terça-feira, junho 22, 2021

ANNE MORROW LINDBERGH, NORBERT ELIAS, EMMANUELLE SEIGNER, ZÉ DO CARMO, CÂMARA DE ESPELHOS & CATENDE

 

 

TRÍPTICO DQP –- Uma vez mais vou danado de novo pra Catende... - Ao som de Vou danado pra Catende, no álbum Molhado de suor (Som Livre, 1974), de Alceu Valença - Ao travesseiro, bastou-me deitar a cabeça e lá estava eu nas paradisíacas paragens da Serra da Prata, aquela mesma que me deu a ideia do Bacuna pra me levar de novo danado pra Catende, nos versos de Ascenso pelo açude de Santa Rita, até a bica de Monte Alegre. De lá passar pelo casarão de Curupaiti no Roçadinho, depois a casa grande Tabaiaré, chegar nas águas dos rios Panelas ou Pirangi, timbungar o dia todo e comer uma pituzada na festa de Santana pra poder participar do concurso de Batida, Licores e Doces, ao som da pipocada estrondosa dos bacamarteiros de Miguel do Pirajá, lá na frente do Tiro de Guerra. Não era pouco, se eu caia solto, lá vinha o bumba-meu-boi do Matadouro, enquanto ouvia dos alto-falantes da Voz de Catende a sessão que ia passar no cinema Diamante. Enquanto isso, eu me maravilhava com as talhas de Zé Fernandes, a arte de Nelson José e Gabriel, a pintura de Jether Peixoto, Socó, Adgerton e José Adir; ao som da música de Tarcisio Accioli, Deo do Baião, Marcelo Montenegro e Zé Ripe. Era como se eu vivesse inteirinho nas páginas do romance Outro sol se levanta (Autor, 2007), do escritor Pelópidas Soares: As pessoas pelas calçadas, portas e janelas, achavam graça dos bêbados... A inveja e os delatores estão em toda a parte... E eu escapando ou saindo da estação para frevar no meio dos blocos da Filopança, Ferro e Fogo puxado pela Maria Fumaça, ou na Mulher da Sombrinha do saudoso amigo Marcos Catende, que me foi trazido à memória com os versos do poema recolhido do romance de Carlos Gaiza: Na calçada da igreja / fica ela a esperar / um homem da usina / que por lá vai passar... Eu não era da usina, mas era doido pra me travar com ela no meio dos versos de Bartyra, como quem recitasse nos braços da mulher amada dali, e despertar agoniado porque não passava de sonho e fizesse minhas as palavras do trecho de Mel de engenho, de Luiz Maia, extraído da obra Memória histórica de Catende (Autor, 2014), de Eduardo Menezes: Hoje, distante daqueles faustos e áureos anos sessenta, mais que nunca a saudade daquela cidade e de sua gente me faz morada, deixando-me uma dor no peito por saber que nada daquilo, absolutamente nada, mais existe... Pois é, eu escapulia dos sonhos para mandar ver na vida.

 


Dois pinotes diante do espelho... - Agoniado, levantei-me às pressas e nem deu tempo saber que horas seriam ou onde é que eu estava, porque era Déa Ferraz, câmara e luzes e ação, numa rua do Recife, a me perguntar a respeito das mulheres na Câmara de Espelhos. Vôte! Como é que pode, hem? Sabia lá como responder porque fui pego de surpresa. Além do mais, apareceu de repente Emmanuelle Seigner que me sorriu e disse: Tudo na vida, bom ou bom, faz você mudar e crescer - felizmente, porque se não mudasse, seríamos máquinas. Coisas muito piores acontecem às pessoas: câncer, doença, elas perdem um filho. Você pode encontrar uma força inesperada ou pode desmoronar. Eu não sou do tipo que desmorona. Nem eu que perdi meu filho e a vida me levou passarinho até agora sem saber o que fazer de tudo que vivi. Mas a estonteante lindeza dela me dava outro fôlego, aquele que jamais tivera. Estava embevecido, ela ali e mais seria, não fosse a intervenção de Anne Morrow Lindbergh: Se você se render completamente aos momentos que passam, enriquece a sua vida. Pessoas demais, requisitos demais, muito a fazer; pessoas competentes, ocupadas, apressadas - isso não é viver. Só o amor pode ser dividido infinitamente e ainda assim não diminuir. Sim, mas eu nunca caí, ou fiz que não, levei o tombo como se fosse empurrão e assim era porque o tanto era só viver. Aliás, cá comigo: quem me salva do espelho, eu não sei.

 


Três anjos cangaceiros...- Se não estava no céu, era perto: de primeira parecia bonecos de barro. Mas, não. E se eram anjos, não sei o que mais seriam. Na verdae, eram como se fossem. Foi aí que dei de cara com o Mestre Zé do Carmo (José do Carmo Souza – 1933-2019), que mangava de mim por ser mais um a ignorar os seus anjos cangaceiros. Aí ele me contou que Dom Hélder havia encomendado uma imagem do papa e ele prontamente atendeu; contudo, sua arte não foi aparovada pela autoridade eclesiástica: onde já se viu um papa com cara de cangaceiro? Caímos na gaitada, hehehehehe. Enquanto estourávamos de rir, apareceu Norbert Elias apareceu que me deu um toque esclarecedor: O crescente tabu da civilização em relação à expressão de sentimentos espontâneos e fortes trava suas línguas e mãos. E os viventes podem, de maneira semiconsciente, sentir que a morte é contagiosa e ameaçadora; afastam-se involuntariamente dos moribundos. Mas, para os íntimos que se vão, um gesto de afeição é talvez a maior ajuda, ao lado do alívio da dor física, que os que ficam podem proporcionar. Fiquei sério na hora, queria entender. Mas o quê? Ele também se ria e eu fui na dele. Afinal, de sério mesmo quero distância. Até mais ver.

 

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