quarta-feira, junho 09, 2021

LEWIS CARROLL, MARY LOU WILLIAMS, VIRGINIA LEAL & ESPELHO DANÇA.

 

 

TRIPTICO DQP – Do nada e outras... - Ao som do performático show de cabaré da lendária compositora, pianista e arranjadora estadunidense de jazz Mary Lou Williams (1910-1981), no Les Mouches em Nova York, 1978. - Ao deparar com o espelho: nem eu nem nada. Pelo menos, não tive que passar pela experiência de ter que dar de cara com um general obtuso, nem um ladrão sorrateiro, muito menos a morte inexorável. Graças! Ainda me pergunto como é que tudo isso foi acontecer justo comigo, logo comigo! Uma coisa estava certa: ou havia me tornado invisível de vez, ou seria um vampiro das costelas ocas. Só sendo. Essa a constatação. Até brinquei cantarolando: Espelho, espelho meu, afinal de contas, o que serei eu? Um delírio ou uma assombração, hehehehe. Vamos nessa. E ao chegar à sala, esta não era a minha: três vultos sentados num sofá que não era o meu. Fui ver quem. Ah, qual não foi a minha surpresa! O primeiro a se virar para mim foi Machado de Assis que logo me falou: A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito. Hem? O outro logo interveio, era Guimarães Rosa: Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo. Mal ele terminou de me dizer, logo apareceu Sacha Guitry que foi contando a história de um senhor que, ao sair às compras, virou-se da porta e perguntou à esposa o que ela queria que trouxesse: um pente. Este o pedido. No mercado, ele não se lembrava do pedido dela e adquiriu um espelho. Como ela nunca tinha visto aquilo, ao abri-lo, teve uma surpresa: pensou consigo que o marido havia comprado outra mulher. Com esta constatação, levou o objeto para mãe que também nunca tinha visto um troço daquele. Vôte! E ao fitá-lo, olhou, olhou, olhou, virou de ponta à cabeça, fez careta e... como mãe é mãe (né?): é sábia. Coisa mais sem pé nem juízo, ora. Como é? Bem, diante do trio fiquei sem saber o que fazer. O que sei é que aquela não era a minha sala de estar; era, soube por eles depois, a do deão do Christ Church College, que possuía um grande espelho sobre uma enorme chaminé. Teria eu, conforme as instruções que me foram dadas pelos visitantes, que subir o console da lareira, livrando-me dos vasos de flores secas protegidos por redomas vitorianas, e ao alcançá-lo, consequentemente, ultrapassá-lo para saber onde é que ia dar. Como é que pode uma coisa desta, hem? A minha longa jornada pelo espelho.

 


Dois sustos no imprevisível... - Ao atravessar o espelho, ele se dissolveu como uma bruma prateada. Estava diante de mim, ninguém mais nem menos que Lewis Carroll que, por recepção, foi logo me saudando amável e enigmaticamente: A única forma de chegar ao impossível, é acreditar que é possível. Nem deu para notar direito a ponta de sarcasmo que havia no seu jeito e fui imediatamente acompanhado de uma admoestação para que eu não me espantasse, explicando que ali era a entrada para o país do Espelho (!?!), o qual, quando visto, torna-se impossível descrever o cenário com precisão. Hum? Sim, realmente, impossível ter qualquer noção em um lugar em que foram abolidos tanto o movimento no espaço como a passagem do tempo: a prova tangível da refutação do espaço de Zenão. Eita! Além do mais, ali o tempo de cada um é diferente do tempo de todos: o tempo tanto corre para frente, como para trás. Vôte! Endoidou tudo! Assim, eu podia parar o meu tempo à vontade, independente do tempo do outro e nenhum prejuízo para ninguém. Então o que eu vi e senti não deu para contar, apenas vi e senti sim, nada mais. Coisa de doido, né? Pois é.

 


Três solfejos e nenhuma canção... - Já tive oportunidade de aqui publicar poemas de Virginia Leal: a cada leitura de seus cometimentos poéticos, um prazer indescritível, uma emoção inenarrável: e isso muito me apetece. Tanto é que virei assíduo apreciador de suas postagens e, a cada uma delas, lá estou eu como devotado admirador. Prova disso é que aqui já publiquei de sua autoria o Lascivus – da série Nauta Libidinosos –, afora outros dos seus poemas. Até comecei a musicar um deles e, mal começava a descobrir canções em seus versos, logo outro aparecia e lá ia eu solfejando melodias intermináveis. Cheguei a selecionar uns dez ou doze poemas dela, já definindo a linha melódica para cada um deles e procurando superar minhas limitações musicais para alcançar a grandeza do que expressavam. Fiz, refiz, me enganchei, desenganchando e recomeçando, quem sabe, de repente, eu consiga fazer uma música à altura dos seus poemas, espero, vamos ver. Mas o que quero falar aqui não é a respeito dessas minhas tentativas recorrentes e sim de um conto dela que foi responsável pela potencialização da admiração: o A bailarina, a atriz e a canção, extraído da antologia Contos de oficina – Oficina de Criação Literária (Bagaço, 2004), organizada por Raimundo Carrero, do qual pinço o trecho: [...] O artista esculpiu a sensibilidade da menina, antes enredada pela teia do drama que a fez ameaça, ovelha negra, problema. A menina-atriz ressurgida resgatou as histórias perdidas. Agora, havia interessados em suas verdades. Descobriu que é possível fazer do trabalho diversão. Sentiu-se de volta aos brinquedos infantis, enquanto seu corpo febril descobria outros prazeres. O tempo a lapidar cumplicidade, compreensão. [...]. Pois bem, mesmo que minha teimosia em musicar seus poemas não vingue por minha completa incompetência de alcançar a grandeza de sua arte, pelo menos, vou tentando e mais me deliciando com sua maravilhosa expressão. Até mais ver.

 

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