A VIDA É LINDA, MESMO COM OS QUE QUEREM
TORNÁ-LA DOLOROSA PARATODOS – UMA: DIÁRIO DE QUARENTENA – Não estou no topo do monte, Caetano, linda canção na inesquecível voz de Nina e Bethânia. Estou
no pico da pandemia e choro o mundo de Pasolini.
A dor é grande, a corrupção é maior, desgraça o meu país com seus tentáculos
planetários, por farsantes lava que não passam de vaza-jatos de indignação,
enquanto o energúmeno debocha dos mortos, enfermos e desvalidos do meu coração
Brasil. A esta altura, Delacroix dá
o tom da miséria: O homem
é um animal sociável que detesta os seus semelhantes.
Desaprendo da vida e da arte, como se não houvesse quase alternativa além do
choro e consternação, quando ele pondera: Primeiro
aprenda a ser um artesão. Isso não impedirá você de ser um gênio. O segredo
para não ter tédio, pelo menos para mim, é ter ideias. A adversidade restitui
aos homens todas as virtudes que a prosperidade lhes tira. E quase não há
outra forma de viver, a não ser entoando a lacrimejante Nênia de abril. DUAS: E DAÍ? – Prestes aos
sessenta, eu tinha que viver para ver a ascensão de um aloprado Coiso
indiferente a um flagelo planetário sem precedentes, promovendo a massificação
da morte. E o pior: ver muitos que apoiam o traste inepto e outros tantos
hesitantes – tirando o cu da reta e empurrando pro outro num toma lá que não
sou o culpado, como se fosse uma batata quente no colo da covardia dos medrosos
– e ninguém dá um basta nisso, todos coniventes em todos os Poderes da
República, lenientes, intimidados. Estou indignado, envergonhado, decepcionado,
recitando uns versos de Jorge de Lima:
...há as naus que não chegam mesmo sem ter
naufragado: não porque nunca tivessem quem as guiasse no mar ou não tivessem
velame ou leme ou âncora ou vento ou porque se embebedassem ou rotas se
despregassem, mas simplesmente porque já estavam podres no tronco da árvore de
que as tiraram. É revoltante,
parece mais que o que falta aos brasileiros é humanidade! TRÊS: VENTOS DE MAIO - Não sei o que vai ser de todos nós amanhã, a
esperança é uma tênue asa perdida ao sabor dos ventos, o olhar absorto, a vida
por um triz. Quem sabe, não sei, tudo chegue a bom termo num futuro ainda
imprevisível, restarão a saudade dos que sucumbiram nos estardalhaços do
horror. A mim resta cantarolar com Milton Nascimento: Sol, girassol, e meus
olhos ardendo de tanto cigarro. Quase que eu esqueci que o tempo não para, nem
vai esperar. Vento de maio, rainha dos raios de Sol, vai no teu pique, estrela
cadente, até nunca mais. Não te maltrates, nem tentes voltar ao que não tem
mais vez. Não lembro teu nome, nem sei, estrela qualquer lá no fundo do mar...
e a saliva é o sangue com o coração na mão saindo pela boca, como se fosse pela
última vez. Não sei. Vou ali tomar uma carburando a dor de todos e até
segunda-feira. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais
abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] Há uma explicação alternativa da medicina
social para entender a propagação das pragas: os determinantes socioeconômicos
das epidemias são a pobreza, a aglomeração, a falta de saneamento e de
medicamentos. Agora, toda a infraestrutura internacional de detecção de doenças
e a resposta internacional coordenada caiu por terra. A OMS praticamente desmoronou. Hoje, tem um papel absolutamente
marginal. Nunca foi financiada adequadamente. Grandes países como os Estados
Unidos jamais cumpriram com as contribuições que disseram que fariam. A OMS precisou recorrer aos filantropos
e grupos de pressão dos países mais poderosos. Em conjunto, estes setores
proporcionam cerca de 80% de seu orçamento. A instituição se viu obrigada a
suplicar aos Estados Unidos, China e a certos filantropos que não sabem o que
fazer com o seu dinheiro. Isto se tornou evidente nos últimos três ou quatro
meses. [...] Os principais países
capitalistas acreditam que podem proteger o comércio mundial, com vacinas e
alguma nova forma de organização internacional da saúde. Mas não demonstram
nenhum interesse em solucionar o grande tema que preocupa a medicina social: a miséria
e a pobreza em escala mundial. Estarão as vacinas disponíveis para as
populações da África e o sul da Ásia? É muito difícil que o capitalismo, com o
seu DNA que é apenas lucro, faça chegar com rapidez
a vacina (se conseguir desenvolvê-la) aos pobres e condenados da terra. [...] De fato, o que o capitalismo global fará é
aprofundar ainda mais o abismo entre as duas humanidades. É claro, isso também
é certo dentro de muitos países capitalistas do “primeiro mundo”, onde a doença
ataca de preferência as vítimas do racismo e pobreza. [...] Neste momento, ao menos nos Estados
Unidos, existe
uma oportunidade extraordinária para avançar em um programa progressista, que
parte da atenção à saúde como um direito humano e uma cobertura universal. Também
chegou o momento de lutar por demandas essencialmente socialistas, como a
nacionalização das grandes farmacêuticas e de outros serviços básicos para a
sobrevivência. [...]. Trechos do artigo O capitalismo em uma era de pragas e
catástrofes (Observatório de la crisis/Revista IHU, 28/04/2020), do
historiador e sociólogo estadunidense Mike
Davis. Veja mais aqui e aqui.
A POESIA DE AUGUSTO ROA BASTOS
DA MESMA CARNE - Deixei ao poente / a franja tutela da
cigarra; / um povo como uma árvore ardente / madeira / que em minha caixa óssea
e de memória / constrói sua guitarra / dolente / no mais vivo de minha escória.
/ O peito perfurado / deixa ver o pulsar / tateando as paredes / do lado mais
acordado e desvalido. / (Resista, se podes) / O tronco empajezado /cresce todas as noites no vale; / geme e se
desespera / quando pressente meus passos / sobre o distante asfalto da rua / em
que vivo. / Obstinadamente / treme em voz alta em todos os meus pedaços. / Contendo
a respiração / escuto-o entre o rumor das machadadas. / (Nenhuma pausa sequer)
/ Sua queixa é tão forte / que me ilumina a face / e me escurece o pensamento;
/ tão fino o tremor que nos separa / e esta parede silvestre tão ligeira, / que
um pulsar sangrento / põe de pé minha vida a cada golpe / que destrói, longe,
sua madeira.
PARA VOCÊ, FECUNDA ... – Eu / Eu
feri sua estrela na água, / e um verão me domina nos seus mamilos, / suas coxas
e filhos / flor e flor, estrondo de sua saia, / isso enigmas meu sangue com
músicas. II - Você, minha água do verão, / você se afunda com raiva,
enlouquecido, / vespa branca querida / de ancas como jacinto... Oh rio / que
você já cheira a despedida! III - Longa estria, dói. / Cárie cheia de canudos e
sons / meu coração dói. / Cárie de tempo. E você, que já me cheira / uma noite
densa quando os ninhos amadurecem... IV - Seu verão se foi / com seus rebanhos
densos. Na tarde / meu orgulho se deita / gasto e puro no frio puro / que sua
beleza concebida queima...
AUGUSTO ROA BASTOS
- Poemas do premiado escritor
paraguaio Augusto Roa Bastos
(1917-2005), conhecido também por seus ensaios, roteiros e romances. Veja mais
aqui.
&
QUATRO
POEMAS DE FERNANDA
FATURETO
CASA - Ela, / sobreviver à casa - / era seu nome. / A casa vazia, / retornar
aos irmãos que morreram. / Comunicar-se com eles - / todos em diferentes
ângulos, / na casa. / Seres anônimos no mundo, / de onde vem e vão. / O
esquecimento torna-se geografia / E os seres dos rios se confundem com barro, /
cultivando o lugar do nascimento. / Lá brotariam dos arrozais / à espera / de
um nome. / Cultivando o lugar do nascimento, / o lugar da terra: / ali
podem ser.
RECITAL -
Um dia em
que não haverá a palavra exata. / O momento chega, em silêncio / Com a noite
fresca de inverno / No interior / Da paisagem. / O dia em que a escuridão
brilha. / Com feixes de luz / E solicita ao silêncio - uma trégua. / O riso à
mesa, / o acaso como traço de um momento / Presente. / Mesmo ato em que, por
léguas, / O encontro se fez. / Do Russo, entendo a culpa e o castigo. / Talvez
faísca que se entrega / No olhar que se fixa. / Encontro e despedida: entre o
instante, / a duração do presente / Como música.
SENHORAS OBSCENAS - Macondo existia só no papel / Seus leitores
visitavam a região / Acordados. / Amparados pela fantasia ao dobrar mais uma
página, / A ilha destinada aos solitários. / Cada palavra esquecida soletrada
renasce – / O poeta já disse que o verbo delira. / Reordena-se o mundo: / Um
local seco e árido habitado por sonhadores.
SEM TÍTULO - Escrever é sempre parte de um movimento maior, à deriva de
imagens e palavras que nos acompanham como amuleto e espera – partida para um
lugar remoto do inconsciente onde reina o sonho e a metáfora (local sagrado e
indecifrável) que só pode ser lido em seu contexto do poema quando este deixa o
imaginário de quem escreve para a página. Cada escritor tem sua partitura
particular, transcrever esse local – materializa-lo – é tarefa de cada um que
escreve. Como num ensaio de queda e redenção. O poema como resistência de quem
o pensa e sente.
FERNANDA FATURETO - Poemas da escritora
e jornalista Fernanda
Fatureto, autora das obras Ensaios para a queda (Penalux, 2017) e
Intimidade inconfessável (Patuá, 2014), com trabalhos publicados em diversas
revistas brasileiras, portuguesas, espanholas e mexicanas, afora participar de
diversas publicações, como do Caderno de Prosa e Poesia Subversa 2 (2019); das
antologias Damas entre Verdes (2018); 29 de Abril: o verso da violência (2015);
Senhoras Obscenas (2016) e Subversa 2 (2016). Veja mais aqui.
A ARTE DE GEORGIA O'KEEFFE
A visão de outra pessoa nunca será tão boa quanto a sua própria visão de
si mesmo. Viva e morra com isso, porque no final é tudo que você tem. Perca e
você se perderá e tudo mais. Eu deveria ter me escutado.
GEORGIA O'KEEFFE - A arte da artista
estadunidense Georgia O'Keeffe (1887-1986). Veja mais aqui & aqui.
&
A ARTE DE HELENA ROCIO JANEIRO
Gosto muito da
ideia de imaginar que o meu trabalho possa ter alguma coisa de poético, no
sentido da poesia mais vasto, e realmente quando eu digo… Eu acho que o mundo
seria muito melhor se houvesse mais poesia. E a poesia também é toda visual.
São coisas bonitas. São coisas que chamam, de certa forma, a atenção à tua
sensibilidade. É um bocadinho a minha maneira de ver a poesia. Uma forma
imaginária de fazer com que a realidade possa ser um bocadinho mais forte. Também
há coisas poéticas que são extremamente tristes, deprimentes, mas, de qualquer forma,
é sempre uma exaltação do sentido, de um sentimento.
HELENA ROCIO JANEIRO - Trecho da entrevista concedida pela artista portuguesa
Helena Rocio Janeiro, extraída da
dissertação de mestrado Paredes do Porto: Um estudo
taxonômico sobre as frases de Porto Alegre e do Porto (Porto,
2019), de Rafael Druzian de
Castro. Ela cursou Artes Plásticas na ESAP e edita o blog Coração o Ditador. Veja mais aqui.
PERNAMBUCULTURARTES
Sou uma mulher incompleta / Por onde passo fica um pedaço meu / Em cada
abraço, em cada passo, eu!
A arte da poeta, professora e
produtora cultural, Fernanda Limão, que
trabalha com intervenções literárias em diversos formatos, utilizando várias
formas e espaços para disseminar sua poesia já publicada em diversas antologias
brasileiras.
Pedagogia do oprimido (Paz e
Terra, 1983), do sociólogo e pedagogo Paulo Freire (1921-1997) aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
A música
de Claudionor Germano aqui.
&
História Tataritaritatá aqui.