TODO DIA É DIA DA MULHER – UMA: COMO QUEM DANÇA A VIDA PASSA - Ao lado
dela a vida sorri. Sou seu par: os passos dela, os meus descompassos. Ela sorri
coreografando o momento; eu, equilibrista de sempre. Na ponta dos pés, a sua
nudez desenhava os sonhos na realidade; eu, na corda bamba, nela a me agarrar. Se
eu vacilasse na topada, ela era arrimo aos mimos e cuidados, hem hem. Se eu tropeçasse
de novo, ela mais ria exagerada de compaixão. Ao me sentir desistente, era nua mais
terna que solidária. Quem? Deborah Colker: Lute com determinação, abrace a
vida com paixão, perca com classe e vença com ousadia, porque o mundo pertence
a quem se atreve e a vida é muito bela para ser insignificante. Passim, a dança revelou o amor. DUAS: O QUE RESTA DE TÃO POUCA FELICIDADE - Poemas inconclusos
e canções desfeitas sou pedra abstrata de monumento em ruínas, eternos sonhos
jamais distinguidos entre sombras e pulsações. E ela seminua debruçada sobre a
tela, esboços de uma gravura. Reinventava meu mundo, a poesia transcendia
inalcançável, sou apenas sentimento humano, o silêncio me liberta: ela nua
sobre seus versos manuscritos, poemas de amor e paixão. O cântico e ela, despida
e singela no meu êxtase viril e brasa nas veias. Flor renascida e nos
amontoamos a consumir o pouco de felicidade que nos resta. Quem? Wanda Gág: Não há nada melhor para fazer do que tomar a si próprio à
medida que nos encontramos e fazermos o melhor de nós mesmos. Se me vejo como
filha de um artista que me deixou de mente aberta e um caráter convenientemente
forte para resistir à tentação, saio de lá e realizo o que posso... Sou o poema que
escrevi na sua carne. TRÊS: QUEM ENTRA NA RODA SÓ TEM QUE DANÇAR - Era ela a vida e ardia um canto, o átimo enrubesceu a voz porque tudo era
ela desnuda com o perfume de flores e às badaladas no meu coração. Livre e
honesta expressão do movimento e mais que ela, braços de Allegheny, pernas da Pensilvânia
e o que vivi de terrível e agradável, a desvendar a alma humana na sua nudez… Ela
me deu a chave de Paris e a coroa japonesa, e até muito mais: o inevitável. Deu-me
o que era de Deus e dos homens, e a sua prosa era mais que o verbo ou a palavra
na sua pele: sem véus ou vestes, o embalo profundo de todas as formas, o ânimo
da loucura com suas sílabas e vínculos, a música inaudível no enigma dos gestos
despudorados. Quem? Martha Graham: O
corpo diz o que as palavras não podem dizer. A dança é a linguagem escondida da
alma. Semeou o amor para florir os campos da minha vida. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS
& DESDITOS: [...] Nem sempre
me chamei Michaela DePrince. Quando nasci, em
um povoado no sudeste de Serra Leoa, na África Central, meus pais me batizaram Mabinty Bangura. Minha mãe me deu à luz em 1995, em plena
guerra civil que matou mais de 50 mil pessoas - número que inclui meus pais -,
ele foi assassinado pelos rebeldes da Frente Revolucionária na mina de
diamantes onde trabalhava; ela morreu de febre de Lassa, uma das muitas doenças
disseminadas pela guerra e pela falta de saneamento básico por lá. Aos 3 anos,
me tornei órfã. Tenho vitiligo, doença autoimune que produz manchas brancas
pelo corpo. Por isso, a maior parte dos moradores de nossa aldeia, incluindo
meu tio, que cuidou de mim logo que meus pais morreram, achava que eu era uma
maldição e passou a me chamar de “filha do diabo”. Por causa da doença, o irmão
do meu pai me abandonou em um orfanato, onde vivi por pouco mais de um ano. Lá,
éramos 27 crianças. A primeira recebia o maior prato de comida e a melhor
roupa. Acabei escalada para ser a de número 27. Passei muita fome naquele ano e
fiz apenas uma amiga, Mabindy Suma. Ela
era a 26ª da lista porque estava sempre doente e fazia xixi na cama. Em poucos
dias, nos tornamos praticamente irmãs - Mabindy Suma costumava cantar e contar
histórias para eu dormir. Num dia de tempestade, os ventos trouxeram a capa de
uma revista, que ficou presa no portão do orfanato. Agarrei aquela folha com
toda a minha força. Nela estava estampada a foto de uma mulher branca - como
fiquei surpresa ao ver pela primeira vez uma pessoa com outro tom de pele! -
usando uma saia rosa curta e brilhante: era uma bailarina. O que me chamou mais
a atenção naquela imagem, no entanto, foi a expressão de felicidade em seu
rosto. Apesar de eu não saber ao certo o que era ser uma bailarina, naquele
momento pensei que, se ela estava sorrindo, talvez um dia eu pudesse sentir sua
alegria se fizesse exatamente o mesmo. Lembro-me de compartilhar esse sonho com
a nossa professora de inglês, Sarah -
estudávamos a língua porque o dono do orfanato esperava que fôssemos adotadas
por famílias americanas. Eu era muito esforçada e apegada a essa professora,
para quem sempre dançava na ponta dos pés. Um dia, ao acompanhar Sarah até o
portão, então grávida de sete meses, vi alguns rebeldes da Frente
Revolucionária se aproximando. Eles riam e gritavam - hoje, quando relembro
essa cena, acredito que estavam bêbados ou sob o efeito de alguma droga - e
rapidamente nos cercaram. Em voz alta, fizeram uma aposta sobre o sexo da
criança que ela esperava: seria menino ou menina? Na sequência, um dos
guerrilheiros puxou-a para perto de si e cortou sua barriga, arrancando o bebê
de dentro dela. Se fosse um menino, talvez os rebeldes tivessem tentado
salvá-lo, mas a criança era uma menina. Então, eles cortaram seus braços e
pernas na minha frente. Sarah, claro, morreu na hora. Apesar de ter apenas 4
anos, essa cena ficou para sempre na minha memória. [...]. Depoimento da
bailarina serra-leonesa Michaela DePrince,
que escreveu sua biografia O voo da
bailarina: de órfã de guerra ao estrelato (Best Seller, 2016), com sua mãe
adotiva Elaine DePrince, uma narrativa envolvente e essencial para a
desconstrução dos rígidos estereótipos raciais e padrões de beleza presentes no
competitivo mundo do balé. Ao narrar as condições de vida numa terra devastada
pela guerra, os primeiros anos de vida, a perda dos pais de maneira brutal, que
foi abandonada pelo tio em um orfanato, onde ficou conhecida como "a
número 27" e foi cruelmente apelidada de "criança demônio",
devido a uma condição de pele que faz com seu corpo pareça manchado. A estadia
no orfanato, no entanto, lhe forneceu uma bênção: foi lá que ela encontrou a
capa de revista que determinaria seu futuro, estampada com uma linda bailarina
na ponta dos pés. Adotada por uma família estadunidense que encorajou seu amor
pelo balé, matriculando-a em escolas de dança, ela daria início à emocionante
trajetória rumo aos maiores patamares do balé mundial. Sobre sua vida, ela diz:
Vocês acham que é um conto de fadas? Veja
mais aqui.
SACHA COUTINHO & O AMOR IMPOSSÍVEL
A resistência do povo pernambucano ao domínio holandês no século XVII
custou a vida de muitos homens e mulheres, deixou muitos ao desabrigo e também
desfez sonhos. Alguns personagens desta guerra foram lembrados pelos historiadores
que recuperaram a memória da resistência pernambucana. Já outras figuras, como
Sacha Coutinho, permaneceram na memória popular. Sua história começa no engenho
Andirobeira, nas proximidades do Recife, onde ela vivia com a mãe, o único
irmão Nuno e o pai, João Paulo Vaz Coutinho. Pernambuco caíra em 1630 sob o domínio
militar holandês. Pouco depois, Sacha, então com 15 anos, conheceu o jovem Antônio
Homem Saldanha de Albuquerque. Este viu recusado, pelo pai da moça, seu pedido
de casamento. Afirmaram os escritores românticos do século XIX que Antonio
Homem engajou-se com fúria na luta de resistência contra os holandeses, nos
combates na Paraiba, morrendo na batalha do Rio Formoso, em março de 1633. Ao perder
também seus pais, Sacha passou a viver com o irmão na ilha de Itamaracá. Um dia,
no ano de 1646, bateu-lhe à porta pedindo pouso o padre Aires Ivo Correia. Diz a
tradição que o padre Aires tinha a mesma fisionomia do falecido Antonio Homem
e, por conta disso, Sacha teve um mal súbito e morreu. Outra versão corrente
afirma que o padre Aires era o noivo de Sacha, Antonio Homem, que teria
sobrevivido à batalha. Ainda segundo a tradição oral, o padre teria plantado
uma mangueira sobre a sepultura da jovem. Diz-se no Nordeste que a doçura das
mangas de Itamaracá – conhecidas como as mangas do jasmim – deve-se a Sacha. A figura
de Sacha encantou os escritores pernambucanos, especialmente a geração romântica,
que a imortalizou como “a mártir do amor contrariado”. Em 1854, o escritor Luís
Vicente Simoni escreveu um drama lírico em quatro atos intitulado Marilia de
Itamaracá ou a donzela da mangueira. Na mesma época, o poeta pernambucano José
Soares de Azevedo escreveu o poema “As mangas de Itamaracá”.
SACHA COUTINHO - Verbete sobre a figura mítica e símbolo do
amor impossível Sacha Coutinho
(1615-1646), extraído do Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade,
biográfico e ilustrado (Jorge Zahar, 2000),organizado por Schuma Schumaher e
Érico Vital Brazil. Veja mais aqui.
A DANÇA DE DEBORAH COLKER
Tem coisa mais cruel que o espelho? Uma criação
deixa sempre perguntas sem respostas que ficam ecoando na minha cabeça. Quando
um novo processo se apresenta elas estão lá, gritando, discutindo e me fazendo
encontrar novos caminhos. Os meus trabalhos são muitas vezes criados a partir
de causa e consequência. O primeiro mundo ainda nos vê como terceiro mundo, não
profissionais, atrasados.
DEBORAH COLKER – A arte da bailarina e coreógrafa Deborah Colker, autora
de projetos realizados como Mix (1995), Rota (1997), Casa
(1999), 4 x 4 (2002), Nó (2005), Dínamo (2006), Cruel
(2008), Tatyana (2011) Belle (2014) e Cão sem plumas (2017). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui &
aqui.
TODO DIA É DIA DA MULHER PERNAMBUCANA
Imagem: Bloco da saudade, da artista plástica Ezilda Goyana (1922-2019), que elegeu como
tema central das suas criações a paisagem e as manifestações culturais da sua
terra natal, mostrando em suas telas a profunda paixão pelo Sertão do Pajeú.
A história de amor de Fernando e Isaura, do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014)
aqui & aqui.
O arranha-céu e outros poemas, do poeta, jornalista, professor e crítico literário Cesar
Leal (1924-2013) aqui & aqui.
Rio Una no Meu Cantar, do cantor e compositor Jorge de Altinho aqui.
Das musas de ontem e hoje, do poeta, professor e pesquisador Amaro Matias Silva (1922-2002)
aqui.
&
OFICINAS ABI