TRÍPTICO DQP –- Uns
& tantos caminhos - Ao som do álbum Cartas brasileiras (Maritaca/Tratore, 2007), da compositora,
arranjadora e flautista Léa Freire. -
Não há apenas caminho de formigas ou fila indiana, muitas, senão todas, direções.
E no barulho das ruas e por todos os lugares só
ofertam duas opções: ou dos que mandam e ganham sempre – aqueles da mão
invisível com seus interesses privados egoísticos sobre o poder e vida de tudo
e todos -, ou da esmagadora maioria à beira do precipício e que farão de você
um Jesuisis qualquer para ser crucificado pela indiferença ou opróbrio. Ah, reducionista
maniqueísmo. Agora mesmo me vejo na pele da escritora italiana de origem alemã,
Helga Schneider: Esta
noite não preguei os olhos. Agora é quase dia; abri a janela. Um esfumaçado véu
de luz vai se tornando claro sobre os telhados de Viena. Este um trecho extraído do seu autobiográfico livro Deixe-me ir, mãe (Berlendis
& Vertecchia, 2001), sobre o último encontro depois de 27 anos que passou
abandonada pela mãe, uma anciã de 90 anos de idade, saúde debilitada e que só
vira uma única vez na vida na segunda guerra mundial porque ela seguiu os
passos do nazismo: Hoje volto a vê-la, mãe, mas com que sentimentos? Que
pode provar uma filha por uma mãe que se recusou a ser mãe para fazer parte da
celerada organização de Heinrich Himmler? A
resposta materna: ...eu não
tinha nenhum direito de sentir compaixão, meu dever era só o de obedecer.
Fidelidade e obediência, nada mais... Porque
perdemos a guerra. Se tivéssemos vencido, o mundo inteiro beijaria os pés do
Führer, e não só os pés. Ela saiu
cabisbaixa, coração apertado, olhos empoçados. Era como se saísse para não mais
voltar, nunca mais. E eu guardei seus sentimentos. Fiquei só e depois, como num
passe de mágica nenhuma, emergia a dor do jornalista e ficcionista polonês, Andrzej Szczypiorski
(1928-2000): Havia nisso algo de uma
cruel libertação. O poder corrompe o homem. Uma frase da sua aclamada obra Uma missa para a cidade de Arras (Estação
Liberdade, 2001), contando sobre o flagelo da peste, da fome e do surto de
perseguições cruéis aos judeus e às bruxas na localidade. E isso para quem
resistiu nas fileiras do Solidarity,
viu-se só e desencantado. Parece mais que tudo se repete, mas não. Duas situações distintas e outros descaminhos. E há quem
seja pelo interesse público além dos extremismos. Uma constatação: de um lado a
outro há muito mais que 8 ou 80, há a infinitude de opções - vide o vetusto
plano cartesiano, eu aprendi. E mais no espelho
de todos, no travesseiro de tudo.
Duas vezes pela
bifurcação dos caminhos… - Imagem: arte de Edith Derdyk, ao som do álbum Nocturne (Universal/Polygram
2001), do contrabaixista estadunidense Charlie Haden (1937-2014). – Assim a vida e
os dias... De um ponto a outro, novas
possibilidades, bifurcações. Mesmo que eu refaça todo dia o mesmo caminho,
nunca será o mesmo: outros virão. E se de mim tantos eus passeiam entre seres e
coisas, aonde eu for, será chegada para novo ponto de partida. Assim minutos e
horas, dias e semanas, décadas. É sempre como se ouvisse o eco daquele trecho
da obra Uma sombra logo serás (Relume
Dumará, 2001), do escritor argentino Osvaldo
Soriano (1943-1997): Estávamos todos
presos naquela teia de aranha, caminhando pelas beiradas como insetos que
procuram dar um salto desesperado... Eu sou um velho andarilho… No caminho,
quando tudo parece perdido, sempre resta uma última manobra. Um golpe na
direção certa, uma reduzida, qualquer coisa, mas o freio, jamais. Você toca no
freio e está perdido. Agora mesmo tudo é
irrespirável, sem saída nem escapatória, a morte iminente. Já não distingo a
vigília, a existência atravessa sonhos, como se fosse aquele trecho de O labirinto da solidão (Cosac Naify,
2014), de Octávio Paz: Ao sair talvez descobriremos que tínhamos
sonhado de olhos abertos e que os sonhos da razão são atrozes. Talvez, então,
comecemos a sonhar outra vez com os olhos fechados. E sei que
há muito mais além do que eu mesmo possa ver e sentir. E se olhos mentem ou se
inibem, o coração conjuga.
Três sílabas, Soledad (A terra é fogo sob
nossos pés). – Ao som do dvd Jubileu de Cordas – 50 anos de violão (2013),
do violonista Henrique Annes, no Teatro Boa Vista, Recife -
PE. - Lá estava eu, 10 anos de idade, bigodinho ralo abaixo da venta, sonhos
que adolesciam antes da hora. A notícia me abalara, muito mais consternado com o
dever de recitar A muerte de Soledad de Benedetti e recolher as lágrimas
das Filhas da Dor & da Tortura. Passou-se o tempo e de novo me
comovi ao dar de cara com Soledad no
Recife (Boitempo, 2009), do escritor e jornalista Uraniano Mota, que
li por ocasião do lançamento. Naquelas páginas eu me vi aquele menino que
queria crescer. Logo na apresentação estava anotado: Naquele tempo o amor era uma alienação. Naquele tempo eu já amava e
quase sabia direito o que estava acontecendo. Com a leitura era que crescia o
coração, páginas lidas e lá pra diante quase ao final, no quarto capítulo, eu
pude ler: [...] Escrevo este livro com
minha atenção voltada para o que foi antes. Mas me defendo, ou quero me
defender, quando reflito que a narração está sempre voltada para o que foi. Ao
que acrescento, para o que foi e continua a ser, porque com a memória
reconstruída podemos entrar na história [...]. Ah, Soledad, Soledad,
a foto que o menino viu e se encantou ainda reluz estampada nos sentimentos. É como
se tudo fosse de novo e agora mais do que nunca, ter de fazer alguma coisa
antes que seja tarde demais. Até mais ver.
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