VAMOS
APRUMAR A CONVERSA? PERDOAR
UMA TRAIÇÃO - Em
vários momentos da vida presenciamos ou somos vítimas de atos de traição, coisa
corriqueira a qual ninguém está ileso. A cena da peça shakespeariana Júlio Cesar (1599), com a sua famosa
frase “Até tu, Brutus”, tem se
perpetuado ao longo dos anos. Nas empresas, nas escolas, nas instituições, em
qualquer lugar, pode-se presenciar o pé na goela de uns e outros, puxando a
língua e enfiando o outro buraco abaixo. É a lei da concorrência, da
competitividade. E vencer em detrimento de todos, a glória da conquista, da
vitória de um sobre quem quer que seja. Pra se ter ideia, na semana passada eu
vi um amigo completamente desorientado com o desenlace de um idílio que se dava
como para sempre. Era que ele e a sua amada personificavam satiríase e
ninfomania, às maiores juras de amor eterno. Carne e unha, o mundo nem ninguém
mais existiam: só eles. Trancafiados em sua paixão, os dois seguiram por anos até
que um dia ele faliu, ela pulou fora – disse-me ele completamente transtornado
pela indignação que, na verdade, ela acabou num dia e, no outro, já perdia a
caçola com outro. E completamente atordoado começou a dizer de forma
atrapalhada que ela, ainda por cima, para justificar seu procedimento, o
culpava por tudo, ao mesmo tempo em que lamentava as saudades e que sentia
falta dele e que o mantinha no coração como um segredo só deles, que o outro atual
não soubesse. Triste, mas até o amor não resiste à falta de dinheiro. E repetia
ele completamente desconsolado: era tudo mentira e sedução. Procurei ao máximo
manifestar apoio e solidariedade, ao mesmo tempo em que repassava os tristes
fins de amores como o de Abelardo e Heloisa, Tristão e Isolda, e tantos e
muitos outros que já trouxe aqui em edições passadas. Alguns findam comumente
como a tragédia que envolveu o assassinato do escritor Euclides da Cunha, ou
nas manchetes de jornais em que homens acometidos por excesso passional trucidam
a amada por julgá-la ser dele e mais ninguém. Casos e casos ilustram os inquéritos
policiais e processos judiciais. Não há como mensurar a dor de quem se sente
traído. O que me resta dizer, que tudo isso é do umbigocentrismo que tornou
agudo o individualismo possessivo, transformando as pessoas em reféns de
consumo e posse. Acumular, desde as mais remotas eras, tem sido a tônica: mais
poder, mais dinheiro, ser maior e melhor, almejando um gigantismo (que não é
nada mais que ser menor que o próprio tamanho), que só satisfaz aos infelizes
egoístas e a sua claque de baba-ovo, não se percebendo o que Freud chamava de
conflito entre o princípio do prazer e o princípio da realidade. Passam-se anos
e milênios e não aprendemos a sermos superiores. Então é preciso saber que perdoar
é uma das mais nobres formas de valorizar o verdadeiro sentido da vida. E vamos
aprumar a conversa aqui.
PICADINHO
Venus at a forest pool, do pintor e professor francês Thomas Couture (1815-1879)
Curtindo Luzia
(Polygram, 1998), do guitarrista e compositor flamengo espanhol Paco de Lucía (1947-2014).
O PROBO ORGASMO – No livro 49 degraus (Companhia das Letras, 1997), do ensaísta italiano Roberto Calasso, encontro O probo
orgasmo em que ele fala de Wilhelm Reich: O
casamento místico entre marxismo e psicanalise, a denuncia dos erros da família,
a reabilitação dos esquizofrênicos, o orgasmo como panaceia: todos esses temas,
pelos quais durante anos nos batemos e debatemos sem cessar, com pedantismo [...]
Profeta, cientista, crítico da sociedade,
charlatão cósmico – Reich era sobretudo um visionário desesperadamente dominado
por uma única visão, que considerava ser, como é óbvio, a chave do universo. Tinha,
além disso, um dos vícios mais graves que podem enganar um visionário: o
literalismo, o culto dos fatos, da real thing, da medida quantitativa, da
formula resolutória. Assim, não lhe bastou introduzir uma noção inconveniente como
a do orgasmo no centro da psicanalise. [...] Pretendeu ir mais longo, com passo de elefante: quis acreditar que a
palavra biologia ou qualquer aparelho de medida estranho garantissem sozinhos
uma abordagem segura para os segredos do mundo, permitindo-lhe tocar, ver,
quantificar a fantástica e inapreensível energia orgânica que pensava ter
descoberto [...]. E veja mais aqui.
JOSÉ E A MULHER DE PUTIFAR – Entre as Lendas Religiosas Árabes (Cultrix,
1962), reunidas por Jamil Almansur Haddad, encontro a de José e a mulher de
Putifar: Foi na época de El Raiân que
entrou no Egito um jovem vindo da Síria, que seus irmãos, astuciosamente,
haviam conseguido vender. As caravanas da Síria acampavam-se no lugar que hoje
tem o nome de El Maouqef. O jovem, parado ali, foi posto à venda. Era José,
filho de Jacó. Putifar comprou-o para dá-lo de presente ao rei. Quando o levou
ao palácio, sua mulher Zuleika, que era sua prima, viu-o e disse: “Deixai-o
para nós; educa-lo-emos, e ele nos servirá”. Então, aconteceu-lhe o que Deus
conta no Corão. Ela ocultou o seu amor até que não pode resistir mais. Então se
retirou com José, enfeitou-se para ele, e fez-lhe saber que o amava; e se
consentisse no que ela quisesse, dar-lhe-ia riquezas consideráveis. Ele recusou-se.
Ela imaginou que o venceria, e não cessou de persegui-lo, não obstante a
resistência, até que o seu marido apareceu, enquanto ele se esquivava da
conquistadora. El ‘Aziz era eunuco e não podia aproximar-se de mulheres. José desculpou-se
perante ele, mas ela falou: “Eu dormia e ele veio agarrar-me à força”. Mas testemunhas
vieram e declararam que a culpa era da mulher. “Deixai disso”, disse Putifar a
José, ou melhor – “deixai dessas desculpas”. Depois disse à sua mulher: “Pede
perdão por tua culpa...”. [...] “Não
é possível”; - disse Zuleika – “mas já que ele se recusa, eu proibir-lhe-ei
qualquer entretenimento; aprisiona-lo-ei e tomarei tudo o que lhe dei”. José
respondeu: “Prefiro a prisão ao que se pretende de mim”. Então, ela jurou por
seu deus – era uma estatua de esmeralda verde, de nome Mercúrio – que se ele
não obedecesse, faria executar imediatamente as suas ameaças. Ordenou que lhe tirassem
as vestimentas régias, o vestissem de lã, e pediu a El ‘Aziz aprisiona-lo para
fazer cessar as acusações lançadas contra ela. Seu marido ordenou que ele fosse
preso. Veja mais aqui.
UM POEMA DE POUND – No livro Poesia (Hucitec/EdUnB, 1983),
do poeta, músico e
crítico literário estadunidense Ezra
Pound (1885-1972), organizado por Augusto de Campos, encontro
o belo poema Alba: Enquanto o rouxinol à sua amante / gorgeia a noite inteira e
o dia entrante / com meu amor observo arfante / cada flor / cada odor, / até
que o vigilante lá da torre / grite: / “Levanta, patife, sus! / Vê, já reluz /
a luz, / depressa, corre, / que a noite morre...”. Veja mais aqui e aqui.
INCOMPATIBILIDADE ENTRE A VERDADEIRA RELIGIÃO E O TEATRO – No livro A Moda Feminina / Os espetáculos (Verbo,
1974), do prolífico autor das primeiras fases do cristianismo, Tertuliano (160-220dC), encontro o
trecho sobre a incompatibilidade entre a verdadeira religião e o teatro: Considerai, servos de Deus, o que as
exigências da fé, um bom sistema doutrinal e um estatuto disciplinar, entre
outros, podem fazer para nos livrar do engodo dos erros mundanos, nomeadamente
das representações teatrais; vós que andais muito perto de Deus como tendes
testemunhado e confessado, examinai isto de novo para que ninguém resvale no
pecado por ignorância ou fazendo vista grossa. Tão grande é o poder de arraste
dos prazeres que chega a abrir ocasião de pecas nas trevas da ignorância, e a
fazer que a consciência se iluda a si mesma. Talvez alicie às duas coisas a
mais que um pensar o dos pagãos vezeiros em arguir conosco nesta questão pro
este modo: que nenhum detrimento advem à religião que é coisa espiritual, e
menos à consciência, uma tal ou qual avidez de olhos e ouvidos para o que se
arma lá fora; nem Deus se vai ofender, por outra parte, com o deleite que o
homem haja, nem é crime algum gozar dele em seu tempo e lugar; contanto que se
mantenha o temor de Deus e se lhe prestem as honras devidas [...]. Veja
mais aqui.
COISAS DE CINEMA – No livro História da riqueza do homem (LTC, 1986), do jornalista e escritor
marxista estadunidense Leo Huberman
(1903-1968), encontro o trecho em que ele fala: Os diretores dos filmes antigos costumavam fazer coisas estranhas. Uma das
mais curiosas era seu hábito de mostrar as pessoas andando de carro, depois
descerem atabalhoadamente e se afastarem sem pagar ao motorista. Rodavam por
toda cidade, divertiam-se, ou se dirigiam a seus negócios, e isso era tudo. Sem
ser preciso pagar nada. Assemelhavam-se em muito à maioria dos livros da Idade
Média, que, por páginas e páginas, falavam de cavaleiros e damas, engalanados
em suas armaduras brilhantes e vestidos alegres, em torneios e jogos. Sempre viviam
em castelos esplendidos, com fartura de comida e bebida. Poucos indícios há de
que alguém devia produzir todas essas coisas, que armaduras não crescem em
árvores, e que os alimentos, que realmente crescem, tem que ser plantados e
cuidados. Mas assim é. E tal como é necessário pagar por uma corrida de táxi,
assim alguém, nos séculos X e XII, tinha que pagar pelas diversões e coisas
boas que os cavaleiros e damas desfrutavam. Também alguém tinha que fornecer
alimentação e vestuário para os clérigos e padres que pregavam, enquanto
cavaleiros lutavam. Além desses pregadores e lutadores existia, na Idade Média,
um outro grupo: os trabalhadores. A sociedade feudal consistia dessas três classe
– sacerdotes, guerreiros e trabalhadores, sendo que o homem que trabalhava
produzia para ambas as outras classes, eclesiástica e militar. [...]. Veja
mais aqui.
AS
PREVISÕES DO DORO PARA 2016
– As previsões para 2016 do mestre Dorus está bombando na rede. Além de trazer
as orientações de procedimentos quanto ao amor, saúde e dia a dia de cada
signo, o cara-de-pau ainda dá de troco duas simpatias: a da virada do ano e a
Tiro e Queda. Aproveite para conferir e dar boas risadas aqui.
IMAGEM DO DIA
A arte do artista
plástico brasileiro Wesley Duke Lee (1931-2010)
DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada à escritora peruana do Brasil (ou brasileira do Peru, tanto
faz!) Glória Kirinus. Veja aqui.
LEITORA TATARITARITATÁ