segunda-feira, julho 14, 2025

SAMANTA SCHWEBLIN, NANCY FRASER, PAULA ESPAÑA & PINTANDO NAS PRAÇAS DE PERNAMBUCO

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som de Monte A (2006), Without Sinking (Touch, 2009), Leyfðu Ljósinu (Touch, 2012) e Saman (Touch, 2014), da musicista, violoncelista e compositira islandesa Hildur Guðnadóttir (Hildur Ingveldar Guðnadóttir).

 

O que de pai, amigos, vida, a mulher... - Zeladim sempre foi um cara de sorte! Desde a mais tenra idade brincava com fogo aprontando das suas, escapando dos flagras às sonsas escapulidas. Pudera, o pai era um tanto prestigiado, o que lhe valia alguns privilégios dos compadrios às regalias vantajosas. Isso sem contar a proteção dum amigo do peito à toda prova, que o acudia sem pestanejar! Eis que, no mais que de repente, o pai teve um piripaque e, vitimado por um sopapo cardíaco, bateu as botas. E mal caíra a ficha do luto, o inseparável amigo se esborrachou todo numa barruada feia no trânsito. Danou-se tudo agora! Foi então que viu a sua estrela na testa escorregando e amoitando-se noutro lugar pouco recomendável. E agora? Lá ia ele triste, chutando lata, mãos nos bolsos, sem perspectiva. Dava de bico do pé na vida ingrata quando, aos pontapés nas tranqueiras espalhadas pelo chão, um bregueço saiu colorindo no meio duma fumaça azulada que o envolveu todo. Vixe! Arregalou os olhos e se viu diante de um gênio holográfico apressado e pronto pra atender seus 3 pedidos. Hem? Bora, logo! O quê? Vai, pede logo. E nessa lengalenga recusou todos: Quero tudo! Como? Tuuuuudo! O djinn cerrou o cenho, fechou a cara, esbravejou, olhou dos lados, coçou o cocuruto e teve uma ideia: Toma! Entregou-lhe então um estojo empoeirado, parecia coisa do arco da velha. Isso é tudo? Toma, porra! Recuou: Que droga é 9? Pegue! Ah, não! Aí o abantesma explicou: Vai, pega logo: é como se fosse um cachorro portátil. Cachorro? Ué, não é o melhor amigo do homem e, ainda por cima, esse não late, não lambe, não balança o rabo e é a última tecnologia inventada, é só controlar qualquer função, um dispositivo de operação à distância, dê graças ao Nikola Tesla. Oxe, cadê! Ah, tenho mais o que fazer! E num estalo de dedos foi-se deixando-o desesperado. Aí Zeladim segurou as pontas, conteve-se e ficou conferindo direitinho: era um troço imprestável, cheio duns pitocos embutidos. Isso é uma porqueira! Apertou, experimentou, fincou o dedo no negócio e, do nada, apareceu uma tevê gigante! Tudo pelo telecomando! Hummmm... Foi gostando: tinha tudo que quisesse, bastava apertar e escolher. Mesmo? Fez o teste e saiu encarcando o polegar no brebote, metendo o dedo pra cima e as coisas aparecendo e logo se transformavam ao seu redor: comida pra encher a pança, bebida pra molhar o bico, até um foguetáxi pra ir pronde quisesse. Foi gostando: Eita! Num sou Aladim, mas tenho a verdadeira lâmpada maravilhosa! Foi pressionando ali, clicando acolá, viu-se detentor de poderes ilimitados: Vou ser o rei de Magreb. E diante de si todo tipo de cacarecos, bagulhos, bugingangas, trecos, joças, tudo ali ao dispor. Pense num cara espaventoso! Aí viu passar na tela a sua Galateia virtual. É ela! Voltou as imagens, deu pausa, enquadrou, ampliou a imagem da face, depois o corpo inteiro. Hummm... Ah, precisa duma turbinada! E caprichou no engenho: os olhos safados, a cútis de cetim, a boca de grandes lábios, o decote da vizinha – que glamourosos par de seios no decote, meu! -, os quadris da professora – que arte esteatopígica! -, as coxas colossais, o molejo das modelos na passarela. Depois de todo ajeitado, ele chamou na grande: Venha, minha escrava, dá aqui pro papai, vai! Ela saltou fora da tela e ali, diante dele, ao vivo e em cores, fitou com desdém e já ia se virando: Esse seu trono aí é muito frágil pra rainha aqui, viu? Ué, mas fui eu quem inventou você. Hem? Ela com uma olhadela desconfiada já ia saindo, deu-lhe as costas e seguiu, nem aí. Ele não caiu na real e nem deu tempo encará-la direito. Ei! Ei! Eiiiiii! Ela dobrou a esquina e já era. Cadê-la? Solitário resmungava: Logo hoje, merecia meu presente! Moral da história: o melhor do dia do homem é saber que todo dia é dia da mulher. Até mais ver.

 

Octavia Butler: Há um tempo para o silêncio. Um tempo para deixar ir e permitir que as pessoas se lancem em seu próprio destino. E um tempo para se preparar para juntar os cacos quando tudo acabar... Veja mais aqui & aqui.

Espido Freire: Numa época como a atual, em que nossos olhos mal pousam em um tema antes de saltar para outro, mais escandaloso, mais impactante, os livros precisam recuperar seu ritmo lento, a necessidade de transcendência essencial à reflexão e ao aprendizado para dar um mínimo de sentido à sociedade moderna... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

Deborah Colker: Saber gritar e calar, agir e esperar, lutar e aceitar. Superação é inteligência, apropriação, conhecimento, disciplina. Superar é curar!... Veja mais aqui & aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

DESERTO - A paisagem ondulante e antiga, as falhas da terra \ e a história de um mundo entrou em colapso. \ Nunca houve ninguém aqui, por isso não há tragédia nas tuas palavras. \ É por isso que o vento cai. \ no rachinho da sua voz. \ Animais mal desenfreados voam \ com asas de morcego no barro e na rocha. \ Tudo isso não era nada. \ E nada era tudo: cordilheiras, geleiras, fundo de água \ petrificado com o sol. Perseguição da morte \ A vida e vice-versa. Falamos sobre essas coisas e outras \ na intimidade do carro, tão longe da sua boca \ - Há o meu. \ Onde havia amor antes.

POEMA 16 - Na selva, naquela noite \ Ele tomou o suco de uma planta \ mais amargo que vinho e concentrado \ Como medicamento ou veneno \ E depois de beber, eu sabia\ Que fui eu que escalou diante dos meus olhos \ Enquanto outros cantavam \ Era eu. \ Aquele que subiu como um emaranhado \ Pelo tronco de uma árvore \ E fui eu que descia mais tarde. \ E depois subi. \ todos os tempos necessários, isto é, \ Durante o tempo total da minha vida. \ É difícil dizer-lhes. \ O esforço com que abraçou essa crosta \ Colocando as unhas que a esmagaram. \ Minhas garras eram fortes como os gatos. \ Mas quando eu caí eu me tornei luz, e eu reformulei \ Sedoso, no chão. \ Era o início da manhã. \ Quando essa bebida deu o seu efeito \ E eu adormeci. \ Por muitos dias \ As imagens daquela noite \ Eles são deixados no meu coração. \ Eles fizeram isso doce como as pérolas \ que brotam no ramo e se desfazem \ Na boca sagrada da vida \ Depois de cada inverno.

Poemas da escritora, periodista e psicóloga argentina Paula Jiménez España, autora de obras como Ser feliz en Baltimore (2001), Formas, libro y cd (2002), La casa en la avenida (2004), La mala vida (2007), Ni jota (2008), Espacios Naturales (2009) La vuelta (2013) y la plaquete Las cosechadoras de flores (2014), além de Pollera pantalón / Cuentos de género (2012), Aventuras de Eva en el planeta (2005) e La calle de las alegrías (2006), entre outros. No livro La suerte (Caleta Olivia, 2021), ela expressa que: […] Se considerarmos a afinidade entre dissidência e esoterismo, acredito que deste lado, do lado da magia e da poesia, continuamos sendo aqueles que cultivaram uma sensibilidade mais refinada, nascida da experiência da exclusão e da vulnerabilidade. A resistência nos lançou ao deslumbramento. [...]. Trata-se de um livro de revelações com quatorze cartas em que cada poema abraçando o mistério e se tornando oracular, trabalhando com a palavra poética e a memória poética, acrescentando que: [...] Minha obra é caminhar, e eu obedeço, e quem lê sente a própria qualidade da volta do destino e do tempo simultâneo com suas derivas circulares, o alto que é baixo, o dentro que é fora, o passado que é presente e futuro. Sou eu quem lê ou quem é lido? [...].

 

O BEM & O MAL – [...] A loucura assusta você, distrai você, mas é preciso encará-la com cuidado. [...]. Trecho extraído da obra El buen mal (Randon House, 2025), da premiada escritora argentina Samanta Schweblin, que no seu livro Kentukis (Fósforo, 2021) ela expressa que: [...] A inartista. Ninguém, para ninguém, e nunca nada. A resistência a qualquer tipo de concretude. Seu corpo se interpunha entre as coisas, protegendo-a do risco de jamais alcançar qualquer coisa. [...] Regulamentação não tem nada a ver com estabelecer padrões; significa estabelecer regras que funcionem em favor de alguns. [...]. Na sua publicação Fever Dream (Riverhead, 2017) ela expressou: [...] Às vezes, eu me assentei a pensar que os problemas de todos os dias podem ser para mim um pouco mais terrível do que para o resto da gente [...] Há um limite para a quantidade de buscas que você pode fazer. Ou um cavalo está lá ou não. [...]. Veja mais aqui & aqui.

 

CAPITALISMO CANIBAL – [...] Um sistema econômico definido pela propriedade privada, a acumulação de valor “auto” expansivo, a alocação de mercado do excedente social e dos principais insumos para a produção de mercadorias, incluindo trabalho (duplamente) gratuito, é possibilitado por quatro condições de fundo cruciais, relacionadas, respectivamente, à reprodução social, à ecologia da Terra, ao poder político e às infusões contínuas de riqueza expropriada de povos racializados. [...] Ambos os "ex" contribuem para a acumulação, mas o fazem de maneiras diferentes. A exploração transfere valor ao capital sob o disfarce de uma livre troca contratual: em troca do uso de sua força de trabalho, os trabalhadores recebem salários que (supostamente) cobrem seus custos de vida; enquanto o capital se apropria de seu "tempo de trabalho excedente", ele (supostamente) paga pelo menos por seu "tempo de trabalho necessário". Na expropriação, por outro lado, os capitalistas dispensam todas essas sutilezas em favor do confisco bruto dos bens alheios, pelos quais pagam pouco ou nada; ao canalizar mão de obra, terras, minerais e/ou energia confiscados para as operações de suas empresas, reduzem seus custos de produção e aumentam seus lucros. Assim, longe de se excluírem, expropriação e exploração trabalham juntas. Trabalhadores assalariados duplamente livres transformam "matérias-primas" saqueadas em máquinas movidas a fontes de energia confiscadas. Seus salários são mantidos baixos pela disponibilidade de alimentos cultivados em terras roubadas por peões endividados e de bens de consumo produzidos em oficinas clandestinas por "outros" não livres ou dependentes, cujos próprios custos de reprodução não são totalmente remunerados. A expropriação, portanto, fundamenta a exploração e a torna lucrativa. Longe de se limitar aos primórdios do sistema, é uma característica inerente à sociedade capitalista, tão constitutiva e estruturalmente fundamentada quanto a exploração. [...]. Trechos estraídos da obra Cannibal Capitalism: How our System is Devouring Democracy, Care, and the Planet—and What We Can Do About It (Verso Books, 2022), da filósofa estadunidense Nancy Fraser, que no seu livro Feminism for the 99% (Verso, 2019), ela expressa que: […] Um feminismo verdadeiramente antirracista e anti-imperialista também deve ser anticapitalista. [...] A aliança do patriarcado e do capitalismo que quer que sejamos obedientes, submissos e quietos. [...]. Já no livro Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica (Ciências Sociales, 2019), ela comenta que: […] Se quisermos compreender a relativa ausência de crítica ao capitalismo nos últimos anos, devemos também considerar a ascensão espetacular do pensamento pós-estruturalista no final do século XX. Pelo menos no meio acadêmico americano, o pós-estruturalismo tornou-se a "oposição oficial" à filosofia moral e política liberal. E, no entanto, apesar de suas diferenças, esses oponentes manifestos compartilhavam algo fundamental: tanto o liberalismo quanto o pós-estruturalismo eram formas de escapar do problema da economia política e da própria economia social. Foi uma convergência de força extraordinária: um golpe, se preferir. [...]. Por fim, no seu livro The Old is Dying and the New Cannot Be Born: From Progressive Neoliberalism to Trump and Beyond (Verso, 2019), ela conclui que: […] O velho está morrendo e o novo não pode nascer; neste interregno uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

 

PINTANDO NAS PRAÇAS DE PERNAMBUCO

No próximo dia 16 de julho, a partir das 19h, na Biblioteca Fenelon Barreto – Palmares (PE), ocorrerá o lançamento do catálogo Pintando nas praças de Pernambuco, promovido pelo Instituto de Belas Artes Vale do Una (IbaValeUna), coroando a iniciativa do poeta e pintor Paulo Profeta. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

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segunda-feira, julho 07, 2025

DIAGNE MBENGUÉ. SARAH HALL. NATALIA LITVINOVA & MARCELA BARROS

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Standard Stoppages (Cedille, 2025), Montgomery: Rhapsody nº 1 (Rubicon, 2024), Contemporary American Composers (CSO Resound, 2023), Songs for Our Times (Deutsche Grammophon, 2023), Bach / Gould Project (Azica, 2015) e Strum: Music for Strings (Azica, 2015), da violinista, compositora, musicista de câmara e educadora musical estadunidense Jessie Montgomery.

 

Jogral do Quinteto Normótico Neuroticida... - Sabe aquela do como é que é mesmo? Sonsonildo repentinamente adentrou no recinto laboral e de supetão sapecou seu escrutínio como uma cusparada provocadora: - O ser humano é a desgraça da humanidade! Disse e esperou o rastilho dos pipocos aos estilhaços, pronto pro escarcéu. Logo ele um impulsivo peidão hipocondríaco, que arrastava uma mala como se fosse uma farmácia ambulante, com sua imaginária autodiagnosticada doença grave e rara, um abjeto TOC de amolegar seu pênis e depois levar os dedos às ventas para conferir o teor da catinga, e sempre assombrado aos reclamos com o menor zunido de moscas, mosquitos, muriçocas, pernilongo ou inseto que fosse, entre os asquerosos tratados por contagiosos e capaz de acamá-lo até a sepultura! Diante dele, a primeira a dar conta do vitupério e pronta pro bateu-levou, foi a Aviduslina, ressuscitando de suas prolepses como se emergisse avexada assim do nada a dar o seu veredicto: - Taí, dessa vez concordo com você! E se riu com seu ar de arroz de festa, logo empanturrando-se com dois pacotes de salgadinhos e esquecendo por um instante sua guerra contra o relógio. Ao lado dela, o Prostracildo parecia acordar-se do marasmo de sua apatia, pelo sinal milagrosamente alentador que o tirou de sua suicida vida depressiva: - Oxe! E num é que é mesmo, nem havia me dado conta disso! Disse com seu jeito insosso de desânimo, deixando de lado as ruminações do seu caleidoscópio de analepses, para chamar a atenção dos demais presentes: Há dias que deveríamos ter feito isso! Do outro extremo da sala, Curiosaldia calmamente ajeitou os óculos para enxergar direito o que ouvira e obtemperou: - Você, Sonsonildo, pela primeira vez, tem razão! Mas, diga logo aí: Qual é a sua droga? Ponderou ela envolvida na fedentina de sua própria flatulência, esquivando-se à francesa, como quem escapole pra não ver o circo pegar fogo: - Vou ao banheiro! E à porta, como se jogasse mais gasolina no fogaréu: E quem é essa tal de Dias, hem? Das funduras do ambiente despertou Artesildo concentradíssimo com os últimos lançamentos da moda: - E num é que ele está certo! Nossa! Eita! Nem perceberam a unanimidade inaugurada desarmando os encrenqueiros prontos pro embate. Entreolharam-se e o hipocondríaco revoltado deu meia volta e, arrependido com a concórdia, querelou: - Vou-me embora, vocês estão todos infectados pela moléstia, desgraçados! A glutona-que-não-parava-quieta arranchada no seu birô estraçalhava um pacote de biscoito recheado e, às mastigadas, sentenciou: - Esse perebento não aguenta o badalo: arma o gatilho e, na hora do disparo, sai correndo! Frouxo! Por sua vez, o pessimista vicariante amargava a disputa se desvanecendo fugidia, fechou-se em si com desdém: - Ah, tenho mais o que fazer diante da morte, ora! Então a zarolha desentendida voltava do banheiro e sem saber o que se sucedera de fato, demorava para enxergar o que realmente acontecera, soltou um pum e deu de ombros: - Eu, hem? Já com ar de vitorioso, o shopaholic-com-um-cotoco-no-rabo ajeitou a gola da camisa, conferiu o vinco da calça e preferiu voltar pras escolhas de suas novas aquisições da moda, ignorando a situação constrangedora ao destilar, por fim, o seu veneno: - Vôte! Vai pra lá, pé-frio-duma-figa! Assim se entendiam entediados aos desentendimentos, não se tratasse de ocasião tão risível quanto deprimente, tudo seguia naquela esquecida repartição de Psicopatolândia (ou seria Alagoinhanduba?). Ah! Até mais ver.

 

Jhumpa Lahiri: Por que eu escrevo? Investigar o mistério da existência. Para me tolerar. Para chegar mais perto de tudo o que está fora de mim... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

Phoebe Waller-Bridge: Eu sempre soube que dizer que o indizível seria uma coisa poderosa... É por isso que colocam borracha na ponta dos lápis... Porque as pessoas cometem erros... Veja mais aqui.

Marianne Williamson: E ninguém nos ouvirá até que nós mesmos nos ouçamos... A prática do perdão é a nossa contribuição mais importante para a cura do mundo... Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

O RISO DELA - é uma explosão \ de alegria \ e nostalgia \ como a minha dança \ diante do espelho \ em seu vestido. \ O que aconteceu com o homem \ que um dia a recebeu \ do outro lado da floresta?

PARA SE ENCONTRAR - Com um homem \ do outro lado da floresta \ é viver o mistério,\ explicou mamãe \ quando perguntei \ para onde ela ia \ à noite. \ O mistério \ é um pombinho cacarejando, \ implorando por comida \ de uma mãe ausente. Desespero \ maravilhoso saciado.

Poemas da escritora, tradutora e editora argentina de origem bielorrussa, Natalia Litvinova.

 

CASACO QUEIMADO - [...] Eu sou a madeira no fogo. Eu experimentei, alterei a natureza. Estou queimado, danificado, mais resiliente. Uma vida é uma gota d'água na superfície negra, tão frágil, tão forte, seu mundo incrivelmente sustentado. [...] Tenho essa sensação de estar desconectado e muito longe da tomada e o que resta é uma barra vermelha de alerta. [...] Há cegueira para novos amantes. Eles existem na atmosfera rara de sua própria colônia, confiando por instinto e tato, criaturas se consumindo, construindo abrigos com suas esperanças. Outros mundos cessam. Eu sei que senti algo quando começou, uma compreensão, um pressentimento, até mesmo uma ordenança. O amor nunca é a história mais antiga. Ele cresce na escuridão intensa. [...]. Trechos extraídos da obra Burntcoat (Faber & Faber, 2021), da escritora inglesa Sarah Hall, autora das obras Mrs Fox (2019), Madame Zero: 9 Stories (2017), The Wolf Border (2015), The Beautiful Indifference (2011), How to Paint a Dead Man (2009), Daughters of the North (2007), The Electric Michelangelo (2004) e Haweswater (2002).

 

FALAR AO MUNDO DA MESMA FORMA QUE OS OUTROS - [...] Além da emoção, além da reação, precisamos ser capazes de sentar juntos, ler o mundo juntos de maneiras diferentes e entender que essas diferentes maneiras de ler o mundo só podem nos enriquecer, em vez de nos tirar algo. E acredito que essa co-construção do mundo, essa coconstrução da humanidade que compartilhamos, é um dos maiores desafios do momento. Este consórcio também busca contribuir para isso. [...] Agora somos um mundo interconectado: os problemas de uma pessoa são problemas globais, e os problemas de outra pessoa são problemas globais. [...]. Trechos da entrevista l’Afrique doit «dire le monde au même titre que les autre (Reseau Scolaire, 2023), concedida pela filósofa senegalesa Diagne Mbengué (Ramatoulaye Diagne Mbengué), que na obra Le modernisme en Islam: Introduction à la pensée de Sayyid Amir Ali (L'Harmattan, 2019), expressou que: [...] A sociedade deve ser uma sociedade aberta, uma sociedade na qual cada pessoa possa se reconhecer. [...].

 

AGRESTE LENTICULAR, DE MARCELA CAMELO BARROS

[...] Escrever sobre o que somos é uma história que não é exclusivamente minha, ela se repete na ancestralidade de milhares de mulheres nordestinas [...] É um reforço para a nossa identidade, constantemente apagada pelo silenciamento da história das mulheres, para entendermos que viemos de mulheres fortes [...] corajosas e transmissoras de conhecimento. Assim como eu recebi esse saber, quem sabe agora não transmito? O lenticular é a ponte para a transmissão da representação de mulheres do Agreste, mas também um fenômeno de ilusão. Teria a comunidade do Trapiá, a partir do fenômeno das rezadeiras, um vestígio de dominância feminina? Acredito que o ideal de sociedade matriarcal nas zonas rurais do Nordeste é como a ambiguidade da imagem lenticularizada: entre pequenos movimentos do olhar, surgem lampejos como as manifestações da religiosidade popular, os encontros das mulheres, da insubordinação às instituições oficiais. Uma árvore tem sua origem na semente. Sem demagogia, há esperança. [...].

Trecho extraído da tese de doutoramento sob a temática Agreste lenticular: pesquisa e criação em suporte artístico (UFPE, 2023), da artista visual e professora Marcela Camelo Barros, que concentra em suas pesquisas recentes autoestereoscopia, imagem lenticular e processos de criação junto às manifestações da religiosidade popular feminina do Agreste de Pernambuco, autora do projeto Agreste lenticular: Pesquisa e Criação em Suporte Artístico. Veja mais aqui.

 

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segunda-feira, junho 30, 2025

DIANA AURENQUE, LINA MERUANE, MAYRA OYUELA & MITSY QUEIROZ

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som da Suíte para piano Cinco danças (1960), de Três Peças para fagote solo (2018-2019), Multisarabanda (2023) & do álbum O piano de Kilza Setti (Minas de Som – Escola de Música da UFMG, 2023), da premiada musicista, compositora, professora doutora e antropóloga Kilza Setti (Kilza Setti de Castro Lima), fundadora da Associação Brasileira de Folclore.

 

Agora vai!... - Sabe aquela do melhor que não deu certo? Pois é, na minha vida as coisas sempre andaram fora do riscado. Posso até assegurar: me custaram mesmo o couro e os olhos da cara. Foram lapadas nas costelas, punhaladas nos costados, camas de gato pra quebrar as ventas, aprendia? Ora, se. No fim das contas: melhor assim, pelo pior. Até me animei para escrever um livro: Zilhões maneiras de não fazer para que dê certo (um dia que seja, sabe-se lá!). Seria o maior best-seller, apostei convicto mais de uma vez. Simancol na área, iiiih, pensei melhor: não. Não fiquei quieto, zanzei por aí e descobri o stand-up! Ah, é isso! Por que não fiz antes? Agora vai! Botei na cabeça todo tipo de situação atrapalhada e, depois de muita empolgação, o riso amarelava com a bola murcha: não levava o menor jeito. Hummmm... Devia fazer teatro, vai que é isso! Encorajado pela ideia fiz cursos, queimei as pestanas, botei a vergonha nas costas, dediquei-me mesmo. Tá. Queria começar por cima, pensando o quê? Topete, meu! Agora vai! Não deu. Faltava o texto. Ah, sim! Li cronistas de cepa, humoristas dos bons, ensaiei que só. Escrevi, rasguei; reescrevi mais trocentas vezes e, todo ancho, me endeusei. Aprumei a conversa e tropecei nos meus solecismos, leituras da muita sobre narrativa, estilística, o significado das coisas, cada tijolão de não sei quantas páginas! Agora vai! Não foi, de novo. Enganar a quem? Estava um aranzel parnasiano, arrazoado do escambau. E parece que auto-endoideci: a gramática portuguesa é uma hipérbole metafórica que na horagá só tem puxa-encolhe! Como assim? Auto-enlouquecimento! Melhor: síndrome do impostor. Vôte! Tinha remédio? Peraí! Tô fazendo papel de besta! Isso foi um jato de vapor gelado na lata: até quando queria ajudar atrapalhava, sacou? Era o sinal. Se arrependimento matasse estaria salvo. Mas, não. Só me dei conta de dois detalhes por enquanto ínfimos: o primeiro, sempre estragava a piada com o pé na jaca: matando a charada antes da hora! Não tinha a menor graça. E quando decorava uma das boas, o pior: na hora de contá-la, caía na maior gaitada de engasgar e não conseguir nem sequer iniciá-la. Como é? A minha completa inaptidão deixou escapulir um módico e imprescindível terceiro motivo: a minha mais completa falta de talento, assumidamente um verdadeiro perna de pau! Ah, se tivesse dado certo seria outra a hestória, né não? Até mais ver.

 

Nancy Farmer: É sempre uma batalha permanecer do lado do bem... Veja mais aqui, aqui & aqui.

Sophie Oluwole: Não há nada que seja absolutamente material. Não há nada absolutamente imaterial. E em todos os fenômenos do mundo, os dois estão juntos... Veja mais aqui.

Tanella Boni: só a palavra nos serve de passaporte para abrir o caminho... Veja mais aqui & aqui.

 

PROIBIDO ESQUECER

Imagem: Acervo ArtLAM.

Depois de cruzar certos agulheiros \ atravessei a nostalgia \ como se atravessa um suspiro \ em meio de qualquer semáforo. \ Meus sapatos têm clavículas, \ Bocas que se engasgam com passos. \ Primogênita me apresso, \ pela primeira vez nos lábios \ do homem que jamais beijei. \ A nostalgia é cozida à mão \ como esse avental guardado no armário de minha mãe. \ Em silêncio começo uma oração \ com a frase "proibido esquecer". \ A noite é uma cortina molhada, \ um abraço a mais a oferecer, \ um persuasivo de adeuses que não são definitivos. \ Concluo: \ que os beijos são para os que amam \ sem promessas ou esperanças.

Poema da poeta, radialista e gestora cultural hondurenha Mayra Oyuela, fundadora do coletivo Paíspoesible e autora do livro Escrevendo uma casa para o barco (l II Miglior Fabbro, 2006).

 

SISTEMA NERVOSO – [...] Eu nunca esqueceria, mesmo que não conseguisse lembrar. [...] Provavelmente sempre estamos enfermos e não nos separamos. E mesmo que a menina pensasse que ela havia se assutado com todas essas histórias que poderiam ter padecido um corpo, só depois ela percebeu que essas histórias eram apenas um resumo. Porque o raro é viver. Há tantas coisas boas que você pode sair mal [...]. Trechos da obra Sistema nervioso (Cadencia, 2018), da premiada escritora e professora chilena Lina Meruane (Lina Meruane Boza), que na sua obra Contra Los Hijos / Against the Kids: Una Diatriba Contra Los Hijos Versus Round 14 (Literatura Random House, 2018), expressa que: […] Antes, quem detinha o poder era o pai e a mãe, agora são os filhos que mandam, exigindo, como nunca antes, submissão e apoio absoluto e incondicional dos pais. [...]. Já no seu Sangre en el ojo (Caballo de Troya, 2012), ela expressa que: […] Eu não sou nada além de um animal que quer deixar de ser um [...] Mas é isso que somos, dois estranhos reunidos por acidente no enigma impossível da doença. [...] O preço da minha vaidade seria tropeçar na vida. [...].

 

FILOSOFIA TERAPÊUTICA - [...] Somos a estranha contradição daqueles que conhecem, sentem e tocam o infinito, mas que morrem um pouco a cada dia [...] Se aceitarmos a estranha e mista contradição que somos, uma nova dimensão existencial emerge: uma possibilidade terapêutica que é sempre profundamente filosófica. [...] Embora possa parecer contraditório à primeira vista, o confinamento proporciona liberdade. Um espaço de soberania para cuidar de quem somos: o que fomos, o que desejamos ser e o que ainda temos a conquistar. [...]. Trechos extraídos da obra Animales enfermos: Filosofía como terapêutica (Fondo de Cultura Económica Chile, 2022), da filósofa e professora chilena Diana Aurenque (Diana del Carmen Aurenque Stephan), autora de obras como Ethosdenken. Auf der Spur einer ethischen Fragestellung in der Philosophie Martin Heideggers (2011), Die medizinische Moralkritik Friedrich Nietzsches: Ihre Genese, Bedeutung und Rezeption, Wiesbaden (2018), Pensar lo público (2023) e Animal ancestral. Hacia una política del amparo (2023).

 

IMAGEM LATENTE CORPO SENSÍVEL, DE MITSY QUEIROZ

[…] Consolado pela sensação de perda infinita que o tempo traz, derramado nos braços do novo e nos lances inaugurais daquilo que devém, sinto que fotografar é escrever no escuro. Tão morte quanto imortalidade, corte na carne, cicatriz e luz, tanto que não foi espantoso nascer outro através desse processo criativo, que bem tentou refletir e incorporar na sua linguagem a densidade dessa experiência. Ao experimentar exaurir e suspender o tempo que antecedia essa ventania, soube que as provocações dessa tempestade de certa forma precipitaram o tempo de grandes mudanças. A percepção desse tempo que se elastece no silêncio e mergulha nas águas calmas de uma imagem latente, enfrenta também o desespero de um temporal sem precedente ou abrigo. Até que inesperadamente o sol iluminou as águas profundas e o percurso lamacento dessa travessia para entender que entre o curto episódio de nascer e morrer, fui ao encontro de uma metamorfose que aproximou a puberdade da menopausa. E mais do que isso, procurava outro nascimento, um começo que não fosse inato, que não estivesse involuntariamente carregado dos projetos coloniais de gênero ou raça, mas que pudesse eu mesmo criar um corpo próprio, com a capacidade de mudar e eleger a imprevisibilidade como doutrina, sendo a cobaia do meu próprio laboratório de pesquisa. Sou a carne e a voz dessa pesquisa política. […].

Trechos extraídos da dissertação de mestrado sobre o tema Imagem Latente Corpo Sensível (UFPE/CAC, 2020), da fotógrafa, videoartista, poeta e artista visual, Mitsy Queiroz. Veja mais aqui.

 

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segunda-feira, junho 23, 2025

KALIANE BRADLEY, CAROLINA SAMPAOLI, SALLY JOHNSTON & ORIANA DUARTE

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som de Low End (Live Big Ears Festival 2022), Tornasol (2021), Campos Flotantes (2024), Sinfonía Isleña (2023) e The Place We Are (2014), da performática compositora e muti-instrumentista porto riquenha Angélica Negrón, que integra a banda Balún e é artista residente no National Sawdust trabalhando na ópera de dublagem labial, Chimera, atua como professora no programa Very Young Composers da Filarmônica de Nova York e do Lincoln Center Education.

 

Uma noite longa, solstício de inverno... - Que bom! Salve! De antemão: meu beijabração por recepção. Achegue-se! Pra começo de conversa: se chegou aqui é porque teve alguma indicação. Não acredito em acasos, digo logo. Do contrário, assim mesmo: venha! Sei que a gente nem pode pular o muro alto do vizinho, um cachorro daqueles bem brabo nos espera, né? Um vexame! Muito menos atravessar a porta fechada de quem mora ao lado. Uma barra. Sou da vida conversável do Agostinho: “Magia incandescente do verbo”. E como Descartes: converso com livros. Mas vem cá (só puxando assunto pro maior palratório ou dedinho de prosa que seja), para abrideira pode vir com aranzéis de taramelas, de não parar o badalo, nem fechar a matraca contando hestórias de assombrações ou de petas galrões com a maior prolixidade, viu? Proponho pro bate-papo: como as coisas funcionam ao seu modo de ver? Pode abrir suas experiências, se quiser, estreitando o compadrio com potocas loquazes. Ou levar um lero facundo sobre a papagaiada de gaiatos linguarudos, a lorotagem dos caboetas ou dos que arremedam como os metidos a crisóstomos doctiloquentes, dos chatos de galocha com seus carões homiléticos – cada qual sua certeza inabalável, irredutível! Valho-me daquela do Quinus Horacius: tô só cutucando, sabe? Talvez melhor um colóquio sobre umas e outras, perdão e esgares, o lema do desatino entre os dentes e o despudor de epístolas e pistolas, que venham nas fronteiras da convivência; ou uma confabulação sobre hematomas herdados nos desmentidos fraudulentos, das consequências invertidas no desamparo das subnotificações e estatísticas manipuladas, ou mesmo um diálogo sobre fobias ou síndrome do pânico, psicoses, atrofias, de tudo fora da órbita, coisas assim, fazer o quê? Ou ficar com o fôlego suspenso acaso os detalhes por minúcias nos levem a entender que desde que o mundo é o que é, entre o verossímil e o sofismável, as ressalvas e os remendos, as gambiarras, e não perder o fio da meada, apesar dos pesares, conquanto, se puder relaxe, compareça e mande ver nas patranhas, pilhérias, vanilóquios, vale tudo! Com tanto que se sinta confortável. Querendo pode até se encolher, se estirar, ficar de bruços ou se espreguiçar num pufe ou numa poltrona, deitar na cama, plantar bananeira, ou ficar em pé secando os cambitos ou escorando-se na parede, atrepando-se num muro, cê que sabe! Onde estiver: no ônibus, montando um jegue, no trono do banheiro, de cabelo em pé por soltar uma flatulência inesperada, o crível na escusa e o mundo se desfazendo na incerteza. Taí. Há quem escolha episódios mais notáveis; outros, os mais pungentes, patéticos: ninguém está feliz com sua própria sorte, né? E o tempo volta de vez em quando só pra aumentar a desordem e a gente na indomável obstinação, a solidão insular, as façanhas inglórias, as coisas sempre nesse pé e a gente querendo fazer o melhor que puder. E ter de encarar a espessa poeira da recorrente ameaça de guerra há décadas e a qualquer momento: teibei! Aí é só os que viraram adubo, quem levou a melhor, penitências pro perecível: de mão em mão a última chance. Vírgulas e pontos, pelo menos. Se a barra tiver pesada a gente pode mudar de tema e você contar dos seus tédios, fadigas, angústias, lembranças flutuantes que se espatifaram ao espelho, a fuga dos solilóquios, os monólogos do umbigo, como transpôs seus precipícios, feridas reabertas, túmulos revolvidos, apaziguados, pelo menos. Olhe: não faça careta, vamos comer uma cocada que é bom! Aceita? As hestórias já contam por si, quem sabe, há sempre aquelas lacerações oriundas da pedra sobre o tutano das memórias apagadas de tudo, a felicidade ínfima além das galáxias. Do contrário, pode abordar, por exemplo, o que espera da vida, o descontrole e a impulsividade. Se puder nem tenha papas na língua e ponha a mão no fogo, defenda seu ponto de vista com o curso regular dos acontecimentos duplicados. Sei, segredos ao pé do ouvido, confiar em quem? Assim solte pinoias como quem bebeu água de chocalho, falatório pelos cotovelos, mímicas, onomatopeias, êpa! Ditos impublicáveis, lorotas verbosas, porque desse jeito a gente pode abusar de adágios tagarelas, clichês de boquirrotos e seja lá o que quem quer que seja quiser!!! Dê as caras, a gente pode se empolgar oxigenando no passeio, curtindo uma performance musical da Angélica Negrón ou, se for ao gosto ocasional, a Facilita do Ramalho no balanço do Gonzagão: Tataritaritatá!!!!... Pode balançar o esqueleto enquanto ouvimos sobre as viagens de Chimamanda Ngozi, ou do que procura Barbara Rachko, ou as atitudes de Catherine Millet, uns poemas da Carolina Sampaoli, da leitura que fiz do Mistério do tempo da Kaliane Bradley, ou dos estudos sobre a simbiossexualidade de Sally Johnston, apreciar a arte de Oriana Duarte, que tal? Ou mesmo da minha releitura desta semana: Se um viajante uma noite de inverno... Doidice? Ora! Quem goza de saúde mental nestes tempos, hem? Acertemos: doravante, duma coisa tenha certeza: aqui não tem Amanaci chamando chuva, nem relógio pra determinar calendário. A gente só tem o presente para se livrar das tentações do consumo, impaciente com uma fila que não anda, da depressão com o que passou e da ansiedade pelo que virá. Tudo passa. Aliás, já passou. Vale mesmo a interlocução, afinal uma boa conversa segura o mundo! Acho. E saiba: sua chegada é a maior festa, um prêmio com um rosário de alvíssaras, pelo menos pra mim. Salve! Volte sempre! Até mais ver.

 

Chimamanda Ngozi Adichie: Acho que você viaja para procurar e volta para casa para se encontrar lá... Veja mais aqui & aqui.

Barbara Rachko: As coisas com as quais você se preocupava se foram: algumas são esquecidas, outras são menos urgentes...Veja mais aqui.

Catherine Millet: As atitudes da sociedade em relação ao sexo são moldadas pelo medo e pela ignorância... A liberdade sexual é um direito humano fundamental... A sexualidade é fluida e está em constante evolução... O corpo é um campo de batalha, onde as expectativas sociais entram em conflito com os desejos pessoais... A satisfação sexual é uma necessidade humana básica... Veja mais aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

A MENINA NA JANELA - Eu observava sua silhueta atrás da cortina, borrada, ela se contorcia na redoma de vidro da noite. \ Ela cantava, embalando minhas dificuldades. A espuma cobria o esplendor de sua infância. Ela se encolheu diante do meu olhar profundo, suas maçãs do rosto rosadas, sua pele imaculada. Ela continuou cantando como se nada tivesse acontecido. Ela cantou seus versos para mim, me convidando para dançar com ela na água. \ Eu a segui desconfiado; seus olhos verdes poderiam ter sangrado sob aquela intimidação, mas ela se calou. Finalmente, um fluido incolor, a dança continuou embalando nossas línguas, ofegantes, movimentos descendentes, ascendentes, suspiramos em uníssono. \ Meus olhos não conseguiam captar uma paisagem tão deliciosa, a nudez completa de seu corpo escultural, o rugido de seu sexo, sua agitação digna, mas subestimada. \ Nós nos rendemos ao encontro, lambendo os contornos dos corpos um do outro. \ Ela nunca fechou suas luas brilhantes e encantadoras; ela teria ficado tonta neste caso. Ela me observou obscenamente, recomeçando de acordo com todos os seus desejos insensatos, dívidas ainda não quitadas.

OITAVO DIA - Vi, cheirei, toquei, senti a morte perto, muito perto. \ Seu olhar vazio de significado, seu perfume neutro, sua silhueta vazia. \ Elusiva, furtiva, como o suco diáfano que migra enquanto sua pele permanece. \ É o nada imutável, o silêncio absoluto, o esquecimento... \ Tudo o que é descrito é absorvido, toda forma perece, nem mesmo um sussurro de calma... Tudo o que posso nomear é inominável. \ Nada é nada... Ruído, tontura são irrelevantes na falta de memória... \ Desde que ela me beijou, temo os vivos... \ Suas propostas de flerte... \ Seu olhar que me faz evocar a espera das ondas se fundindo com o horizonte cinzento. \ O nascimento da onda perfeita sendo parte da imensidão. \ O surgimento de um ser de aço, pura magnificência, corrompendo meu corpo enquanto me cobre de espuma. \ Equilibro-me em sua força que me arrasta, em seu rugido, na música celestial que a solidão do oceano me dá... \ Renascido entre nós, cessando de reivindicar esta masturbação, \ entrego-me contigo para desfrutar desta vida terrena. \ Não escrevo mais... Vamos aproveitar? \ Dê-me a sua mão, pegue a minha, vamos rabiscar... Estou de volta, aqui.

Poemas da escritora e pintora argentina Carolina Sampaoli (María Carolina López Sampaoli).

 

O MISTÉRIO DO TEMPO – [...] Se você se apaixonar, será uma pessoa que estará apaixonada pelo resto da vida [...] O perdão, que te leva de volta à pessoa que você era e te permite redefini-la. A esperança, que existe em um futuro em que você é novo. O perdão e a esperança são milagres. Eles te permitem mudar de vida. Eles são viagem no tempo [...] Não quero parecer pessimista. Só o faço porque vejo o quão erradas foram minhas escolhas. Não faça assim. Não entre acreditando que você é um nó em um grande empreendimento, que seu passado e seu trauma definirão seu futuro, que os indivíduos não importam. A coisa mais radical que já fiz foi amá-lo, e eu nem fui a primeira pessoa nesta história a fazer isso. Mas você pode acertar, se tentar. Você terá esperança e foi perdoado. Perdão, que te leva de volta à pessoa que você era e te permite redefini-la. Esperança, que existe em um futuro no qual você é novo. Perdão e esperança são milagres. Eles permitem que você mude sua vida. Eles são viagem no tempo. [...] A vida é uma série de portas batendo. Tomamos decisões irrevogáveis todos os dias. Um atraso de doze segundos, um deslize, e de repente sua vida toma um novo rumo. [...] Você não pode tornar a vida à prova de traumas, e não pode tornar seus relacionamentos à prova de mágoas. Você tem que aceitar que causará danos a si mesmo e aos outros. Mas você também pode errar feio e não aprender nada com isso, exceto que estragou tudo. O mesmo acontece com a opressão. Você não ganha nenhum conhecimento especial sendo marginalizado. Mas você ganha algo ao sair da sua mágoa e examinar os andaimes da sua opressão. [...] O perdão e a esperança são milagres. Eles permitem que você mude de vida. São viagens no tempo. [...] Tudo o que já aconteceu poderia ter sido evitado, e nada disso aconteceu. A única coisa que você pode consertar é o futuro. [...]. Trechos extraídos da obra The Ministry of Time (Avid Reader Press/Simon & Schuster, 2024), da escritora e editora inglesa Kaliane Bradley (Kaliane Mong Huxham Bradley).

 

SIMBIOSSEXUALIDADE – [...] os participantes deste estudo descreveu um desejo por uma dinâmica, algo maior do que a soma das partes de um casal. [...] a simbiosexualidade oferecerá apoio a esta minoria sexual tanto nas comunidades especificamente formadas para apoiar pessoas - pessoas com orientações sexuais e de relacionamento marginalizadas (como a comunidade poliamorosa) e na comunidade tradicional configurações da comunidade [...] Concepções e suposições dominantes sobre sexualidade e desejo, incluindo mononormatividade, políticas de respeitabilidade em comunidades poliamorosas e concepções atuais de desejo no discurso ocidental, contribuem para a invisibilidade simbiossexual. Essa invisibilidade prejudica diversos grupos de minorias sexuais, especialmente mulheres e minorias de gênero dentro desses grupos. [...] A possibilidade de um poder erótico intensificado advindo da consciência e da abertura a múltiplas fontes de prazer, e até mesmo a múltiplas pessoas, ao mesmo tempo, não é nova no discurso sobre sexualidade [...] a simbiossexualidade permanece não reconhecida nas arenas científicas. Adotar o conceito de simbiossexualidade pode facilitar a expansão de conceituações teóricas sobre desejo e orientação sexual no campo da sexualidade humana. [...] Talvez, para alguns indivíduos, combinar desejos que se complementam ou atender a múltiplos desejos simultaneamente aumente a energia erótica e o prazer. Além disso, assim como as narrativas do Oriente Médio e dos povos indígenas sobre sexualidade e desejo oferecem diferentes concepções de desejo, talvez o reconhecimento do desejo simbiossexual possa facilitar as percepções individuais e acadêmicas de diferentes formas ou qualidades de desejo e atração. [...] Espero que o reconhecimento da simbiosexualidade possa oferecer validação e apoio a essa minoria sexual. [...] As premissas e concepções culturais dominantes sobre desejo e sexualidade funcionam para ignorar, obscurecer e/ou desvalorizar a simbiosexualidade. A mononormatividade (especificamente, a suposição da "correção" da dinâmica sexual e de relacionamento entre duas pessoas) contribui amplamente para o desvalor e o descrédito da simbiosexualidade. [...] Oferecer uma nova linguagem pode promover a autocompreensão e a autorrealização, o que, para alguns, pode incluir a adoção do termo simbiossexual ou a recuperação da identidade de unicórnio como descritiva de uma pessoa empoderada que experimenta desejo simbiossexual e prazer sexual com casais. [...]. Trechos extraídos do estudo Symbiosexual Attraction: An Integrated Mixed-Methods Study (PubMed/National Library of Medicine, 2024), da professora antropóloga e socióloga estadunidense, Sally W. Johnston, do Programa de Estudos sobre Mulheres, Gênero e Sexualidade, da Faculdade de Artes e Ciências daUniversidade de Seattle, que ainda acrescenta: Precisamos repensar a natureza da atração e do desejo humanos como experiências apenas individuais. Também precisamos desafiar o estigma e a discriminação contra essa atração dentro da comunidade poliamorosa. Espero que este trabalho reduza o estigma em comunidades monogâmicas e não monogâmicas e expanda as conceituações de desejo nos estudos sobre sexualidade. Explica a professora que o conceito de simbiosexualidade surgiu de observações em discursos culturais e acadêmicos de que algumas pessoas são atraídas pelos relacionamentos entre outras pessoas, em vez de pelos próprios indivíduos. Apesar disso, o fenômeno permaneceu amplamente inexplorado, com a maioria das discussões sobre atração humana se concentrando na dinâmica individual. Indivíduos que sentem essa atração são às vezes chamados de "unicórnios" — um termo que descreve alguém disposto a se envolver em relacionamentos românticos ou sexuais com casais já estabelecidos.

 

A ARTE DE ORIANA DUARTE

[...] O trabalho com a escrita de si me levou a perder o preconceito e, mais do que preconceito, eu era muito reativa com o dizer-se, o lançar-se à própria história e às próprias aflições e instigações. Mas, a gente está viva, tá entendendo? Então, vamos olhar um pouco para essa vida, e o que essa vida nos proporciona. Então, eu perdi a vergonha de assumir que a vida é a mola dessas proposições todas. [...] Nesses anos que antecedem minha tensão com o corpo, vivi um luto muito dramático, que foi a perda da minha mãe, muito jovem, vivi o acompanhar do corpo que vai perdendo a vida, numa situação realmente limite, e é algo que é muito chocante. De fato, eu precisava ativar o corpo para poder viver a morte. Por exemplo, a Selvagem Sabedoria mesmo, a experiência de você estar lidando com uma cobra, viver trancada uma semana com a cobra só sentindo medo, sem conseguir fazer nada com essa cobra a não ser sentir medo. E tem uma imagem o tempo inteiro na sua cabeça, que é uma imagem que suscitava uma imagem da arte, um palimpsesto da arte. [...]. Como se só a arte pudesse estar ali convivendo com o medo [...] Uma fala que se posiciona no sistema, seja contra, seja a favor, seja escapando completamente... Eu estou no escape, estou cortando, eu estou transversalizando esse sistema. Que é o que mais incomoda, que é o que eu mais gosto também, que é de incomodar, que é uma atitude política. [...]. 
Trechos da entrevista concedida pela artista e professora Oriana Duarte (Oriana Maria Duarte de Araújo), que realiza suas pesquisas visuais e teóricas com foco principal voltado para o corpo humano, em especial o corpo feminino, investigando seu potencial simbólico e representativo dos pontos de vista de gênero e de modos de vida. A entrevista foi concedida para o estudo O discurso político do autorretrato em Oriana Duarte (Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica, 2020), de Ana Carolina Magalhães Salvi. A artista é autora das obras Dos heteróclitos como categoria de ação (Bienal de São Paulo, 2002), Usei meu corpo: das vísceras fiz sopa, dos membros fiz pontes (Congresso ABRASSE, 2008), Salto no Escuro: curadoria de arte como experimento (Funcultura, 2011), Plus Ultra: o corpo no limite da comunicação (PUC-SP, 2012), Nós, errantes: as travessias plus ultra de uma Artista Atleta (EdUFPE, 2913) e O entre arte e filosofia: um pensar sobre estilo de existência e vida de artista (Ecossistemas Artisticos – ANPAP, 2014). Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

 

ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:

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VALUNA – Vale do Rio Una aqui.

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SAMANTA SCHWEBLIN, NANCY FRASER, PAULA ESPAÑA & PINTANDO NAS PRAÇAS DE PERNAMBUCO

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som de Monte A (2006), Without Sinking (Touch, 2009), Leyfðu Ljósinu (Touch, 2012) e Saman (Touch, 2014)...