e
tantos eus, a maioria é uma patetada inconsequente que, vez em quando, bato uma real. Ou algumas sábias mulheres, na verdade, filhas da dor. Dessa vez não, nem Narciso nem outro duplo qualquer.
Fiquei com meus botões. E já ia saindo, vôte! Apareceu um mandão estúpido cheio
de ordem: Venha cá, seu comunistinha safado! Hem? Sou candidato a presidente e
muito macho, quer você vote em mim ou não, seu porra! Pronto, agora deu! Não
basta o tresloucado Coisonário,
agora mais este! E arriou o maior blábláblá de homofobia, intolerância e
logística. Danou-se! E quanto mais ele exacerbava na macheza, mais
desmunhecava: Sai do armário, ou melhor, sai do meu espelho, infeliz das costas
ocas. Não adiantou, horas alugando minha paciência, deixei falando sozinho. Cada
uma que me aparece. Mas, fui pesquisar: era o General Babu, filho de militar,
alistou-se no exército, atravessou as patentes e logrou êxito, casou-se e teve
uma única filha: Estou fraco! Pegou jeito copiando as manias da repressão
golpista de 1964 e isso mais de 20 anos depois da redemocratização. Vivia
caçando esquerdista onde lhe desse na telha, haja neurose. Certa feita ele foi
convocado pra caçar uns guerrilheiros rebeldes (hum!?!) que haviam furado o
cerco e badernavam na maior desmoralização, isso em pleno século 21, pode? Como
não conseguia dar cabo dos infratores, rapou fogo e a fuzilada cantou de deixar
tudo mais furado que tabuleiro de pirulito. Foi lá conferir: entre os metralhados,
Deus do céu, estava sua filha, estudante de Medicina, 19 anos de idade. Vai
ver.
Duas: As paixões e o segredo de viver... – Arte da artista visual Nazaré Pacheco – A cena: ela debutou há
dois anos, só queria amar, ser mãe, sair do jugo do pai e viver feliz livre.
Ele, magrelo de vintanos, cheio de amor para dar, jurava a paixão pra vida
eterna. Beijos e arrochados sarros até as vias de fato, dela emprenhar três
meses depois: Vou ser mão, estou grávida, u-hu! Ele passou sebo nas canelas,
deu uma pinotada de nunca mais dar o ar da graça. Depois de umas mãozadas e
outras tantas cinturãozadas, foi botada de casa pra fora por ter perdido a
virgindade. Pronto, desgraça feita. Ir pra onde? Deu pra esconder o bucho por
um bom tempo, depois não teve mais jeito: pariu entre indigentes. Quase morria
ela e a filha de inanição. Ficou meio lá, meio cá. Nem sabia em que parte do
mundo estava. Foi recolhida, parece, por uma beneficência dessa religiosa, na
maior corda bamba. Quando tomou pé na vida, estava sem a filha e desacordada
num matagal. Gosto de sangue na boca, calombo sangrando na cabeça, estropiada
pela violência, as pernas bambas, o corp0 moído do abuso, o que fazer na vida?
Seguiu pela estrada atrás da filha.
Três: A vida é sagrada... – Ao som de Earth, instrumental do pianista mexicano David Solís - Estava com a boca cheia d’água de tão maravilhado com A
diva de Juliana Notari, quando ouvi o escarcéu dos que não leram nvenenaram tudo com o seu
autoenvenenamento. Sou da Terra Alma Caeté e não sei onde vamos parar com a fúria consumista. O que sei é que
não perdi a esperança, porque sei reiteradamente de Lorca: O mais
terrível dos sentimentos é o sentimento de ter a esperança perdida. Mas
também sei que Thomas Mann me avisou: Uma das situações da vida mais cheia de
esperanças é aquela em que estamos tão mal que já não poderíamos estar pior. Enfim,
sou da Terra e a ela me dou. Até
mais ver.