A arte da
cantora, compositora, instrumentista, produtora cultural e atriz estadunidense Joan Jett (Joan Marie Larkin), uma das
mais importantes personalidades da história do rock e que integrou a banda The
Ruynaways.
TODA MANHÃ – Sou escravo dela, capacho ao cunilíngua, servil
flibusteiro nas suas entranhas. Removo todos os seus portões e ela, portas e
janelas abertas, se estira qual avião singrando a atmosfera para alcançar a
imensidão do prazer universal. Nela revolvo fogo alto, suas funduras e assalto
sua majestade para roubar-lhe todos os zis gozos. Ela mais se entrega, satisfeita
e lavada, para me fazer, ao invés, seu carrasco, réu confesso, para invadir seu
território e devassar suas matas, morros, ínvias malocas, a me acomodar
resoluto e mandão, proprietário eterno de sua estirpe e razão. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: A
ponte desce como do cosmos sob o som-folia nas sombras subjetivas ou no odor
que emana ou do morro ou do som-metal dos trens que correm das matas pelo mar
da Central: porque as sombras embaixo são sombras ou o que sinto não sei. É
cedo no ano para que o samba esteja quente, mas as luzes e os sons
tamborins-surdos me atingem. Pensamento do pintor e escultor Hélio Oiticica (1937-1980). Veja mais
aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Como
as aves, as pessoas são diferentes em seus voos, mas iguais no direito de voar.
Pensamento de Judite Hertal.
LUZ NO
CAMINHO – [...] Não penses que podes permanecer afastado do
homem maldoso ou do tolo. Eles são tu mesmo, embora em uma proporção menor que
o teu amigo ou teu mestre. Mas se deixares que cresça em ti a ideia de
separação em relação a qualquer coisa ou pessoa má, ao fazer isso criarás um
Carma que te amarrará a aquela coisa ou pessoa até que a tua alma reconheça que
não pode ficar isolada. [...] Aprende a olhar inteligentemente os corações
dos homens. Desde um ponto de vista absolutamente impessoal, pois caso
contrário a tua visão estará distorcida. [...]. Trechos extraídos da obra Luz no Caminho (Pensamento, 1995), da mística e teosofista britânica
Mabel Collins, heterônimo de Mrs. Kenningdale-Cook (1851-1927), autora
de obras como O Idílio do Lótus Branco, Pelas Portas de Ouro, O Despertar e O
Caibalion, nos quais se expressa: Não
viva no presente nem no futuro, mas no eterno. O que nós conhecemos do mundo é
função de nossa resposta às suas vibrações. Não deseje plantar coisa alguma
para a própria colheita; trate de lançar a semente cujo fruto alimentará o
mundo. A inteligência é imparcial: nenhum homem é seu inimigo; nenhum é seu
amigo. Todos são seus professores. Cada homem é, para si mesmo, o Caminho, a
Verdade e a Vida. Veja mais aqui e aqui.
À ESPERA DOS BÁRBAROS – [...] O Império criou o
tempo da história. O Império localizou sua existência não no tempo recorrente
do ciclo das estações, que passa sereno, mas no tempo recortado de ascensão e queda,
de começo e fim, de catástrofe. O Império se condena a viver na história e
conspira contra a história. Só uma ideia preocupa a mente obtusa do Império:
como não terminar, como não morrer, como prolongar a sua era. De dia, persegue
seus inimigos. É astuto e impiedoso, manda seus sabujos para toda parte. À
noite, se alimenta de imagens de desastre: o saque de cidades, a violação de
populações, pirâmides de ossos, hectares de desolação. [...]. Trecho extraído da obra À Espera
dos Bárbaros (Companhia das Letras, 2006), do escritor sul-africano e
Prêmio Nobel de Literatura de 2003, John Maxwell Coetzee, no qual explora a natureza do poder
absoluto e as ambiguidades da ética na figura de um magistrado honrado a
serviço de um Império sempre mais brutal, cujo cenário é um lugarejo poeirento
na província ocidental, partindo das encruzilhadas da população branca no
apartheid sul-africano para construir uma profunda meditação sobre a natureza
do poder absoluto, da censura, do compromisso e da moral em tempos difíceis.
Veja mais aqui.
UM POEMA - Ama-me.
Ainda é tempo. Interroga-me. / E eu te direi que nosso tempo é agora. / Esplêndida
de avidez, vasta ternura / Porque é mais vasto o sonho que elabora / Há tanto
tempo sua própria tessitura. / Ama-me. Embora eu te pareça / Demasiado intensa.
E de aspereza. / É transitória se tu me repensas. Poema da poeta, dramaturga e ficcionista Hilda
Hilst (1930-2004). Veja mais aqui.
A
FAMÍLIA
- Diversas teorias existem para
explicação das origens da instituição da família, a primeira delas, conforme
Lôbo (2012), Simon (2013) e Luna (2013), de os fundamentos da família estão
assentados sobre o sistema poligâmico, onde um indivíduo possui muitos cônjuges
ao mesmo tempo num processo denominado de poliginia que representa o matrimonio
de um homem com diversas mulheres, organizando-se a família sob a forma de
patriarcado ou da poliandria. Entretanto, há também entendimentos, segundo os
autores mencionados, de que a família se constitui sob a base monogâmica,
formada pelo par andrógino. Outra vertente teórica encontrada na literatura
pesquisada é a baseada no naturalista britânico Charles Darwin que nega a
existência da família nos primeiros tempos da humanidade. A esse respeito,
Azevedo (2001) e Simon (2013) assinalam que provavelmente nos tempos primevos,
o homem tenha sido polígamo polígino, ou seja, que conviva com várias mulheres
sob a organização familiar em forma de patriarcado poligâmico para depois ser
monógamo. No entanto, depois dessa fase, encontra-se que a organização da
sociedade familiar se deu em torno da mulher em forma de poliandria, admitindo
o matriarcado. Conceitualmente a família é entendida como originada do vocábulo
latino família adotando a
significação de coletividade dentro do lar, sob o mesmo teto de convivência
familial, sendo, pois, o somatório de pessoas que se põem e que se estabelecem
no lar e no local de existência. Etimologicamente, segundo Teixeira et al
(2013), a família é uma palavra oriunda do verbete latino famulus,,que significa escravo, com acepção familia
proprio iure, significando, assim,
o grupo de pessoas efetivamente sujeitas ao poder do paterfamilias. Em
Roma se considerava a família a partir de uma serie de fatores, tais como os
cônjuges e seus descendentes, mesmo os de gerações posteriores à dos filhos, os
descendentes de um tronco ancestral comum, os cônjuges e, tão somente, os
filhos menores; os sujeitos unidos por laços de parentesco, inclusive por
afinidade; e, por fim, entendida como o grupo de pessoas que viviam sob o
sistema de economia comum, tendo como moradia o mesmo lugar, em outras
palavras, um conjunto de pessoas e um acervo de bens. Com a expansão da
doutrina cristã, segundo Luna (2013, p. 3), mormente dos dogmas da Igreja
Católica, “[...] a família passou a ser vista como aquela constituída através
dos laços do casamento”. Com isso, segundo a autora em comento, o matrimônio
passou a ser visto como o sacramento que compreendia a relação sexual entre o
homem e a mulher para geração dos filhos. Também é encontrado na literatura o
conceito amplo do vocábulo família como sendo todas as pessoas ligadas pelo
vínculo de consanguinidade, representando um grupo de pessoas, compreendendo o
casal, parentes e até estranhos, como os serviçais que vivam todos sob o mesmo
teto, no mesmo lar. Evoluindo o sentido, entende Simon (2013), que a família
atualmente possui no contexto jurídico e social um conceito diferenciado
daquele entendimento tradicional histórico, possibilitando a sua conformação e
expressão sob as inúmeras formas e variações levadas em conta pela lei,
notadamente ao tentar protegê-la e regulamentá-la. Juridicamente, encontra-se
nos arts. 642 e 744 do Código Civil anterior, que o termo família é amplo,
sendo certo que, no primeiro dispositivo legal apontado, confere-se ao usuário
o direito de fruir o bem que lhe é dado em uso, de acordo com suas necessidades
pessoais e de sua família, aduzindo o segundo deles que as necessidades da
família se restringem às de seu cônjuge, de seus filhos solteiros, ainda que
sejam ilegítimos, e de seus serviçais. Já no sentido restrito, o vocábulo
família é entendido somente pela abrangência aos cônjuges e prole. Este é o
significado adotado pelo art. 233, IV, do Código Civil de 1916. Há que se observar que o Código Civil anterior
- Lei 3.071 de 01 de janeiro de 1916 -, que foi aprovado e passou a vigorar em
1917 até 10 de janeiro de 2002, trazia a reprodução do modelo liberal existente
no final do século XIX e inicio do século XX, excluindo os efeitos jurídicos
concernentes às relações extraconjugais, ou seja, aquelas tidas e mantidas fora
do casamento, incluindo também a filiação nesse processo excludente e mantinha
o poder patriarcal na família, preservando, assim, o patrimônio da família. Tem-se
também que o sentido restrito em referência está expresso também nos arts. 240
e 293, II, do Código em comento, na menção de que, com o casamento, a mulher se
posicionava ao lado do seu marido, como sua colaboradora nos encargos de
família e, na de que só em casos de exceção, previstos no segundo artigo
invocado, podendo os imóveis dotais ser onerados ou alienados, como no caso de
extrema necessidade da família, quando a ela faltarem outros recursos para
subsistência. Vê-se, pois, que o Código Civil de 1916 não estabelecia em seus
dispositivos que tratam do Direito de família um conceito do que é essa
família, ficando claro, que o entendimento doutrinário, no decorrer dos tempos, a família passou a
ser empregada de várias maneiras, como na Antiga Grécia, família era
compreendida como grupo de pessoas que se reunia durante o dia, manhã e
tarde, em um lar, baseado na expressão grega epistion, para realização do culto aos seus
deuses; e, também, os cônjuges e seus descendentes. Com o advento da
Constituição Federal de 1988, possibilitou-se a abertura de horizontes
relativos ao instituto jurídico da família, considerando a partir da entidade
familiar, o seu planejamento e a sua assistência direta, com a previsão dada no
artigo 226 da mesma, assinalando que: “Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado”. Assim, conforme Dias (2009, p. 66): Alargou-se o conceito de família, que, além da relação matrimonializada,
passou a albergar tanto a união estável entre um homem e uma mulher como o
vínculo de um dos pais com seus filhos. Para configuração de uma entidade
familiar, não mais é exigida, como elemento constitutivo, a existência de um
casal heterossexual, com capacidade reprodutiva, pois dessas características
não dispõe a família monoparental. Por essas previsões, observa-se em conformidade com a observação
dos doutrinadores estudados, o reconhecimento de qualquer união que envolva
pessoas de sexos diferentes, equiparando-se ao instituto do casamento e
constituindo uma entidade própria, como, também, é entendida a forma de
definição dada para o legislador para o concubinato representando a entidade
familiar. Foi a partir daí que as relações familiares, conforme Lôbo
(2012) e Azevedo (2001), passaram a ser conjugais e convivenciais, parentais,
de afinidade e assistenciais. Entende-se por relações conjugais ou
convivenciais aquelas que se encontram como resultantes do casamento ou da
união estável. Já a parental é a entidade familiar que se forma por um
grupamento de pessoas unidas pelos laços de parentesco biológico ou
socioafetivo. Assim,
as relações parentais, no dizer de Ramos (2013,
p. 3), são aquelas que [...] ocorrem como
consequência do vínculo de parentesco entre os membros da família, seja este
parentesco decorrente da consanguinidade ou da adoção, ou, ainda, da
convivência sócioafetiva entre determinados sujeitos capaz de gerar a relação
de paternidade. As relações de afinidade são vistas como aquelas formadas
pelas relações de um dos cônjuges ou conviventes com os parentes do outro. Por
fim, as relações assistenciais se definem por serem originárias de vínculos
consequentes das funções de tutor ou curador, oriundos de assistências da
tutela e curatela. Com isso, surge a
família monoparental amparada no principio da pluralidade das entidades
familiares, por meio do parágrafo 4º do art. 226 da CF/88, entendendo a
formação de comunidade por ascendentes e descendentes no âmbito das relações
familiares de pessoas solteiras, viúvas, separadas, divorciadas, entre outras. Também
deu lugar à família reconstruída que também recebe as denominações de mosaico,
binucleares ou reconstituídas, e que é aquela usualmente formada pelo par e os
filhos advindos de relações conjugais anteriores que passarão a desenvolver uma
convivência familiar sem elo de consanguinidade, mas serão, sim, filhos do coração ou irmãos de afeto.
Na observação de Nogueira Junior e Costa-Diniz (2013, p. 32): Estas novas formações familiares tem se
tornado cada vez mais comum, e se caracteriza principalmente por ser
administrada por apenas um responsável, o que caracteriza a Família
Monoparental, uma estrutura extremamente frágil que necessita de amparo social,
psicológico e também da proteção e regulamentação no seu aspecto jurídico. Por esse entendimento fica expressado que a
Carta Magna deu amplitude ao conceito de família, reconhecendo e protegendo
entidades familiares fora do matrimônio civil, procedendo a uma visão
progressista no contexto do direito de família. Assim sendo, a família,
conforme Dias (2009, p. 29), “[...] é o primeiro agente socializador do ser
humano”. Já no entendimento de Diniz (2011) e Monteiro (2004), a família é um
instituto e uma forma de sociedade dos mais antigos que existem, antecede o
Estado e desempenha importantes funções para a própria constituição e
manutenção da autoridade pública. Com a edição do Código Civil, vigente a
partir de 11 de janeiro de 2002, grandes modificações foram processadas no
Direito de Família, considerando o Código Civil anterior que possuía
ordenamento adequado aos moldes éticos e culturais de um tempo em que o país
vivia sob uma visão patriarcal e individualista. Este, portanto, influenciado
pela igreja, regulava a família com vínculo decorrente dos sagrados laços do
matrimônio consagrados no início do século recém-passado. Em vista disso,
ocorreu a redução do caráter patrimonialista da legislação, trazendo
preocupação mais acentuada quanto à relação do indivíduo na sociedade, adequando-o
às situações sociais existentes. Como no caso do casamento e sua relação com
outras uniões, embora mantenha o tratamento preferencial ao casamento como
forma de constituição da família, não há referencia como fonte da família
legítima. Além disso, foram excluídos os impedimentos de casamento entre o
cônjuge adultero e o seu co-réu e eliminada a possibilidade de anulação do
casamento por defloramento da mulher ignorado pelo marido. A adoção do conceito
de entidade familiar, conforme Venosa (2006, p. 132), possibilitou mais
amplitude ao conceito, aduzindo que o aspecto intervencionista do Estado, em
querer regulamentar a vida das pessoas que “[...] desejam não constituir
casamento, constitui-se na publicização da vida privada”, uma vez que as
instituições que compõem o direito de família são o casamento, a filiação e o
pátrio poder, além dos chamados institutos assistenciais: tutela, curatela e
ausência. Assim, o conceito atual de família abrange toda a convivência mútua,
quer aquela advinda do casamento civil, quer aquela advinda da entidade
familiar, ou seja, pela união estável e pela família monoparental. Em parte as
mudanças ocorridas com a promulgação da Constituição de 1988 e pela edição do
CC/2002, regulamentou a estrutura jurídica da família voltada para a solução de
conflitos familiares de natureza patrimonial, oferecendo ainda a identifica
postura via judicial para solução de conflitos familiares ou civis em geral. Assim
sendo, conforme Lôbo (2012), a família na atualidade está identificada na solidariedade
e na afetividade pelas mudanças ocorridas nos últimos tempos, repersonalizada
com o deslocamento da função econômica, política, religiosa e procracional para
ser convertida no espaço de realização da afetividade humana.
A
FAMÍLIA E AS ENTIDADES FAMILIARES
– Distingue-se na doutrina três principais acepções da palavra família:
amplíssima, ampla e restrita. A significação mais ampla, ou amplíssima da
família envolve o conjunto de pessoas ligadas pelo vinculo da consangüinidade,
que se ligam, assim, a um mesmo tronco ancestral, descendendo umas das outras
(Gomes, 1984). Em sentido amplo, família vem a dizer o grupo de pessoas,
compreendendo o casal, parentes e até estranhos, como os serviçais, mas que
vivam todos sob o mesmo teto, no mesmo lar (Gomes, 1984). Na acepção restrita,
família significa os cônjuges e sua prole (Gomes, 1984). Numa abordagem,
observa-se que do conceito unívoco de família do início do século passado, que
a identificava exclusivamente pela existência do casamento, chegou-se às mais
diversas estruturas relacionais, o que levou ao surgimento de novas expressões,
como "entidade familiar", "união estável", "família
monoparental", "desbioligização", "reprodução
assistida", "concepção homóloga", "heteróloga",
"homoafetividade", "filiação socioafetiva", dentre outras,
o que leva, então, a adequar a linguagem às mudanças nas conformações sociais,
que decorreram da evolução da sociedade e da redefinição do conceito de
moralidade, bem como dos avanços da engenharia genética. Essas alterações
acabaram por redefinir a família, que passou a ter um espectro multifacetário,
notadamente assimilados com a vigência da Carta Magna em vigência (Diniz, 2002;
Pereira, 2002a; Welter, 2003). Com o advento da promulgação da Constituição
Federal de 1988, a família passou a ter um novo conceito, consagrado, então, no
Código Civil vigente, que trouxe significativas mudanças que procuram refletir
a evolução da família e o seu estágio atual, bem como procurou traduzir a
absorção deste novo paradigma pela sociedade. A mudança da sociedade e a
evolução dos costumes levaram a uma a verdadeira reconfiguração, quer da
conjugalidade, quer da parentalidade. A partir disso, situações como
assinaladas antes por ilegítima, espúria, adulterina, informal ou impura perderam
vigência para numa outra esfera jurídica, passar a considerar as referências às
relações afetivas ou vínculos de parentesco, num outro significado no que tange
ao reconhecimento de filhos (Diniz, 2002). Tudo isso leva, portanto, para o
fato de que o que identifica a família não é nem a celebração do casamento, nem
a diferença de sexo do par ou o envolvimento de caráter sexual. O elemento
distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a
identificação de um vínculo afetivo, a unir as pessoas, gerando comprometimento
mútuo, solidariedade, identidade de projetos de vida e propósitos comuns
(Barbosa, 1994; Correa, 1999; Welter, 2003). É com o conceito de união estável,
retratado no art. 1.723 do novo Código Civil, que corresponde a uma entidade
familiar entre homem e mulher, exercida contínua e publicamente, semelhante ao
casamento. Na verdade, ela nasce do afeto entre os companheiros, sem prazo
certo para existir ou terminar. Porém, a convivência pública não explicita a
união familiar, mas somente leva ao conhecimento de todos, já que o casal vive
com relacionamento social, apresentando-se como marido e mulher (Diniz, 2002;
Crispino, 2000). A nova conceituação de família, então, está em sintonia com os
princípios modernos que regem o atual Paradigma do Direito de Família: O
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da Igualdade entre Mulher
e Homem, que buscando acompanhar a evolução da família e o novo papel da mulher
na sociedade e têm provocado uma redefinição das funções paternas,
principalmente quanto ao exercício do poder familiar (Welter, 2003). O
alargamento do conceito de família nas decisões jurisprudenciais incluindo as
parcerias homossexuais estende a elas a possibilidade de nomear patrimônio para
evitar a penhora por dívidas, bem como autoriza a invocar os benefícios da Lei
8009/90. Por conclusão, convém entender que o instituto familiar e por
conseqüência o próprio Direito de Família são objeto de mutações intrínsecas
ditadas por fatores exógenos em constante transformação, tais como contexto
social, cultural, moral, religioso e econômico. A família contemporânea, como
instituição, afigura-se como um conjunto de pessoas que se vinculam pelo
casamento, pelo companheirismo, pelos parentescos biológico e socioafetivo.
A PATERNIDADE BIOLOGICA E A MATERNIDADE
SOCIOAFETIVA - Como
decorrência da reformulação do conceito jurídico da família, verifica-se no
reconhecimento constitucional da monoparentalidade e do companheirismo a
adequação do ordenamento jurídico à realidade social e cultural. Com isso, a
família é antes de mais nada uma realidade, um fato natural, uma criação da
natureza. Trata-se de um conjunto de pessoas que se vinculam pelo matrimônio,
pelo companheirismo, pela filiação biológica e pela filiação socioafetiva. O
termo família, assim, apresenta pluralidade de conceituação, diante da
abordagem do tema, que abrange várias ciências humanas e, no universo jurídico,
não se limita ao âmbito do Direito Civil, já que vários ramos do Direito
regulam aspectos relacionados à família (Gama, 1998). A preocupação dos Estados
com a preservação da família e da sociedade justifica-se pela relação bastante
próxima e completa destas, até porque a desagregação da família importa o
desaparecimento da sociedade. A Declaração Universal dos Direitos do Homem
reconheceu o estreito vínculo entre elas, estatuindo que: A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à
proteção da sociedade e do Estado. Desde 1934, os textos constitucionais
brasileiros vêm-se preocupando com a família, sem nunca a definirem, somente
reconhecendo o casamento como instituto formador e legitimador da família,
constituída pela união de um homem e de uma mulher. Na história das
Constituições brasileiras, aponta-se o texto constitucional de 1934 como sendo
o primeiro que expressamente fez referência à família. Em seu art. 144, a
família era constituída pelo casamento indissolúvel, observando a orientação do
Direito Canônico acerca do princípio da indissolubilidade do vínculo conjugal,
além de gozar da proteção especial do Estado. No mesmo texto, ficou assentado
que também eram admitidos efeitos jurídicos ao casamento religioso, caso fossem
adotadas certas formalidades, com a posterior inscrição do casamento no
Registro Civil. Com o advento da Constituição Federal de 1988 — um marco na evolução
do ordenamento jurídico em matéria de família —, o estigma do companheirismo
deixou de existir. No campo constitucional, vários princípios e regras sobre as
relações familiares foram adotados, alterando, substancialmente, a ordem
jurídico-familiar no Brasil. Com isso, podem ser citados os avanços no tocante
à igualdade entre os cônjuges — no que tange aos direitos e deveres recíprocos
nas relações conjugais —, e equiparação de qualificação de todos os filhos,
independentemente de origem, reconhecendo tratamento igualitário para todos
(Vilela, 1994). Com relação à conversão da união estável em casamento, o
preceito constitucional é norma de eficácia limitada de princípio institutivo.
Nesse diapasão, entende-se que toda norma jurídica editada após o advento da
Constituição de 1988 que pretenda impedir a conversão do companheirismo em
casamento deve ser considerada e efetivamente declarada inconstitucional.
Assim, se afigura que se a lei que cuide da conversão vier a exigir
providências mais rigorosas comparativamente à própria celebração do casamento,
evidentemente será inconstitucional. A mens da norma constitucional é,
portanto, de estimular a conversão do companheirismo em casamento, razão pela
qual a lei infraconstitucional deverá facilitar a conversão, e não dificultá-la
(Pereira, 2002). Evidentemente, como já referido, não houve equiparação
constitucional do companheirismo à união matrimonial. Do contrário,
completamente despicienda seria a cláusula final do art. 226, § 3º, que prevê a
conversão da “união estável” em casamento (Crispino, 2000). Numa análise
comparativa entre o art. 226, da Constituição de 1988, e o art. 175, da Emenda
Constitucional de 1969, observa-se uma importante distinção: Enquanto o art.
175, caput, da Carta revogada, previa “a família constituída pelo casamento”
para efeito de proteção estatal, o art. 226, caput, da atual Constituição, se
refere apenas à família como base da sociedade, gozando de especial proteção do
Estado, deixando de vinculá-la exclusivamente ao casamento. A diferença é
sintomática e, certamente, não foi o acaso que conduziu a Assembléia
Constituinte a elaborar, aprovar e promulgar o texto atual com diferenças tão
marcantes (Martins, 2000). A circunstância da Constituição de 1988 haver
reconhecido o companheirismo como uma espécie de família, merecedora de
proteção estatal, não enfraquece o instituto do casamento (Martins, 2000). O
próprio texto constitucional deixa isso claro, ao prever, no § 3º, do artigo
226, que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento, numa
demonstração inequívoca de que a união interpessoal mais importante
constitucionalmente é aquela constituída por meio do casamento. Essa
circunstância representa um marco histórico na sociedade brasileira
contemporânea em matéria de uniões informais. Realmente, a união estável, como
espécie de família, já era realidade sociológica, antes mesmo do seu
reconhecimento constitucional. Isso porque o fenômeno da repersonalização ou
despatrimonialização do Direito impõe um redimensionamento das relações
familiares no sentido de preservar e desenvolver, prioritariamente, aspectos
desprovidos de conteúdo econômico e que, não obstante inerentes à essência
mesma das relações familiares, restaram, sob a égide do patrimonialismo
exacerbado do Código Civil de 1916, relegados a segundo plano nas lides que
transitavam pelos tribunais (Gama, 1998; Martins, 2000). Nesse panorama,
insere-se a questão do companheirismo, já reconhecido pelos tribunais nas
hipóteses de sociedade de fato, conjugação de esforços em prol de um objetivo
comum, transborda do mero patrimonialismo. A Constituição Federal, a esse
respeito, foi coerente ao reconhecer a "união estável" como uma
espécie de família no seu art. 226, § 3º, outorgando-lhe, nessa qualidade, o ensejo
da tutela estatal. Importou, conseqüentemente, o reconhecimento da família não
derivada de casamento civil ou casamento religioso com efeitos civis. Na
exegese do art. 226, § 3º, da Carta Magna de 1988, três aspectos exsurgem no
que tange à união estável: a eficácia plena do dispositivo constitucional no
tocante à proteção que o Poder Público deve dar à família, inclusive àquela
fundada no companheirismo; a conversão da união estável em casamento,
tratando-se de norma de eficácia limitada de princípio institutivo, pois
depende de regulamentação infraconstitucional para que possa operar efeitos
jurídicos; e a necessidade de legislação infraconstitucional regulamentadora
também no tocante às relações internas e diretas envolvendo os companheiros. Um
tema intimamente relacionado a essa interpretação constitucional diz respeito à
possibilidade de equiparação entre a família constituída pelo companheirismo e
a família constituída pelo casamento, para efeito de incidência do Direito
Penal. Este, como se sabe, trata também de aspectos descriminalizantes ou
benéficos relacionados à família em dispositivos esparsos (Vilela, 1994). A
primeira importante alteração efetivada pelo novo Código foi a substituição do
próprio título do Capítulo II, que antes tratava Da Filiação Legítima, e agora,
mais abrangente, trata simplesmente Da Filiação. Tal alteração reflete a
determinação constitucional, descrita no art. 227, § 6º., de se afastar
qualquer designação discriminatória relativa à filiação (Martins, 2000). O
primeiro dispositivo deste Capítulo, no caso o art. 1.596, reproduz justamente
o citado texto constitucional. Acresceu o CC/2002 mais hipóteses de presunção
de concepção. Diz o art. 1.597 que também se presumem concebidos na constância
do casamento (presumindo-se, por interpretação, filhos do marido da mãe) os
filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido,
os filhos havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga, e os filhos
havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido. Procura o novo Código dar expresso tratamento ao
problema dos conflitos de presunções, matéria omissa no Código de 1916. Ocorre
conflito de presunções de paternidade quando um filho tem, presumidamente pela
lei, mais de um pai. Isto se dá especialmente nos casos em que a mulher se casa
novamente logo após enviuvar, em infração ao impedimento do art. 183, inc. XIV,
do Código Beviláqua (art. 1.523, inc. II, do novo Código). Diz o art. 1.598 do
novo Codex que: (...) salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o
prazo previsto no inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e
lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos
trezentos dias a contar da data do falecimento deste; do segundo, se o
nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o
inciso I do art. 1597. A solução da lei em caso de conflito, portanto, é
presumir a paternidade do primeiro marido, sempre, com a ressalva da
possibilidade de se provar em contrário. Outra novidade da nova lei é admitir a
impotência generandi como causa para ilidir a presunção de paternidade.
No sistema antigo, o art. 342 dava a entender que só a impotência coeundi
era causa para a contestação de paternidade; agora o art. 1.599 é expresso em
permitir a prova da impotência do cônjuge para gerar. No mais, manteve o novo
Código as linhas gerais de tratamento da matéria: a insuficiência do adultério
(art. 1.600) e da confissão (art. 1.602) para a exclusão da paternidade; a
determinação da prova da filiação pela certidão de nascimento (art. 1.603), que
só pode ser excluída provando-se erro ou falsidade do registro (art. 1.604),
suprindo-se-a por qualquer meio em caso de falta ou defeito do assento de
nascimento (art. 1.605); e a atribuição exclusiva ao filho para a ação de prova
de filiação (art. 1.606). Em matéria de filiação, o direito sempre se valeu de
presunções, pela natural dificuldade em se atribuir a paternidade ou
maternidade a alguém, ou então de óbices fundados em preconceitos históricos
decorrentes da hegemonia da família patriarcal e matrimonializada. Assim,
chegaram: a presunção pater is est quem nuptia demonstrant, impedindo
que se discuta a origem da filiação se o marido da mãe não a negar em curto
prazo preclusivo; a presunção mater semper certa est, impedindo a
investigação de maternidade contra mulher casada; a presunção de paternidade
atribuída ao que teve relações sexuais com a mãe, no período da concepção; a
presunção de exceptio plurium concumbentium que se opõe à presunção
anterior; e a presunção de paternidade, para os filhos concebidos 180
dias antes do casamento e 300 dias após a dissolução da sociedade conjugal,
entre outros. Especial destaque merece a presunção pater is est,
principalmente pelo fato de persistir dúvida quanto à sua permanência, após a
Constituição de 1988. A presunção pater is est não resolve o problema
mais comum que é o da atribuição de paternidade, quando não houve nem há
coabitação. A presunção fazia sentido quando a filiação biológica era
determinante, no modelo patriarcal de família, que exigia certeza e segurança
para sucessão dos bens e não se admitiam outras entidades familiares fora do
matrimônio. Os laços de afeto que se constróem entre pais e filhos não dependem
de imposição da natureza (origem biológica) ou de imposição da lei. Por outro
lado, e por sua própria natureza, a presunção parte da exigência da fidelidade
da mulher, pois a do marido não é necessária para que ocorra, circunstância que
a incompatibiliza com o § 5º do artigo 226 da Constituição, para o qual "os
direitos e deveres referente à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher". Os tribunais, fundados nos princípios constitucionais
e no artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente ("O
reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, podendo ser exercido contra os pais ou seus herdeiros, sem
qualquer restrição, observado o segredo de justiça".), têm entendido
que os filhos podem, a qualquer tempo, pleitear a paternidade que imputam a
alguém, não prevalecendo a presunção pater is est nem o registro público
do nascimento (Martins, 2000). Do mesmo modo, fazer coincidir a filiação com a
origem genética é transformar aquela, de fato cultural em determinismo
biológico, o que não contempla suas dimensões existenciais, podendo ser a
solução pior. Com a evolução das ciências biogenéticas, outras presunções
surgiram, tais como a que confere pretensa certeza de filiação ao resultado de
exame de DNA e a que considera confissão ficta a recusa em a ele submeter-se. A
presunção de confissão ficta é agressora do princípio da dignidade humana e do
direito de personalidade (intimidade, integridade física), podendo ser injusta
e geradora de incertezas (Martins, 2000). O modelo tradicional e o modelo
científico partem de um equívoco de base: a família atual não é mais,
exclusivamente, a biológica. A origem biológica era indispensável à família patriarcal,
para cumprir suas funções tradicionais. Contudo, o modelo patriarcal
desapareceu nas relações sociais brasileiras, após a urbanização crescente e a
emancipação feminina, na segunda metade deste século. No âmbito jurídico,
encerrou definitivamente seu ciclo após o advento da Constituição de 1988
(Gama, 1998; Vilela, 1994). O modelo científico é inadequado, pois a certeza
absoluta da origem genética não é suficiente para fundamentar a filiação, uma
vez que outros são os valores que passaram a dominar esse campo das relações
humanas. Os desenvolvimentos científicos, que tendem a um grau elevadíssimo de
certeza da origem genética, pouco contribuem para clarear a relação entre pais
e filho, pois a imputação da paternidade biológica não substitui a convivência,
a construção permanente dos laços afetivos. O biodireito depara-se com as
conseqüências da dação anônima de sêmen humano ou de material genético
feminino. Nenhuma legislação até agora editada, nenhuma conclusão da bioética,
apontam para atribuir a paternidade ao dador anônimo de sêmen. Por outro lado,
a inseminação artificial heteróloga não tende a questionar a paternidade e a
maternidade dos que a utilizaram, com material genético de terceiros. Situações
como essas demonstram que a filiação biológica não é mais determinante,
impondo-se profundas transformações na legislação infraconstitucional e no
afazer dos aplicadores do direito, ainda fascinados com as maravilhas das
descobertas científicas. Em suma, a identidade genética não se confunde com a identidade
da filiação, tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano
constrói entre a liberdade e o desejo. Por outro lado, observa-se que a família
patriarcal perpassou a história deste país e marcou, profundamente, a formação
do homem brasileiro. Suas funções mais evidentes eram econômico-patrimoniais,
políticas, procracionais e religiosas. A função de realização da comunidade
afetiva, que passou a ser determinante ao final do Século XX, era secundária. A
filiação biológica, desde que originada na família matrimonializada, era
imprescindível para o cumprimento dessas funções e papéis, notadamente de
preservação da unidade patrimonial. A família, tendo desaparecido suas funções
tradicionais, no mundo do ter liberal burguês, reencontrou-se no fundamento da
afetividade, na comunhão de afeto, pouco importando o modelo que adote,
inclusive o que se constitui entre um pai ou mãe e seus filhos. A comunhão de
afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado, que a experiência
constitucional brasileira consagrou, de 1824 até 1988. A afetividade, cuidada
inicialmente pelos cientistas sociais, pelos educadores, pelos psicólogos, como
objeto de suas ciências, entrou nas cogitações dos juristas, que buscam
explicar as relações familiares contemporâneas. O princípio da efetividade tem
fundamento constitucional; não é petição de princípio, nem fato exclusivamente
sociológico ou psicológico. No que respeita aos filhos, a evolução dos valores
da civilização ocidental levou à progressiva superação dos fatores de
discriminação, entre eles. Projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a
afirmação da natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos
laços de afetividade (Martins, 2000). Encontra-se na Constituição Federal
brasileira três fundamentos essenciais do princípio da afetividade,
constitutivos dessa aguda evolução social da família, máxime durante as últimas
décadas do Século XX: todos os filhos são iguais, independentemente de sua
origem (art. 227, § 6º); a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente
ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a
mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º). A
filiação biológica que era nitidamente recortada entre filhos legítimos e
ilegítimos, a demonstrar que a origem genética nunca foi, rigorosamente, a
essência das relações familiares. A Constituição não tutela apenas a família
matrimonializada e não estabelece mais distinção entre filhos biológicos e
adotivos. As pessoas que se unem em comunhão de afeto, não podendo ou não
querendo ter filhos, é família protegida pela Constituição. A igualdade entre
filhos biológicos e adotivos implodiu o fundamento da filiação na origem
genética. A concepção de família, a partir de um único pai ou mãe e seus
filhos, eleva-os à mesma dignidade da família matrimonializada. O que há de
comum nessa concepção plural de família e filiação é a relação entre eles
fundada no afeto (Martins, 2000). O princípio da efetividade, assentado nesse
tripé normativo, especializa, no campo das relações familiares, o
macroprincípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição
Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete o ordenamento
jurídico nacional (Martins, 2000; Pereira, 2002). A dignidade humana é aquilo
que é essencialmente comum a todas as pessoas, impondo-se um dever de respeito
e intocabilidade, inclusive em face do Poder Público. Impõe-se a distinção
entre origem biológica e paternidade/maternidade. Em outros termos, a filiação
não é um determinismo biológico, ainda que seja da natureza humana o impulso à
procriação. Na maioria dos casos, a filiação deriva-se da relação biológica;
todavia, ela emerge da construção cultural e afetiva permanente, que se faz na
convivência e na responsabilidade (Crispino, 2002; Gama, 1998; Vilela, 1994).
No estágio atual há de se distinguir o direito de personalidade ao conhecimento
da origem genética, com esta dimensão, e o direito à filiação e à
paternidade/maternidade, nem sempre genético. Assim, entende-se que o afeto não
é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da
convivência e não do sangue. A história do direito à filiação confunde-se com o
destino do patrimônio familiar, visceralmente ligado à consangüinidade
legítima. O desafio que se coloca aos juristas, principalmente aos que lidam
com o direito de família, é a capacidade de ver as pessoas em toda sua dimensão
ontológica, a ela subordinando as considerações de caráter biológico ou
patrimonial. Impõe-se a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais
que apenas titulares de bens. A restauração da primazia da pessoa humana, nas
relações civis, é a condição primeira de adequação do direito à realidade e aos
fundamentos constitucionais (Martins, 2000). A família recuperou a função que,
por certo, esteve nas suas origens mais remotas: a de grupo unido por desejos e
laços afetivos, em comunhão de vida. O princípio jurídico da afetividade faz
despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus
direitos fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca, que
não pode ser perturbada pelo prevalecimento de interesses patrimoniais. É o
salto, à frente, da pessoa humana nas relações familiares.
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