quinta-feira, novembro 01, 2007

PAULO FREIRE, JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA, OCTAVIO IANNI, SAINT-AMANT, IBERÊ CAMARGO, MOIRAS, CIGANOS & BIRITOALDO


PROEZAS DO BITIROALDO - IV - Quando o bicho é sonso tira fino até na beira do abismo - Tanta presepada aprontou Biritoaldo de deixar muita gente roxa de raiva, a ponto de se querer sapecar umas lamboradas boas na moleira dele para endireitá-lo duma vez. - Eu sou a bola que ninguém nunca chutou! -, insultava, chistoso e todo linguarudo, o bocório-mirim! - Num tem pantim que uma boa pisa num tire! -, ameaçava os indignados parentes, injuriados propínquos e encolerizadas vítimas de suas astúcias. Pode? Não é pra menos e dá logo para se prever o entortamento: tendo como teve um nascimento tão estapafúrdio quanto um batizado tão vexatório, logo ganhou notoriedade suas estripulias nas fofocagens das línguas ferinas e, não obstante, na antipatia popular, não podendo jamais ficar no desconto do desprezível suas pirraças. Se podia? Nunca, nem que a vaca tossisse ou o gato voasse. Era futuro nefasto, mesmo. - Sou uma criança, num entendo nada! -, eximia-se cheio das mungangas. Não bastando as façanhas estropiadas e as gabolices desajeitadas, o pirralho foi crescendo de jeito e botando as manguinhas de fora. Quanto mais taludo ficava, mais cara sem-vergonha exibia. Era aquela índole de cabra fuleiro reinando sem a mínima prudência. Vejam só a petulância: namorou com a tia Nevinha, com empáfia de noivado sério - somente ela não sabia de tal idílio ousado. Bem, o cabra patusco ia crescendo e despertando seu apetite sexual já aos cinco ou seis anos, sei lá, por aí, com namorico sério, segundo ele, com a própria tia, só dormindo a coçar o umbigo da sóror materna, ou seja, só seguia para cama acompanhado de milhões de acalantos para o peralta cerrar as pestanas e dormir. Que ela contava histórias, contava; ele é que não dormia enquanto não amolegasse nas carnes adormecidas dela. Moral: ela pregava no sono e ele no maior vasculhado por debaixo dos panos, conferindo os guardados secretos dela. Isso não era pouco, mais desavergonhado que nunca, não passava em branco com a chegada das amigas da mãe, encostasse tititi de qualquer delas na casa dele, o descaradinho inventava tudo para ver a calcinha da visita e, depois, sair gritando a cor que vira. Astuto, só se via ele estirado no chão brechando tudo. - Êi, ela tem um buraco na caçola! U-ru! Quantos beliscões, cascudos, descomposturas e corretivos ressoavam e o menino era mesmo perdido e não se emendava engrossando o caldo da arteirice pra banda dos outros. Visando salvar o futuro dele, a santa materna do sapeca achou de matriculá-lo num educandário público para ver se corrigia o ímpeto do safado, vez que a vitalidade para peraltices mais parecia pilha alcalina, daquelas sem exaustão. Pior foi o susto que a coitada teve ao saber das últimas na escola. Tam, tam, tam, tam! Pois bem, nem se passou alguns tantos meses, a professora Ilmena teve de deitar reclamações ásperas às ouças maternais. Qual não foi o arrepio ao saber das sandices praticadas pelo desgovernado presepeiro. A docente, pudica e recatada, iniciou as incriminações em tom ameno, alegando ser seu filho responsável por puxar sutiãs das garotas, levantar a saia da merendeira e jogar insetos e excrementos nos colegas. Ainda era capaz de enrolar o troco do picolezeiro, ficar bisbilhotando a fechadura do banheiro feminino e passar xêxo na cantina do saldo deixá-lo insolvente. - Doutra feita - continuava a douta em tom pormenorizado -, entrando de supetão na sala de aula, flagrei o discrepante precoce expondo o pingulim para as alunas da primeira série. Que rebu! Isso só no de menos, ainda, porque o pior mesmo ainda estava por vir. Atenta às narrações da reclamante, a mãe, adivinhona que só ela sabe ser, já previa onde aquilo tudo tenderia a finalizar. Já desconfiava da paixão avassaladora que o filho dedicara à sua mestra e descortinava, mediante o relato, o emaranhado de aberrações que iriam emergir por conclusão. Pois bem, Biritoaldo era afeiçoado pelas formas generosas da educadora, admirando seus peitões volumosos, as ancas avantajadas, a ponto de desenhá-la em todas as folhas do caderno. O dever de casa era colorido com todas as cores e formas de sentar, de falar, exprimir, explicar e até do se ajeitar dela. Quantas vezes não fora visto de olho revirado, alisando seu caceitinho, a sussurrar: - quero chupar os peitões dela, tenho sede, sou um menino fraco, quero o peitão, o bundão, as coxonas, as pernonas, ai, Ilmena! Até aí, tudo bem, mas provou toda impostura quando tomou posse de um espelhinho e, na ocasião que ela passava entre as carteiras durante o ditado, magistralmente colocava por sobre o seu sapato para ver a cor da calcinha da dita. A desconfiança só surgiu porque ele sempre entregava no final da aula uns versinhos para ela combinando sempre com a cor que vestia. - O mundo é azul, como azul é o céu e o mar! - Obrigado, filhinho. - De nada, fessôra. No dia seguinte outro versinho e, assim, todos os dias repousavam os versos às suas mãos com a denúncia que vira suas intimidades. - Uma rosa pra fessora ficar mais bonita! Ilmena já estava intrigada, começou com investigação no birô que mandara trocar já por mais de dez vezes, nenhuma fresta, nenhuma rachadura, tomava cuidado com os requebros, algum buraco na saia, nem cruzada de pernas, nada. Procurou permanecer sentada, com as pernas cruzadas e no final da aula: na batata! Ela então resolveu vestir biquínis da mesma cor a semana inteira. Entregou-se de bandeja. A coincidência era tanta, mas como ocorria? Como? Foram dias, semanas, três meses para descobrir a artimanha, até que um dia, lendo uma história encantada a caminhar pela classe, tropeçou no pé do menino, estilhaçando o espelhinho, produto do crime. Não deu tempo nem de passar um carão, fugira desembestadamente. O menino semanas sem dar o ar de sua graça na classe. A mãe agora estava sabendo o motivo dele não querer ir mais para escola. Quer mais? Só na outra! Hehehehehehehehehehe! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais Proezas do Biritoaldo aqui



PENSAMENTO DO DIAA verdade da obra de arte é a expressão que ela nos transmite. Nada mais do que isso. Pensamento do pintor Iberê Camargo (1914-1994), Veja mais aqui.

ENSINO & PESQUISA - [...] Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo, buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. Trecho de Pedagogia da autonomia: saberes necessário à pratica educativa (Paz e Terra, 1995), do educador, pedagogista e filósofo Paulo Freire (1921-1997). Veja mais aqui.

AS MOIRAS – [...] Moiras – as fianderiras responsáveis pelo destino; filhas de Thêmis (deusa da justiça divina) com Zeus ou de Nix com Zeus. O destino humano é filho da Noite porque nasce do simbólico. Essas entidades são assim caracterizadas: a primeira, Cloto, é responsável por preparar o fio. É aquela que segura o fio e o puxa. Preside o nascimento dos homens. A segunda, Láquessis, é a que estende o fio e deixa-o retilíneo. É também aquela que sorteia o nome de quem vai morrer, porém sem definir quando. Ela é identificada também como aquela que preside o casamento. A terceira, Átropos, é quem corta o fio da vida. É chamada de inflexível porque preside a morte. Essas entidades, na inconografia mítica renascentista, são identificadas como mulheres majestosas, belas, formosas, inteligentes, e que sabem perfeitamente o que querem. Então, as Moiras, se são responsáveis pela tessitura da existência humana, irão ter a responsabilidade – aparente – de traçar todo o destino. Mas o tecem à medida em que percebem que não há consciência da existência. Ou seja, enquanto a razão não tomar corpo, não evidenciar, não eluciar a existência, elas estarão presentes e tecerão a existência dos mortais e dos imortais. [...]. Trecho extraído da obra Do simbólico ao racional: ensaio sobre a gênese da mitologia grega como introdução à filosofia (SCT/Fundação Cultural/EGBA, 2001), do professor universitário Lourenço Leite. Veja mais aqui, aqui e aqui

A MULHER, AS PESSOAS - [...] Na dialética das relações sociais, as pessoas formam-se no contraponto das imagens recíprocas, como em um jogo de espelhos, compreendendo-se ou opondo-se, contemplando-se ou estranhando-se. Aí se revelam identidades e alteridades, diversidades e desigualdades, acomodações e oposições. [...] Trecho de A figura da mulher (SENAC, 2004), do sociólogo e professor Octavio Ianni (1926-2004). Veja mais aqui.

CIGANA - [...] Todo cigano tem uma história para contar. Mas é aquese sempre a mesma história. [...] É difícil ver um cigano que não saiba fazer uma arte. A gente nunca esquece nossa tradição. [...] O povo cigano é um povo que Deus escolheu para ser livre. Quando Ele subiu ao céu, deixou os ciganos para continuarem os sofrimentos dele. [...] Para todos existe um dia, mas os ciganos eram esquecidos do mundo, viviam na Terra só por viver. [...] A gente é um povo inteligente e honesto, que só precisa de oportunidade. [...]. Depoimento de Rejane Soares Cavalcanti, extraído da obra Caderno de narrativas da cultura pernambuca: Série Festival Pernambuco Nação Cultural 2012/1 (Secretaria de Cultura, 2013), organizado por Olivia Mindêlo e Chico Lidemir.

MEMÓRIA –[...] Um dia trepei na mangueira monstro, de uma cabeleira de erva-de-passarinho, à única que ainda frutificava. Lá de cima, ouvi um grito esganiçado e, espiando para baixo, distingui um vulto que sópodia ser a velha. Bracejava e bradava. Fui subindo até o olho e a voz gritante, cortando as palavras, parecia chicotear-me. Pulei para outro galho que vergou, se quebrou e despencou comigo daquela altura, como um pára-quedas. Larguei-me de cima abraçado com os ramos que amorteceram a queda. Ia levando a breca. Desmenti um pé no tombo; e, debaixo de gritos, chispei, a manquejar. Quanto mais corria, mais ouvia a fala fina, a praguejar. Trechos extraído de Memórias: antes que me esqueça (Francisco Alves, 1976), do escritor, advogado, professor, folclorista e sociólogo José Américo de Almeida (1887-1980).

O FUMONas horas de descrença ou triste desengano, / meu cachombo a fumar, bem junto da lareira, / às vezes permaneço, abstrato, a noite, / justo prêmio a gozar, após labor insano. / No dia de amanhã, no eterno anseio humano, reflito, penso e, ao fim, numa ilusão fagueira, / eu me vejo senhor de uma nação guerreira, / forte como o mais forte imperador romano. / Mal em cinza, porém, eis se desfaz o fumo, / recaio no torpor, retomo o antigo rumo, / novam,ente me abismo em meu velho tormento. / Nenhuma diferença a minha mente alcança / e fumar o tabaco ou viver de esperança: / um é simples fumaça, a outra apenas vento... Poema do poeta francês Marc-Antoine de Saint-Amant (1594-1661).



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