DA FACE AO ESPELHO, QUEM NÃO - De cara pro espelho não gostei do que
vi. Só que estava ali e me desconhecia. Não quis fugir dessa vez e, mesmo
refratário, encarei: a descoberta da não aceitação. Quantos disfarces para embelezar
a feiura expressa, mil e uns ardis, truques dolorosos, tudo escondia quem realmente
sou. Removi a primeira pele, crenças e temores: caiu a dolorosa máscara e, com
ela, o chapéu que eu nem sabia possuí-lo. Nem era eu, uma camada grossa do meu
subterfúgio. Se não encontrava a mim mesmo, pelo menos a lancinante segunda
pele foi retirada, tegumento arrancado, vícios e fingimentos, outros disfarces
e adereços ruíram. Quantos que nunca fui além do engodo e se alojaram para
driblar a todos e a mim mesmo, uma mentira estupenda que até me dava prazer. Tanto
fiz de não me reconhecer e eu só um pedido de ajuda, um monte de coisas: sair
do aperto, incólume; limpar a ficha, impune; ficar bem na fita, ileso; simpatia
geral, aplausos e sorrisos. Quanta dissimulação, afinal, elas ferram com tudo e
nunca quis nem saber, ousava. Não bastava a chatura de todos ao redor, do
contra sempre, enquanto só me queria por agradável para ser amado e me sentir incluído
na simpatia de todos, nada mais. Por isso mesmo eu não era, sem a coragem de
dar a cara à tapa, na tentativa de acertar o quê, meu Deus, nem eu mesmo sabia,
só queria ser notado, sentido, nada mais. Nada demais errar e corrigir, refiz
tantas vezes, mas não me dava outra vez equivocado por não saber das notas,
quantas músicas; das cores primárias, quantos matizes; dos sabores, quantas
degustações ao paladar; palavras que combinam e destoam, afinam e desafinam, quantas
recombinações inesgotáveis e a mim só precisava a escolha certa e as energias confluídas,
metia as mãos pelas pernas. De cara pro espelho não gostei do que vi: sou quem
sabota a mim próprio, só para tirar proveito, esconder as unhas, sair de
fininho, sem ter que dar o braço a torcer ou mão à palmatoria, como se outro
fizesse e depois fugisse comigo mesmo, o único réu, o verdadeiro culpado de
tudo quanto arruinado, o indiscutível responsável. Se nada fiz cônscio para algo
diferente, só um personagem para melhoria, alter ego, recriminável era a minha
desgraça, é porque não sou quem deveria ser, nem ouço ou vejo o outro que é
diferente de mim, não algoz, antítese. Quis sempre ser outro que não eu mesmo,
a desconhecer do outro que em mim não era e que, ao meu lado, ignorava até
existisse, porque sempre fui o dono da minha razão e centro do universo. Não vejo
mais quem realmente sou, precisava enxergar melhor depois de Fedra de Racine:
assim como a virtude, o crime tem seus graus. Tanta coisa por fazer e eu aqui
empancado com aquele que sorri no retrato e nem sou eu Dorian Gray, apenas o
que fui sem que soubesse dos outros tantos que se arvoram a ser em mim. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: Nós somos responsáveis pelo que ouvimos as outras pessoas
falar e pelos nossos atos ou ações. Somos perigosos quando não estamos
conscientes da nossa responsabilidade pelo modo como nos comportamos, pensamos
e sentimos. Não pense que o que diz é empatia. Assim que pensa que o que diz é
empatia, estamos distantes do objetivo. Empatia é quando conectamos a nossa
atenção, a nossa consciência, não o que falamos. Quando nos concentramos em
esclarecer o que está sendo observado, sentido, e necessário ao invés de
diagnosticar e julgar, descobrimos a profundidade de nossa própria compaixão. Pensamento do psicólogo Ph.D. estadunidense Marshall
Rosenberg (1934-2015), autor do livro Comunicação não-violenta:
Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e
profissionais (Agora, 2010), que
funciona como um manual prático e didático voltado para aprimorar os
relacionamentos interpessoais e diminuir a violência no mundo. Para ele, o
método comunicativo chamado de Comunicação Não-Violenta (CNV): pode ser efetivamente aplicada em todos os
níveis de comunicação e em diversas situações: relações íntimas, famílias,
escolas, organizações e instituições, terapia e aconselhamento, negociações
diplomáticas e comerciais, disputas e conflitos de qualquer natureza. Para praticar a Comunicação Não Violenta é
fundamental que eu seja capaz de desacelerar, de ter tempo para respirar, para
passar de uma energia que eu escolhi, a outra que eu acredito de onde nós
devíamos vir, e não aquela para a qual eu estava programado. Eu começo o dia
com uma lembrança sobre onde eu quero estar. A CNV também é aplicada no
desenvolvimento de novos sistemas sociais, orientado em prol de parceria e o
compartilhamento de poder, principalmente na área de educação, e também no caso
de Círculos Restaurativos, prática de Justiça Restaurativa aplicada em mais que
11 países. A obra é dividida em dois capítulos, no primeiro trata sobre a
comunicação com compaixão, o ato de se expressar e ouvir, apresentando as 4
áreas de concentração do processo ObSeNePe, ou seja, observação, sentimento,
necessidade e pedido, por meio de expressão muito clara de cada um desses
itens, envolvendo o relacionamento familiar, escolar, negocial e profissional.
O segundo capítulo trata das formas de comunicação que são alienantes e
violentos, como a utilização de julgamentos moralizadores, culpa, insulto,
depreciação, rotulação, critica, comparação e diagnósticos, juízos de valores,
classificação e julgamento como estimulante para a violência, entre outros
assuntos.
FEDRA DE RACINE: AINSI QUE LA VERTU LE CRIME A SES DEGRÉS
[...] FEDRA - São
caros os instantes; escutai-me. Fui eu quem, sobre um filho casto e humilde, Lancei
vista profana, incestuosa. Pôs em meu seio o céu chama funesta. Tudo o mais
dirigiu malvada Enone. Temeu, que meu furor sabendo Hipólito, Amor, que lhe era
horrível, descobrisse. Meu desfalecimento aproveitando A pérfida, apressou-se a
criminá-lo. Já se puniu; fugindo minhas iras, Nas ondas procurou suplício leve.
Já meus dias o ferro terminara: Mas gemia a virtude suspeitosa. Quis, para vos
expor os meus remorsos, Ao Cocito descer mais lentamente. Eu tomei, e já corre
em minhas veias Veneno, que Medéia trouxe a Atenas. Tendo em meu coração já
penetrado, Desconhecido gelo infunde nele. Já por entre uma nuvem só diviso, Céu
e esposo, qu’ultrajo em estar presente; E a morte, aos olhos meus a luz
roubando, Torna a pureza ao dia que manchavam.
FEDRA DE RACINE - Trecho
da tragédia Fedra (L&PM, 2001), do
poeta trágico, dramaturgo, matemático e historiador francês Jean Racine
(1639-1699), em que a filha do Sol é prisioneira das trevas de um amor
absolutamente proibido - ama Hipólito, seu enteado -, foge da luz do dia e se
debate entre a loucura, a exaltação, a inveja, o ódio, a autopunição e a
vergonha pública. Do artigo Fedra, de Jean Racine: moral do
século XVII e criação literária (Letras, 2014), da pesquisa da UFU, Maria Suzana Moreira do Carmo,
a peça teatral retrata, para além de sua matriz grega, uma
importante apreensão dos debates morais e filosóficos do século XVII,
estabelecendo uma estreita relação entre os atritos de ordem teológica e a
criação literária: [...] Embora a impregnação dos valores cristãos na
obra de Racine seja um fato que tenha gerado controvérsias, é inegável que a
estrutura do mito em Fedra reproduz
a moral jansenista, que considera impossível a conciliação com valores de um
mundo radicalmente perverso, onde imperam o egoísmo, a paixão e a ignorância. [...] O drama de Fedra converge para a ideologia
pessimista do autor. [...]. Veja mais aqui, aqui & aqui.
&
A ARTE DE SARA SÍNTIQUE
cato um búzio sempre que te vejo / quase não há mais
lugar / e nem sei tua morada / longes longes / mas cato um búzio / sempre que
te vejo / onírica / adorno a boca / o ventre / quase não há mais lugar / transbordo.
/ retenho.
SARA SÍNTIQUE –
Poema porosidade,
da atriz, escritora e educadora Sara Síntique, mestra em Literatura Comparada pela Universidade Federal
do Ceará (UFC), onde também se graduou em Letras Português – Francês. É autora
do livro Corpo Nulo (Substânsia, 2015) e do Água: ou testamento
lírico a dias escassos (Ellenismos, 2019). Tem poemas publicados no blog
Leituras da Bel (Jornal O Povo) e na Antologia de Poemas Eróticos -
Mulheres Cearenses, nas
revistas Escamandro, Literatura BR, Diversos Afins, Gueto, Saúva e Olho de
Peixe (v. 3), além de ministrar cursos na área de Escrita Criativa, Dramaturgia
e Literatura Comparada. Também atuou nas peças teatrais Tudo ao mesmo tempo agora, Os
Demônios, Ensaio sobre Hamlet, O Despertar da Primavera - O musical,
entre outras, e nos filmes Ossos, Vando Vulgo Vedita e Iracema, mon amour, entre outros. Veja
mais aqui.
A FOTOGRAFIA DE SHINTARO SHIRATORI
PERNAMBUCULTURARTES
de que adianta esse pôster de madonna na / parede
da cozinha indicando de qual lado / estou se na papua nova guiné continuam / linchando
mulheres a quem chamam de bruxa / a papua pode até ser guiné mas nisso não / tem
nada de nova e se for para queimar uma / mulher por bruxaria que queimem logo
todas / de que adianta beyoncé avisando que vai sentar / o rabo na cara do boy
e de que adianta eu me / inspirar nisso para fazer igual ou parecido se na / papua
nova guiné sentam senhoras em telhas de / brasilit e com elas amordaçadas abrem
nacos de / carne e sangue que na foto escorria pelas rugas da / telha pelas
rugas das costas da mulher essa mulher / de cabelo curto e preto de costas na
foto parecia a / minha mãe eu perdi o controle não consegui mais / almoçar e
sei que não vou conseguir dormir mas / de que adianta minha insônia e meu jejum
e esse / poema se na papua nova guiné não iriam entendê-lo / e mesmo a
compreensão dele não salvaria a vida da / mulher e mesmo no brasil onde se pode
entendê-lo já / se sabe que poemas tal qual leis não mudam nada tudo / sobre
isso já foi legislado e dito em todas as línguas / também em português mas meu
deus / de que adiantaria meu silêncio? / de quem estaria meu silêncio a serviço?
Poema
sobre uma foto no huffington post, em 01
de novembro de 2015, da premiada fotógrafa, poeta e tradutora Adelaide Ivánova, que estudou jornalismo na Unicap e
fotografia na Ostkreuzschule,
em Berlim. Editou o zine anarcofeminista Mais porn PVFR e é autora dos livros
automoty (2014), Polaroides (2014), erste Lektionen in Hydrologie - und
andere Bemerkungen (2014), O martelo (2016) e 13 Nudes (2019).
A emparedada da
Rua Nova (1886), republicado entre os anos 1909-1912,
como folhetim no Jornal Pequeno, de Recife, pelo escritor Joaquim Maria Carneiro Vilela (1846-1913) aqui.
Hermilo Borba Filho e a dramaturgia: diálogos pernambucanos, organizado por Anco Márcio Tenório Vieira, João Denys
Araujo Leite e Luís Augusto Reis aqui.
A poesia da poeta
e artista visual Mariana de Matos
– Maré aqui.
A arte de João
Câmara aqui.
A fotografia do jornalista,
escritor e artista visual Chico Ludermir
aqui.
A música de Leandro Vaz aqui.
&
As trelas do Doro aqui.