VAMOS APRUMAR A CONVERSA? DAS
TRETAS E PENCÓ: JOGANDO CONVERSA FORA! – Ora, ora, ou eu virei Brasília, ou tô num pandemônio com
todas as bruxas soltas! Vixe que 2015 tá uma barra pra lá de pesada desde o ano
passado! Tô contando nos dedos a hora da virada! Tudo que tinha de acontecer, danou-se.
Será que ainda resta alguma coisa pior? Sei lá. Não sei como, não sobrou nadica
de nada, só os farelos dos que se espatifaram no chão: perspectivas, sonhos,
considerações, amizades, relações. Eita! Sobrou nada mesmo. E isso dói - e como
dói, meu! Grandes decepções, avalie. Apostar tudo: recursos, esforços, adiantou
nada. Não deu nem um tiquinho de cloro por valia. Tudo desabou, tei bei! Nem
muxiba no moquém. Só o frio da madrugada por cobertor e alento, do tipo Saudosa
Maloca. Coisas que nem tinha visto. Ah, por fora, bela viola; por dentro
molambos. Só decepção, indignação. Parece mais que bati com a cabeça na porta
fechada de quase lascar o quengo e endoidar atirando pedras ao leu. Foi como
ter dado um murro na parede de quase arrebentar o punho. Sobraram uns tantos de
erros e equívocos, abandono. E bote apuros nisso. Pois, o que faltava para
fechar o ano com chave de ouro – para não dizer ao contrário –, aconteceu.
Fiquei no picado e sem chance: todo mundo tem uma segunda, nem tive a primeira,
tome no pau da venta! Se tivesse história, pelo menos, nada, foi tudo pro lixo
naquela do sem retorno: ou vai ou racha das pregas voarem no já era. Tome,
desgraçado, quer mais o quê? É como se tivesse levado um certeiro bem dado de
cair num nocaute tipo enfiada de estaca no coração dum vampiro. Fiquei estatelado
no chão, me levantei e fiquei firme de pé – ou quase. Ao invés de voltar pro
ringue, me dei por vencido e arrumei as malas com todos meus mijados – ora,
enfrentar mulher é pior que o Mike Tyson furioso. Só faltou mesmo eu tirar
minhas tripas ao Sol. Eu mesmo me pergunto como é que fui cair numa dessa, hem?
Bem empregado. Ah, nunca diga coisas assim do nada, cuspiu pra cima e não saiu,
o cuspe na cara caiu. Arrependido? Não tenho do que reclamar, nem estou posando
de vítima: tô só jogando conversa fora, os meus miolos de pote! O que passou,
passou; quem mandou, coração? Sem mágoas, nem ressentimentos. Agora é seguir em
frente se livrando das punhaladas pelas costas. Vê se toma jeito e não fica
marcando bobeira à toa, acreditando em tudo que dizem, prometem e juram, viu?
Porco sabido não se coça em pau de espinhos. A vida não é brinquedo não. Agora
é lamber as feridas para sará-las. Nada não. Destá. Mantenho a fé no ser
humano, contudo, sei que poucos resistem à tentação, logo viram casaca, se
vendem, procuram suas melhoras em detrimento do besta que fica falando sozinho
no reino da indiferença, do pouco caso, das desconsiderações. O melhor mesmo é
deixar pra lá as traições, quebra de contratos, incompreensões, desistências,
mutilações e a porratoda. Chega de lengalenga! Ou é ou não é. Agora é hora de
passar a limpo, refazer a vida, passar borracha no passado, deixar pra lá o que
não serve e não vingou! Hora de recomeçar do zero. E avante! Alô, alô,
chicólatras, tô na área! E obrigado pelas mensagens de apoio e carinho – serviu
de curativo pra remendar meu coração desmiolado. E vamos aprumar a conversa
aqui.
Imagem: Nude Girl on Red Cloth (1902), do pintor
norueguês Edvard Munch (1863-1944)
Curtindo o álbum Manu çaruê: uma aventura holística (Philips Records, 1988), do
compositor, músico, arranjador, regente e pianista Wagner Tiso.


DE
ADEUS E BORBOLETAS – No livro De adeus e
borboletas (Cátedra/INL, 1985), da poeta Maria do Carmo Barreto Campello de Melo (1924-2008), destaco inicialmente o
Poema em dor maior: Andante
se o poema tento dizer-te nem um som: só de mim afloram rebanhos de nuvens
dunas de sal pálidos lírios no amanhecer prestíssimo Se o poema te digo este
som dilacerado dentro de mim emergindo é soluço é dor é grito ou a corda de um
violino se partindo? Também o poema De dar e de poema: Se te dou o poema mais que minha carne a alma: reduto além do sangue
além da trama de nervo/dor/amor em que me teço. Se o poema te dou se me te
dou-eu mesma dádiva ele te dando que me resta dar se te dou o poema? Ainda
o poema título De adeus e borboletas: Assim
eu digo adeus. E as borboletas voam sobre o mar A-D-E-U-S eu digo e o
desencontro das sílabas se faz eu digo adeus e as borboletas voam na tarde
coagulada de vogais. Eu digo A-D-E-U-S atordoados os sons se desencontram (voam
borboletas sobre o mar) e o adeus que digo não é mais um adeus de ir mas de
ficar. Por fim o Poema pra o homem adormecido em tarde lenta: Enquanto dormes as coisas acontecem. Um ar
expectante e lúcido passeia em torno enquanto dormes. Pássaros sobrevoam teu
sono e teu corpo dobrado sobre o mistério de ti mesmo. Enquanto dormes as
coisas acontecem: um poema faz-se em pauta e parou ante tuas pálpebras descidas
temeroso de rumor para o teu sonho. A tarde fez-se em cores ventos se
recolheram ao ninho flores se fecharam e tu dormias irmão do mar estátua
derreada em teu leito de sombras e enquanto dormias as coisas simplesmente
aconteciam. E entanto dormes plateia de ti eu aconteço. Veja mais aqui.
MEDEIA – Na tragédia Medeia, do tragediógrafo e filósofo estoico latino Lúcio Aneu Sêneca (4ac-65), um dos
célebres advogados, escritores e intelectuais do Império Romano, é baseada na
tragédia homônima de Eurípedes, da qual destaco o Prólogo: MEDEIA: Ó deuses do himeneu, e tu, ó Lucina, vigilante do leito
nupcial. E tu que ensinaste a Tífis a arte de guiar o primeiro navio para conquistar
os mares; e tu, altivo dominador do pélago; e tu, ó Sol, que distribuis sobre a
terra a luz do dia; e tu, ó tríplice Hécate, que dás às misteriosas cerimonias
uma cúmplice claridade; ó vós, divindades que Jasão quis como testemunhas de
seus juramentos para comigo, e vós, que Medeia deve suplicar entre todas as
divindades, caos da eterna noite, reino oposto àquele do céu, ímpio Manes, e
tu, dono do triste império, e tu, sua esposa, raptada por um mais fiel amante –
invoco-vos com as minhas imprecações. Agora, agora deveis assistir-me, ó
deusas, vingadoras do crime: os cabelos desarrumados, entrelaçados de
serpentes, firme nas mãos sanguinolentas um lúgubre archote, assisti-me, ó
deusas, tão terríveis como quando ficastes perto de meu leito nupcial. Matai a
nova esposa, matai o sogro e toda a família real. E a mim, dai um outro mal,
mais terrível que a morte, para que eu possa oferece-lo ao meu esposo: que ele
viva, errando pobre por cidades desconhecidas, desterrado, espantado,
abominado, sem lar; que ele me deseje como esposa e encontre a porta fechada,
hóspede já muito conhecido. E – não é possível pensar nada mais horrível –
possa ele gerar filhos semelhantes ao pai, semelhantes à mãe. Quando eu dava à
luz os meus filhos, dava à luz a minha vingança. Mas em vão lamento-me e falo.
Não irei contra os meus inimigos? Arrancarei de suas mãos os archotes,
arrancarei ao céu a luz. O ancestral de minha raça, o Sol, contempla este
espetáculo: não se deixa ele contemplar e não percorre, sentado como de costume
em sua carruagem, os serenos espaços do céu? Não volta ele ao lugar de onde se
levantou, não faz ele recuar o dia? Concede-me, concede-me ser transportada
através das nuvens pela carruagem paterna, concede-me as tuas rédeas, ó pai;
permite-me guiar com teus chicotes flamejantes os cavalos de fogo. Corinto, que
apresenta a dois mares o obstáculo de sua dupla praia, será queimada pelas
chamas, deixando reunir as ondas. Não me resta senão eu mesma levar a tocha de
pinho que precede o cortejo nupcial e, depois das preces para o sacrifício,
golpear sobre o altar as vítimas consagradas: em suas vísceras procura o
caminho da vingança, ó minha alma, se tu és ainda viva e te resta uma sombra da
antiga força. Deixa de lado o medo feminino e reveste teu espirito com todas as
crueldades do Cáucaso. Todos os crimes que o Ponto e o Fásis puderam ver serão
vistos pelo Istmo. Insensatos, incríveis, horríveis, espantosos para o céu e a
terra são os designios que se agitam no amago do meu cérebro: feridas, mortes,
membros esparsos e sem exéquias. Mas são demais medíocres os crimes que agora
estou lembrando... tudo isso eu fiz, quando virgem; é preciso que minha dor se
levante ainda mais terrível; agora que sou mãe, meus crimes devem ser maiores.
Arma-te de cólera, prepara-te para aniquilar com um furor que vai até ao
paroxismo. Que a cena de tua renúncia seja igual à de tuas núpcias! Como
deixarás o teu esposo? Como o seguiste. Sufoca tuas moles perplexidades! Esta
casa, onde tu entraste por um crime, por um crime deves deixa-la. (Sai).
[...] Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA:
A arte do cartunista estadunidense Dan DeCarlo (1919-2001).
DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada à pioneira
feminista e educadora Henriqueta Martins Catharino (1886-1969).