VAMOS
APRUMAR A CONVERSA? O
BANQUETE NATALINO DO BELIATO - Beliato é uma figura! Nossa, já com seus tantos de mil e não sei
quantos anos de antes de todos carnavais possíveis nos costados, levados no
peito, estuporados e envernizados, resultando num sujeito cheio do proseado,
uma saída em cima da bucha, manha chegou ali, ó, bateu: jeitoso, arrumado,
pisando leve de ninguém dar conta de sua presença, só no balanço da maré, foi,
foi; veio, é, tá cheio. Verdade! É daquele de quase não se mexer ao dormir de
noite na cama - do jeito que se deita, acorda. Fizesse o que fizesse, ele nem
aí, nunca bronqueou nem perdeu as estribeiras. Na dele. Parece mais que a vida
passou e ele nem aí de se dar conta. Bronca? Ôxe, das que viu, passou. Se
disserem que ele cometeu alguma, destá, todo mundo bota a mão no fogo, batendo
na língua e no peito: Beliato? Nunca! Até hoje é tratado como o inocente
avalizado por todos. Tido por probo, assim era e é. Até pra falar é um
sacrifício! Fala mansa economizando na solicitação, a ponto de quem visse o tal
requerendo algo, era capaz de entregar-lhe o que tinha e o que sequer possuísse
do mais caro, gratuitamente. Estrela na testa, ah, isso tem. Sortudo mesmo. Até
de boi-de-fogo o cara sai sem que ninguém chegue a notar. Saiu. Ôxe. (Dá licença,
ao invés de sininhos & coisas do tipo, imaginem o Forrobodó do Gismonti
fazendo fundo, oxente!). - Vôte! Mas o cara num tava no meio do maior buruçú?
-, era um quizilento invejoso botando dúvida na do Beliato. - Tava, meu,
Beliato, rá, sabe entrar e sair. Um pé-de-lã perfeito! Nem mocinho de cinema
americano na pontinha dos pés é mais sutil!!! O cabra se mete no vespeiro e
consegue sair deixando os outros na briga, meu! - É mermo? Eita! Pois bem, ele
é tão comedido que pula o muro para não gastar o ferrolho. Hum, mão-de-figa
mesmo! Prova? É só ver aquela radiola velha, ele metido de chega pegar um disco
de Vivaldi e, por desplante, solicitar da presença esponsal para ouvir.
Trabalho perdido. Ela peidava, arrotava, bocejava, roncava, menos prestar
atenção naquilo. Num deixava o cabra ouvir direito. (Forrobodó rolando). -
Muié, escuta; olhe, escute! -, era ele tão manso, calmo, manhoso. Eram os
violinos indo e voltando, ela só conversando sozinha coisa com coisa. - Muié,
deixa a fofoca pra lá, escuta que coisa linda! E ela: - A única coisa linda que
conheço é o chicote que vou descabaçar na caixa dos seus peito, véio-safado! -
É Vivaldi, mulher! - Quem é essa rapariga que ainda não conheci no rol das suas
putas, diga? - Vivaldi, mulher! - Inda arrepete o nome dessa quenga aqui, vou
quebrar-lhe as gaias, véio safado! Chamar nome de puta aqui, cacete come!
Então, já viu. Adiantava nada. Ele, então, calava. Melhor que levar umas
lamboradas gratuitas, né? Voltemos ao banquete que é melhor. Sim, o banquete,
isso, ah! É porque pela primeira vez, depois de muitos anos, mas muitos anos
mesmo, achou ele de reunir a família. Menina, lá vem desacerto. Foi o seguinte:
para o regabofe apareceu nego até de um olho só. Tudo gente que se dizia filho
do macróbio, tipo que ele sequer nunca tinha nem visto. - Ô, meu fio, eu não s’alembro
de ter furunfado a sua santa mãe! -, era ele ao ser instado por um que lhe
chamou de papai. – S’alembrá é um probrema de todo rico. Quano s’aprumou pra
cumê-la, de pingulin duro, doido, cheba aberta, era fofinha prali, minha nega
praqui, maió reboculejo. Adispois que nasce um tição feito eu, cadê? Ó meu,
memória vaisimbora nem qui os santo num queira!! Padre pisca ôio e diz: - É fio
de satanás! Esse, diga se num é, esse num tem nada de Beliato. E assim foi.
Aumenta o BG. Dos reconhecidos como membro de sua prole, nenhum deles nada de
se entender: parecia mais faroeste de tanto despeito. Pois era um atirando
desaforo na cara do outro, armando presepada para tirar o que se tivesse no
bolso. Era cochicho alimentando intriga de ferro e fogo, muita falsidade nos
cumprimentos. Era rasteira, empurrão pro abismo, esfarelado, cada um por si e
nenhum por todos. Era. As cunhadas, os afilhados, os sobrinhos, os concunhados,
os aprochegados, tudo na festa. Isso sem contar os penetras, os ajeitados, os
confidentes e os alesados. Os da casa, ôxe, pega-pra-capar: segredos de antanho
descoberto, escapulidas reveladas, acertos desfeitos, ditos desditos, acordos
desacordados, uma paranoia de desavenças de não ter quem desse prumo pro
desacerto. Tudo arrepeado. Nisso quase que Beliato tem um troço e morre do
coração ali na hora. Até a esposa, a distinta dele dos últimos anos, andava
sapecando ingresia nas vizinhas para que elas dessem cabo dos maridos, tudo uns
enrolões que não merecem um tostão furado. Bem, parecia que era sacanagem pura.
Não era, era da estirpe dos dele arengar. A ponto dele nem se achar ali, estava
noutra, dissimulando: falavam com ele, apertavam-lhe as mãos, balançavam-lhe os
escrotos e ele nem nem. Contornar aquilo era um bicho daqueles parecido mais um
labirinto indecifrável se manifestando naquela horinha. O pior, ainda, era que
a mulher dele, de cara inchada por causa da perfídia declarada - vai ter tanto
bruguelo assim chamando de pai na casa de uma rapariga veia aposentada, vai! -,
não andava lá de bons ares, a ponto dela virar dissidente do banquete,
proporcionando um outro muito mais escandaloso e cheio das guloseimas mais
avantajadas. Parecia mais uma competição entre o casal. - Vou lascá esse véio, se
vou -, ameaçava ela pras bandas dele. Contrariado, ele tentou disfarçar. Deu
baixa. E estava disposto a não passar recibo para provocação. Os filhos que
vieram e, tirante os bastardos, não se sabe se para sua desgraça ou ventura, a
mulher não dava de sossegar. Mesmo assim, algo ainda incomodava dele se mostrar
que num estava lá muito de simpatia não, meio de cara amarrada porque o
deputado que ele inventou de ser quase cabo eleitoral e que votou, acreditando
naquilo, foi o principal articulador de um aumento de mais de 50% nos proventos
dele parlamentar, a ponto de constatar que o tal fajuto era o maior mentiroso e
babaovo dos promotores que patrocinam a esculhambação que reina impune nesse
país (e o Forrobodó continua). Sim, chegando a hora da ceia, ôxe, o negócio
fedeu. Foi um avançado em cima da comida de não sobrar tabefes a fole para quem
queria. Verdadeiro pandemônio! Só se via os bolsos, as bolsas, os abanhados, os
cós das saias, tudo entupido de comida até onde se pudesse guardar. Teve gente
que escondeu comida ninguém sabe onde! Daí mais dois minutos, todo mundo arriba
e deixa Beliato lá, todo desligado, olho nem piscando, gesto nenhum, face
serena só deixando a vida passar. - Será o Binidito? -, era a esposa furiosa. -
Destá, mulé, no natal é assim, a gente tem que dar aos que num tem. - A culpa é
sua, véio safado, quem manda sair pulando cerca de mulé gaieira? Cabeça num
pensou, furico pagou! - Eu não, por mim mesmo, tô de regime, nem sinto falta! -
Vai dormir brigando com as lombrigas, que eu, euzinha, num vô fazê um só
riscado de fósfo prá nada. Ouviu? - Ouvi. Feliz natal procê, mulé dos diabo! E
veja mais aqui e aqui.
Imagem: Nu, do artista plástico norte-americano de origem portuguesa Nathan Oliveira (1928-2010).
Curtindo a coleção The Very Best Of Edith Piaf (2007), com os grandes sucessos da
cantora e atriz francesa Édith Piaf
(1915-1963). Veja mais aqui.
ANATOMIA DA DESTRUTIVIDADE
HUMANA – No livro Anatomia da destrutividade humana
(Zahar, 1975), do filósofo,
sociólogo e psicanalista alemão Erich Fromm (1900-1980), um rigoroso
trabalho em que questiona a agressividade do ser humano e que deixa evidenciado
os comportamentos sádicos e destrutivos por meio da guerra, dos crimes e dos
conflitos individuais, como um instinto filogeneticamente programado, inato e
que se descarrega por ocasião de propicia necessidade de exprimir e como medo
de racionalização do sentimento de impotência, ao identificar sociedades
sistêmicas, entre outros assuntos. Da obra destaco os trechos: [...] Que poderia ser mais satisfatório às
pessoas que mostram-se amedrontadas e sentem-se impotentes para mudar o rumo
das coisas que conduzem à destruição do que uma teoria que nos assegura que a
violência origina-se de nossa natureza animal, de uma ingovernável impulsão
para a agressão, e que o melhor que temos a fazer, como afirma Lorenz, é
compreender a lei da evolução que é o elemento responsável pela potência dessa
impulsão? [...] Obviamente, muitos homens ‘regozijam-se com
o sentimento de justiça absoluta, mesmo quando cometem atrocidades’ – ou antes,
para pôr a questão em termos psicológicos mais adequados muitos se regozijam em
cometer atrocidades sem quaisquer inibições morais e sem experimentarem
qualquer sentimento de culpabilidade. Mas é um processo científico
insustentável assegurar, sem até mesmo tentar exibir sua comprovação, que esta
é uma reação humana universal ou que está na “natureza humana” cometer
atrocidades durante a guerra, e basear esta afirmação num suposto instinto
apoiado pela duvidosa analogia estabelecida com os peixes e os pássaros.
[...] O instinto de vida, pois, constitui
a potencialidade primária do homem; o de morte, uma potencialidade secundária.
A potencialidade primária desenvolve-se se estiverem presentes as condições
apropriadas à vida, tal como uma semente cresce apenas se forem dadas as
condições adequadas de umidade, temperatura etc. Se não estiverem presentes as condições
apropriadas, as tendências necrófilas emergirão e dominarão a pessoa. [...]
Não sei qual teria sido a atitude de
Freud se tivesse sabido mais coisas sobre esses ‘seres afortunados’. Parece que
nunca fez uma tentativa mais séria para informar-se a respeito deles.
[...]. Veja mais aqui e aqui.
OS
MORTOS - No livro Dublinenses (Civilização Brasileira,
1984), do escritor irlandês James Joyce
(1882-1941), destaco o trecho do conto Os mortos: Lily, a filha do zelador, estava literalmente perdendo a cabeça. Mal
levava um cavalheiro até a despensa lá atrás do escritório no térreo e ajudava
o cavalheiro a tirar o sobretudo e já a campainha resmunguenta da porta de
entrada batia de novo e ela precisava se descambar pelo corredor vazio para
receber mais um convidado. Só faltava ela ter que cuidar das senhoras também.
Mas a srta. Kate e a srta. Julia tinham pensado nisso e tinham transformado o
banheiro do primeiro andar num camarim para as senhoras. A srta. Kate e a srta.
Julia estavam lá, fofocando e rindo e fazendo cena, indo uma atrás da outra até
o alto da escada, espiando por cima da balaustrada e gritando para Lily dizer
quem tinha chegado. Era sempre grande coisa, o baile anual das senhoritas Morkan.
Vinha todo mundo que conhecia as duas, gente da família, velhos amigos da
família, os membros do coro de Julia, todos os alunos de Kate que fossem
grandinhos, e até um ou outro dos alunos de Mary Jane, também. Nunca era sem
graça. Por anos a fio o baile tinha sido um sucesso esplêndido, até onde a
memória alcançava; desde que Kate e Julia, depois da morte de Pat, o irmão
delas, tinham se mudado da casa de Stoney Batter e trazido Mary Jane, que era a
única sobrinha, para morar com elas naquela casa escura e soturna na Usher’s
Island, no piso superior, que elas tinham alugado do sr. Fulham, da venda de
grãos no térreo. Isso tinha já bem trinta anos. Mary Jane, que na época era uma
menininha de roupinha curta, agora era o centro da casa, pois era ela que
tocava órgão na Haddington Road. Ela estudou no Conservatório e dava um concerto
com os alunos dela todo ano na sala de cima do Antient Concert Rooms. Vários
alunos dela eram das famílias mais bem de vida na linha Kingstown-Dalkey. Por
mais que estivessem velhas, as tias dela também faziam sua parte. Julia, apesar
de estar bem grisalha, ainda era a soprano principal na igreja de Adão e Eva, e
Kate, fraquinha demais para andar muito por aí, dava aula de música para
iniciantes naquele piano velho de armário no quarto dos fundos. Lily, a filha
do zelador, trabalhava de arrumadeira para elas. Apesar de levarem uma vida
simples, elas acreditavam em comer bem; o melhor de tudo: carne de primeira,
chá de três xelins e cerveja preta engarrafada da melhor. Mas Lily quase nunca
se atrapalhava com as compras, para não irritar as três patroas. Elas eram de
fazer cena, só isso. Mas a única coisa que elas não toleravam mesmo era uma resposta
malcriada. [...]. Veja mais aqui e aqui.
APRENDIMENTOS & O
APANHADOR DE DESPERDÍCIOS
– No livro Poesia completa (Leya
Brasil, 2010), do poeta Manoel de Barros
(1916-2014), destaco inicialmente Aprendimentos: O filósofo Kierkegaard
me ensinou que cultura / é o caminho que o homem percorre para se conhecer. / Sócrates
fez o seu caminho de cultura e ao fim / falou que só sabia que não sabia de
nada. / Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas / di-menor
com a natureza. Aprendeu que as folhas / das árvores servem para nos ensinar a
cair sem / alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado / sobre pedras, ele
iria gostar. Iria certamente / aprender o idioma que as rãs falam com as águas
/ e ia conversar com as rãs. / E gostasse mais de ensinar que a exuberância
maior está nos insetos / do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de / ave.
Por isso ele podia conhecer todos os pássaros / do mundo pelo coração de seus
cantos. Estudara / nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver, / no ouvir,
no pegar, no provar e no cheirar. / Chegou por vezes de alcançar o sotaque das
origens. / Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno / grilo, podia
desmontar os silêncios de uma noite! / Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão,
Aristóteles — / esse pessoal. / Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das
origens se renova. / Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis
linguísticos que / achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam / que o
fascínio poético vem das raízes da fala. / Sócrates falava que as expressões
mais eróticas / são donzelas. E que a Beleza se explica melhor / por não haver
razão nenhuma nela. O que mais eu sei / sobre Sócrates é que ele viveu uma
ascese de mosca.
[...]. Também o poema O apanhador de desperdícios: Uso a palavra para compor meus silêncios. / Não gosto das palavras / fatigadas
de informar. / Dou mais respeito / às que vivem de barriga no chão / tipo água
pedra sapo. / Entendo bem o sotaque das águas / Dou respeito às coisas
desimportantes / e aos seres desimportantes. / Prezo insetos mais que aviões. /
Prezo a velocidade / das tartarugas mais que a dos mísseis. / Tenho em mim um
atraso de nascença. / Eu fui aparelhado / para gostar de passarinhos. / Tenho
abundância de ser feliz por isso. / Meu quintal é maior do que o mundo. / Sou
um apanhador de desperdícios: / Amo os restos / como as boas moscas. / Queria
que a minha voz tivesse um formato de canto. / Porque eu não sou da
informática: / eu sou da invencionática. / Só uso a palavra para compor meus
silêncios. Veja mais aqui, aqui e aqui.
O
BALCÃO – Na peça teatral
em nove quadros O balcão (1957), do controverso
escritor e dramaturgo francês Jean Genet (1910-1986), destaco o trecho
inicial: Primeiro Quadro Cenário - No
teto, um lustre que será sempre o mesmo, a cada quadro. O cenário parece representar
uma sacristia, formada por três biombos de cetim, vermelho sangue. No biombo do
fundo dispõe-se de uma porta. Em cima, um enorme crucifixo espanhol, desenhado
em trompe-l'oeil. Na parede da direita, um espelho - cuja moldura é dourada e
esculpida - reflete uma cama desfeita que, se o cômodo tivesse uma disposição
lógica, se encontraria na sala, nas primeiras poltronas. Uma mesa com um
cântaro. Uma poltrona amarela. Sobre a poltrona: uma calça preta, uma camisa,
um paletó. O Bispo, de mitra e capa dourada, está sentado na poltrona. Ele é nitidamente
mais alto que o normal. O papel será desempenhado por um ator que subirá em andas
de ator trágico de cerca de cinquenta centímetros de altura. Seus ombros, sobre
os quais se assenta a capa, serão ampliados ao máximo, de modo que, ao subir do
pano, apareça desmesurado e hirto como um espantalho. Seu rosto está
exageradamente caracterizado. Ao lado, uma mulher bastante jovem, muito
maquiada e vestida com um quimono de renda, enxuga as mãos numa toalha. Em pé,
uma mulher de uns quarenta anos, morena, rosto severo, vestida de um sóbrio
vestido preto. É Irma. Um chapéu de presilha apertada, como um capacete
militar. O BISPO (Sentado na poltrona, no meio do palco, com uma voz cava, mas
veemente) - Na verdade, não é tanto a doçura nem a unção que deveriam definir
um prelado, porém a mais rigorosa inteligência. O coração nos leva à perdição.
Cremos ser donos de nossa bondade: nós somos escravos de uma serena languidez.
É ainda de outra coisa que se trata, não de inteligência. (Hesita) Seria de
crueldade. E além dessa crueldade - e através dela - um caminhar hábil,
vigoroso em direção à Ausência. Em direção à Morte. Deus? (Sorrindo) Eu vos
vejo chegar! (Para sua mitra) Tu, mitra em forma de chapéu de bispo, saiba bem
que se meus olhos se fecharem pela última vez, o que verei, por trás das minhas
pálpebras, és tu, meu belo chapéu dourado... Sois vós, belos ornamentos, capas,
rendas... IRMA (Com brutalidade) - O que foi dito está dito. Quando a sorte
está lançada... (Durante todo o quadro ela se deslocará pouco. Está muito perto
da porta) O BISPO (Muito suave, afastando Irma com um gesto) E os dados
jogados... IRMA - Não. Dois mil, é dois mil, e nada de conversa. Ou me zango. E
não está nos meus hábitos... Contudo, se está em apuros... O BISPO (Seco e jogando
a mitra) - Obrigado. IRMA - Não vai quebrar nada. Isto ainda vai ter utilidade.
(À mulher) Guarde (Coloca a mitra na mesa, perto do cântaro) O BISPO (Depois de
um profundo suspiro) - Disseram-me que essa casa vai ser sitiada. Os revoltosos
já atravessaram o rio. IRMA (Preocupada) - Há sangue por toda parte... O senhor
vai seguindo pelo muro do Arcebispado e entra na Rue de la Poissonnerie... (De
repente ouve-se um terrível grito de dor, de uma mulher que não se vê.
Aborrecida) Eu tinha recomendado que fossem silenciosos. Felizmente tomei a
precaução de tapar as janelas com uma cortina acolchoada. (Subitamente amável,
insidiosa) E o que é que foi executado esta noite? Benção? Oração? Missa? Adoração
perpétua? BISPO (Grave) - Não fale disso agora. Está acabado. Só penso em
voltar... A senhora diz que a cidade está em sangue... [...] Veja
mais aqui e aqui.
THE
PILLOW BOOK – O filme The Pillow Book (O Livro de Cabeceira, 1996), do cineasta e artista multimídia
britânico Peter Greenaway, é
baseado no livro homônico da escritora medieval japonesa Sei Shonagon, contando
a história de uma jovem que recebe um estranho presente de
aniversário de seu pai, um calígrafo célebre, que resolve desenhar uma escrita
no rosto da criança. Anos mais tarde, ela se torna mulher e a sua vida sexual
irá ser marcada por aquele voto, quando procura incessantemente um amante
ideal, alguém que satisfaça um desejo de cumplicidade entre o corpo e a
escrita. Depois de alguns fracassos, acaba por encontrar com um tradutor ocidental
da sua língua, que a seduz imediatamente. Mas ele mantém uma relação homossexual
com um homem muito mais velho, fato que ela não perdoa. O destaque do filme vai
para a triz chinesa Vivian Wu. Veja mais aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
Ilustrações do
romance erótico Gamiani, ou duas noites de excesso
(Gamiani, or deux nuits d'excès, 1833), do escritor
Alfred Musset e George Sand, com litografias atribuídas a Achille Deveria e
Octava Tassaert.
DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada à artista
plástica, escritora, poeta, ativista ambiental e articuladora Suzana Jardim – a Za´za Jardim -. Veja aqui.