sexta-feira, junho 18, 2021

HELGA SCHNEIDER, SZCZYPIORSKI, OSVALDO SORIANO, SOLEDAD & URANIANO MOTA

 

 

TRÍPTICO DQP –- Uns & tantos caminhos - Ao som do álbum Cartas brasileiras (Maritaca/Tratore, 2007), da compositora, arranjadora e flautista Léa Freire. - Não há apenas caminho de formigas ou fila indiana, muitas, senão todas, direções. E no barulho das ruas e por todos os lugares só ofertam duas opções: ou dos que mandam e ganham sempre – aqueles da mão invisível com seus interesses privados egoísticos sobre o poder e vida de tudo e todos -, ou da esmagadora maioria à beira do precipício e que farão de você um Jesuisis qualquer para ser crucificado pela indiferença ou opróbrio. Ah, reducionista maniqueísmo. Agora mesmo me vejo na pele da escritora italiana de origem alemã, Helga Schneider: Esta noite não preguei os olhos. Agora é quase dia; abri a janela. Um esfumaçado véu de luz vai se tornando claro sobre os telhados de Viena. Este um trecho extraído do seu autobiográfico livro Deixe-me ir, mãe (Berlendis & Vertecchia, 2001), sobre o último encontro depois de 27 anos que passou abandonada pela mãe, uma anciã de 90 anos de idade, saúde debilitada e que só vira uma única vez na vida na segunda guerra mundial porque ela seguiu os passos do nazismo: Hoje volto a vê-la, mãe, mas com que sentimentos? Que pode provar uma filha por uma mãe que se recusou a ser mãe para fazer parte da celerada organização de Heinrich Himmler? A resposta materna: ...eu não tinha nenhum direito de sentir compaixão, meu dever era só o de obedecer. Fidelidade e obediência, nada mais... Porque perdemos a guerra. Se tivéssemos vencido, o mundo inteiro beijaria os pés do Führer, e não só os pés. Ela saiu cabisbaixa, coração apertado, olhos empoçados. Era como se saísse para não mais voltar, nunca mais. E eu guardei seus sentimentos. Fiquei só e depois, como num passe de mágica nenhuma, emergia a dor do jornalista e ficcionista polonês, Andrzej Szczypiorski (1928-2000): Havia nisso algo de uma cruel libertação. O poder corrompe o homem. Uma frase da sua aclamada obra Uma missa para a cidade de Arras (Estação Liberdade, 2001), contando sobre o flagelo da peste, da fome e do surto de perseguições cruéis aos judeus e às bruxas na localidade. E isso para quem resistiu nas fileiras do Solidarity, viu-se só e desencantado. Parece mais que tudo se repete, mas não. Duas situações distintas e outros descaminhos. E há quem seja pelo interesse público além dos extremismos. Uma constatação: de um lado a outro há muito mais que 8 ou 80, há a infinitude de opções - vide o vetusto plano cartesiano, eu aprendi. E mais no espelho de todos, no travesseiro de tudo.

 


Duas vezes pela bifurcação dos caminhos… - Imagem: arte de Edith Derdyk, ao som do álbum Nocturne (Universal/Polygram 2001), do contrabaixista estadunidense Charlie Haden (1937-2014). – Assim a vida e os dias... De um ponto a outro, novas possibilidades, bifurcações. Mesmo que eu refaça todo dia o mesmo caminho, nunca será o mesmo: outros virão. E se de mim tantos eus passeiam entre seres e coisas, aonde eu for, será chegada para novo ponto de partida. Assim minutos e horas, dias e semanas, décadas. É sempre como se ouvisse o eco daquele trecho da obra Uma sombra logo serás (Relume Dumará, 2001), do escritor argentino Osvaldo Soriano (1943-1997): Estávamos todos presos naquela teia de aranha, caminhando pelas beiradas como insetos que procuram dar um salto desesperado... Eu sou um velho andarilho… No caminho, quando tudo parece perdido, sempre resta uma última manobra. Um golpe na direção certa, uma reduzida, qualquer coisa, mas o freio, jamais. Você toca no freio e está perdido. Agora mesmo tudo é irrespirável, sem saída nem escapatória, a morte iminente. Já não distingo a vigília, a existência atravessa sonhos, como se fosse aquele trecho de O labirinto da solidão (Cosac Naify, 2014), de Octávio Paz: Ao sair talvez descobriremos que tínhamos sonhado de olhos abertos e que os sonhos da razão são atrozes. Talvez, então, comecemos a sonhar outra vez com os olhos fechados. E sei que há muito mais além do que eu mesmo possa ver e sentir. E se olhos mentem ou se inibem, o coração conjuga.

 


Três sílabas, Soledad (A terra é fogo sob nossos pés). – Ao som do dvd Jubileu de Cordas – 50 anos de violão (2013), do violonista Henrique Annes, no Teatro Boa Vista, Recife - PE. - Lá estava eu, 10 anos de idade, bigodinho ralo abaixo da venta, sonhos que adolesciam antes da hora. A notícia me abalara, muito mais consternado com o dever de recitar A muerte de Soledad de Benedetti e recolher as lágrimas das Filhas da Dor & da Tortura. Passou-se o tempo e de novo me comovi ao dar de cara com Soledad no Recife (Boitempo, 2009), do escritor e jornalista Uraniano Mota, que li por ocasião do lançamento. Naquelas páginas eu me vi aquele menino que queria crescer. Logo na apresentação estava anotado: Naquele tempo o amor era uma alienação. Naquele tempo eu já amava e quase sabia direito o que estava acontecendo. Com a leitura era que crescia o coração, páginas lidas e lá pra diante quase ao final, no quarto capítulo, eu pude ler: [...] Escrevo este livro com minha atenção voltada para o que foi antes. Mas me defendo, ou quero me defender, quando reflito que a narração está sempre voltada para o que foi. Ao que acrescento, para o que foi e continua a ser, porque com a memória reconstruída podemos entrar na história [...]. Ah, Soledad, Soledad, a foto que o menino viu e se encantou ainda reluz estampada nos sentimentos. É como se tudo fosse de novo e agora mais do que nunca, ter de fazer alguma coisa antes que seja tarde demais. Até mais ver.

 

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