TRÍPTICO DQP – Uma: contar uma história... - Ao som do álbum Sequenza (Avi, 2019), da violinista alemã Franziska Hölscher, interpretando Heinrich
Ignaz Franz von Biber, Luciano Berio e Salvatore Sciarrino. – Estou pronto, voo pro teatro da vida: a
cada esquina um novo cenário. Percorro calçadas, atravesso ruas e minutos, encruzilhadas
e horas, semáforos e dias que mais parecem décadas que passaram e não vi. A plateia
parece indiferente, sempre. Basta pisar em falso, um tombo e a topada, um
escorregão, logo o mundo desmorona com todos os olhos holofotes de soslaio e o
meu calafrio, trejeitos de dor, saliva amarga, o talho sangrando, o inferno
queimando por dentro. Morreu? Está bêbado, só sendo! Epilepsia? Caninos escarnecem
ou abanam a cabeça negativamente, arrastam suas suspeitas com suas encaradas
atrevidas, a descurar do enfermiço estrangulado pelo vexame, estropiado pela
cama-de-gato da ocasião, abatido pela surpresa do vexame. Não menos doutos
julgadores de plantão, emitem suas odiosas conjeturas nas feições perturbadoras
de espíritos empobrecidos, como se eu fosse culpado de infringir toda etiqueta
da moral e bons costumes. Falsos moralistas, hipócritas! E eu nem havia caído e
Oliver Goldsmith foi logo me dizendo
de cara: A nossa maior glória não
reside no fato de nunca cairmos, mas sim em levantarmo-nos sempre depois de
cada queda. Mais irônico Schopenhauer salientou: Não nos deixar cair em tentação é o mesmo que dizer: não nos deixar ver
quem realmente somos. Sorri. Não havia ninguém e o sol declinava na minha emaciada máscara
em apuros. Tomara morresse repentinamente, pronto, tudo acabado e fim de papo. Mas
não, há quem montado em certo apuro ouse verter aquilo tudo em discurseira de
barata solidariedade. Tudo isso tem um não sei quê de desagradável, eu só
queria era salvar a minha liberdade, nada mais que isso.
Duas: Na pele do escuro - Ao som de Introduzione All'Oscuro for 12 instruments (Ricordi,
1981), do compositor italiano Salvatore
Sciarrino. – Salvei
a minha liberdade e segui adiante mais perdido que nunca. Logo me vi na pele de
Jean Genet: ele só tinha a mãe que
era para muitos e sumira sem sequer nunca saber do pai, arrastado para a vida
de um casal de Morvan, na Borgonha, e deles fugir para ser visitante assíduo de
reformatórios e acolhimento prisional. No meio de seu labirinto eu me vi ao seu
lado desonrando instituições e sendo caçado, enquanto compunha O Balcão – um bordel sob a ameaça de um levante revolucionário nas ruas,
ou As criadas e as duas irmãs que planejavam matar a patroa. Lá estava eu
cena e cenário, para me deparar com a estupefação n’O Ateliê de Giacometti, a
sua fisionomia artística e logo o desejo de ser retratado e rascunhar suas
impressões. Muito se passou e o encontrei na delinquência poética indultado de
suas condenações, para me dizer com desleixo: Estou perdido, mas ai vem o desespero que é sempre de grande ajuda.
Pude mergulhar nas muitas páginas de sua obra, até suas memórias de aventuras e
andanças no Diário de um Ladrão (Europa-América,
1986). Depois que saí de
todas as suas cenas, ele sussurrou apressado: Todas as minhas peças são, apesar de tudo, um pouco políticas, no
sentido de abordarem obliquamente a política. Não são politicamente neutras.
Relevei, afinal, ao meu lado estava Peter Brook que logo asseverou: O teatro
deve ser o espelho da vida. O teatro deve acrescentar uma força revitalizadora...
Mais me valesse viver, uma viagem no escuro.
Três: - A vida é um milagre... - Ao som do álbum New ressonances (EMA, 2018), da flautista italiana Sara Minelli. - As faces do escuro eram sombras de vozes indisfarçáveis,
gemidos de dores. No meio de tantos soluços e gritos ouço Michel Maffesoli: Chora-se, ri-se, participa-se a vontade e sente-se assim
em comunhão com a totalidade do corpo social. Lembrei o
seu A transfiguração do político: a tribalização do mundo (Sulina, 2005), e tudo se parece medonho e
indisfarçável. É como se me soasse em uníssono as tantas e muitas vozes de Colleen McCullough: Uma canção superlativa, a existência
o preço. Mas o mundo inteiro ainda quer
ouvir, e Deus em Seu céu sorri. Pois o melhor só é comprado às custas de uma grande dor…
Ou assim diz a lenda. Imagens reproduziam as fotos dela
de Edward Steichen que passou de quase nem vê-lo e me chamar a
atenção: A fotografia é uma força importante para explicar um
homem a outro. Eu sei, a vida é um milagre! Tudo o mais são
delações e apostas, ilusões e engodo. Viva paz e amor, até mais ver.