CADA QUAL SEUS
PECADOS OCULTOS - (Imagem: The seven sins, by Lisbeth Hummel) – Todos
os dias, como sempre, ele se entregava às orações. Ao acordar ou de pijama pra
dormir, ele se ajoelhava aos pés da cama e desfiava contrito o seu novenário
eterno por rogos infindos. Segurava firme o crucifixo na volta do pescoço,
benzido por Frei Damião e pela catimbozeira Mãe Nanina – sua mãe verdadeira que
havia sob azeite quente no seu cocuruto, rezado forte a oração da cabra preta
com um sete-estrelo na testa, fechando seu corpo contra qualquer malefício. Só depois
disso que começava as suas atividades ou se deitava para roncar o sono dos
justos. Se fosse pra rua, só cruzava a porta com o pé direito, às benzeduras. Ao
voltar, colocava um joelho no chão e se benzia sete vezes para livrar-se de qualquer
emboscada dentro de seu próprio domicilio. Seguia à risca o que lhe ensinara
Mãe Nanina, só assim sabia a segurança de ter todos os seus pecados sempre
perdoados, com a devida proteção de nada lhe acometer em desgraça. As horas do
Ângelus eram consagradas com intermináveis preces, chovesse ou fizesse Sol. Antes
do café da manhã, almoço ou janta, louvava as graças do pão de cada dia. E toda
noite adentrava capela ou catedral que fosse, dedicando-se às súplicas da
cristandade, agradecendo ao seu protetor de batismo, São Benedito, e de
devoção, São Jorge, por júbilos de cânticos e hosanas nas alturas, o perdão dos
pecados e a proteção divina. Não desleixava nunca sua religiosidade, sempre se
benzendo com o beijo no crucifixo ao fechar algum negócio, cumprir alguma
tarefa ou ao passar diante de qualquer símbolo cristão. Tanto é que, contratado
por seus préstimos, antes de dar o primeiro passo, fazia o sinal da cruz e, só depois
e sua liturgia, preparava as estratégias para executar. Ao concluir qualquer
tarefa, se recolhia para fazer seu ato de contrição. Assim foi naquele dia,
como sempre fizera, ao sair para satisfazer o trato apalavrado. Ao se deparar
com o alvo, fez seu ritual e ficou de tocaia, pacientemente. No momento
propício, sacou com um beijo a arma do coldre e se dirigiu atenta e firmemente
para alvejar com um tiro na nuca aquele que era o objeto do seu ofício. A vítima
tombou já sem vida e ele seguiu tranquilamente a dar voltas e voltas pelos
quarteirões, até se recolher em segurança no local de sua hospedagem. Ao findar
a madrugada, nem esperava a alvorada e já seguia incólume, como sempre, o seu
rumo com a missão cumprida. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
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DESTAQUE: NÊNIA DE ABRIL
Sou um poeta obscuro.
Os meus companheiros são poetas obscuros.
Nosso país é o amor subterrâneo em sagração de interiores
catedrais.
Porquanto seja nosso pranto anônimo, choramos nossos
mortos sozinhos.
Nosso embalar ainda é canto inaudível nas praças e nas
avenidas do povo. Lambemos nossas feridas ignoradas e nossos cantos codificam
perdas.
Mas se o país é triste somos tristes porque é de nós
sofrer a aflição geral.
Somos cidadãos de um trágico país cuja desgraça ataca
sempre e cedo.
Antes que os nossos filhos denunciem o luto secular de
seus abris.
O que é melhor em nós desfaz-se em perda.
O que tocamos nos trai com seus punhais.
Perpetramos nosso sonho coletivo e o velamos, mas quando
tangemos é tarde demais.
Enfim quando se vai o que é do povo
Aqui na terra se depõe perto de nós.
É quando os obscuros cantam suas nênias
Para embalar o amado enquanto morto.
Sou um poeta obscuro.
Meus companheiros são poetas obscuros.
Nosso país é o amor.
Nênia de abril, música
que compus sobre poema de Sérgio Campos.
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CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Imagem: The Touch, by Lisbeth Hummel.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
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