domingo, fevereiro 22, 2015

ANA BOŽIČEVIĆ, FANNIE HURST, KATHERINE ANNE PORTER & ESCURIDÃO DA NOITE

 


ESCURIDÃO DA NOITE... -O que fiz do dia quando era noite e eu vivia o meio da tarde em plena primavera. Se eu não fosse até onde fui, da aurora ao crepúsculo, quase não viveria o que vivi na escuridão das horas. Estar em casa era como se vivesse num lugar ermo alienígena e não era mais que o cotidiano de todas as vivências. Se queria estar no trono do momento era como se o destronado soubesse a derrota do ser e estar vivo. O que fiz foi sonhar de olhos abertos por todos os umbrais, como se fosse festa e eu me regozijava assim mesmo. Era mentira e o que não era àquela altura do campeonato, desequilibrado e com a autoestima nos cafundós, sem apoio algum. Eu era o solo improvisado do jazz que não sabia onde finalmente ia dar, porque o xote era a espoleta, o baião o gatilho e tudo o mais não tinha graça alguma, porque se era festa não sabia e todos sorriam quando eu entristecia de vez. A festa era como estar na missa domingueira tão chata e não me dizia nada que servisse, como a professora da escola, que era meu sonho de homem que adolescia, mas só queria que me encolhesse com a prima hora da excitação. Se tivesse que sair vitorioso, melhor perder nas preliminares, o pior era a expectativa dos outros pelas possibilidades que sequer eu podia almejar, me faziam outro que não eu mesmo, subjugado às derrotas dos que não tivessem onde cair morto. Fui ousado e até dava um passo maior que a perna, mas quantos não tornaram pelo tropeço quando não tinham mais que a vontade sem talento. Venci ao meu modo, derrotado em todas as ocasiões públicas, porque exigiam de mim o que nunca fui nem quis ser, no meu esconderijo onde sou o que sou, na intimidade, na minha inutilidade, porque não tenho brilho pra vender, nem potencialidades geniais dos salvadores. Sou o que me cabe, pobre do que tenho e todas as forças ao Sol comigo e todas as coisas. As pessoas se veem sozinhas e eu que sou muitos e tantos que nem sei nem quem sou, de verdade. Se estou aqui é por ali ou acolá que vou, aquém ou além, quando quiser, adiante ou atrasado, pouco importa. Sou solo de guitarra, boa firula do contrabaixo, baticum de bateria, percurso sou além dos ouvidos e a canção é a voz que salta do coração e vai pra longe, onde é dia que amanheceu sem pedir licença, ou pela noite que chega quando o cansaço não deixa ver nada além da solidão. Sou vivo e quase morto entre mortos que querem viver e já morreram porque se mataram antes pela escolha da servidão. Sou vivo entre mortos que se acordaram ainda respirando para sucumbirem aos mandos dos que sequer são senhores de si e só sabem subjugar para o gozo de suas masturbações. Não ouvem o choro e a lamúria dos que sofrem, são crianças e mães que não sabem o que fazer e vendem suas vidas à primeira oferta. É desgraça demais para gozo dos que se aproveitam da miséria de muitos. Para este mundo de idolatria e orações pros falsos, sou a ruptura do que não pode mais vicejar sobre lágrimas e a dor de inocentes, porque a boiada desmiolada à beira do abismo não sabe se saltar é a salvação ou se entregam à degenerescência de ser mais vil sem à descendência ou consanguinidade. Os antepassados estão mortos e não há ninguém que nos sirva maternal. Deterioraram geral e o que resta à humanidade perdida e seus resquícios no íntimo mais inocente do sorriso de boa-fé, na mão espalmada sem as escusas alopradas, ou famélicas olhadas de que tudo está perdido no apocalipse da própria estupidez. Salvem-se a si próprios, não há mais nos agarrar. A correnteza devastadora está nos levando ao precipício abissal, olhem pra dentro de si, feche os olhos, sinta, não se deixe levar: é tudo uma ilusão com todas as falácias e platitudes. A verdade está dentro de você! Só você poderá salvar a si próprio e todos os demais. Depende de você, de mim, de nós, de todos. Veja mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - O passado nunca está onde você acha que o deixou... Toda vida que vale a pena ser vivida é difícil, ninguém nos prometeu felicidade; ela não é uma mercadoria que você ganhou, ou ganhará. É um subproduto de uma vida corajosa, e nunca vem na forma que esperamos, ou na estação que esperávamos, ou como resultado do nosso planejamento para ela... Cada geração deve entrar no mesmo velho carrossel, só que disfarçado com uma nova camada de tinta... Pensamento da escritora, jornalista e ativista estadunidense Katherine Anne Porter (1890-1980), que no livro Pale Horse, Pale Rider (Mariner Books, 1990), ela expressa que: […] A morte sempre deixa um cantor em luto. [...] A estrada para a morte é uma longa marcha cercada de todos os males, e o coração falha pouco a pouco a cada novo terror, os ossos se rebelam a cada passo, a mente cria sua própria resistência amarga e com que finalidade? As barreiras afundam uma a uma, e nenhuma cobertura dos olhos bloqueia a paisagem do desastre, nem a visão dos crimes cometidos ali. [...] Também no livro Ship of Fools (Back Bay Books, 1984), ela expressa que: […] As pessoas não conseguem ouvir nada, exceto quando é bobagem. Então elas ouvem cada palavra. Se você tenta falar sensatez, elas acham que você não quis dizer isso, ou que não sabe de nada mesmo, ou que não é verdade, ou que é contra a religião, ou que não é o que elas estão acostumadas a ler nos jornais... [...]. Já no livro The Never-Ending Wrong (Little, Brown & Co., 1977), ela expressa que: […] É uma verdade simples que a mente humana pode enfrentar melhor o governo mais opressivo, as restrições mais rígidas, do que a terrível perspectiva de um mundo sem lei e sem fronteiras. A liberdade é um intoxicante perigoso e muito poucas pessoas podem tolerá-la em qualquer quantidade; ela traz à tona os velhos instintos de invasão, opressão e assassinato; a raiva por vingança, por poder, a luxúria por derramamento de sangue. O anseio por liberdade assume a forma de esmagar o inimigo - sempre há o inimigo! - na terra; e onde e quem é o inimigo se não há um estabelecimento visível para atacar, para destruir com sangue e fogo? Lembre-se de toda aquela oratória quando a liberdade é ameaçada novamente. Liberdade, lembre-se, não é o mesmo que liberdade [...]. Veja mais aqui.

 

ALGUÉM FALOU: A arte transcende a guerra. A arte é a linguagem de Deus e a guerra é o latido dos homens. Beethoven é maior que a guerra... Prefiro me arrepender do que fiz do que do que não fiz... Não fico feliz quando escrevo, mas fico mais infeliz quando não escrevo... Algumas pessoas acham que valem muito dinheiro só porque o têm... Pensamento da escritora estadunidense Fannie Hurst (1889-1968), que na obra Imitation of Life (Duke University Press, 2004), ela expressa que: […] Nunca deve haver café derramado em seu pires, e seu milho deve sempre ser cortado da espiga para ele, e as meias devem ser dobradas do lado avesso, com a ponta do pé recuada para que ele possa calçá-las facilmente, e em dias chuvosos, quando meu pai caminhava até sua sede no Boardwalk Pier, deve haver jornal em suas borrachas para evitar possíveis vazamentos. [...]. Já no livro Back Street (Cosmopolitan, 1931), ela expressa que: [...] Certa noite, em um daqueles cafés Over-the-Rhine que eram abundantes na Vine Street, em Cincinnati, nos anos noventa, um vendedor ambulante se inclinou sobre sua caneca de Moerlein's Extra Light e acusou abertamente Ray Schmidt de ser inocente. [...]. Veja mais aqui e aqui.

 

A GUERRA NA PAUSA PRO ALMOÇO - O que é a guerra? Você não conseguir achar \ seu outro brinco de pérola escura e você não se importa, na verdade, só que: \ esse brinco é o teu irmão. Ele morreu,\ e só tinha um, você jamais\ vai ver ele de novo. O que é a guerra?\ Eterna apatridia.\ Poetisas que escrevem sobre rola,\ sem pensar em gênero. Meus amigos casados em Vegas\ bons velhos rapazes ou hipsters bateristas, só porque podiam, ou\ quando contemplo\ passar fome\ porque assim eu ficaria “um estouro”, ou. Desculpa\ não consigo parar de me virar & revirar. Meu ganha-pão aqui\ depende de gente que nunca provou da\ guerra, e se fazem de ofendidos quando você sai do trabalho\ no horário. Não que eu jamais tenha deitado escondida\ morrendo na vala, mas se eu tivesse, acho que\ entenderia muito da grama seca, o valor incrível que ela tem:\ só de ver os caules\ mexendo já bastaria.\ Queria ter tempo pra digitar isso,\ mas o dia todo lá estão eles espiando atrás do meu ombro.\ De fato\ sinto pena deles. Como deve ser\ se importar tanto com alguma coisa? Falar dia e noite\ a um deus-monitor, arrumar sua caixa de brinquedos antes de ir dormir:\ arranjar diplomas, ter interesses—\ isso é a antiguerra?\ É por isso que eu não consigo nem ler? Sei que tem guerra ao redor todo de mim,\ e dentro tem guerra: quem morreu, quem traiu,\ quando é que ela vai olhar pra mim daquele jeito,\ que idioma é este, espero que ninguém invada a casa e nos estupre.\ Nunca vejo a luz do sol.\ O sol no quintal é tão\ sem conteúdo, que ele quase sara.\ É uma série de câmaras\ em que me mostram\ o que de fato eu tenho: peso.\ Eletricidade. Uma sensação de equilíbrio. Isso basta?\ Não sei como encerrar:\ fadeout na grama? saída barata.\ Algo que alguma poetisa sexy diria, como\ “Os terroristas venceram, me acorde com um beijo”—\ pede bis, ergue a bota, mostre os peitos!\ estou cansada pra caralho do que é “sexy”\ ter que ser sexy, corpo de musa\ com a cara de lança-navios:\ não consigo ler porque estou morrendo, eis a verdade,\ prefiro apanhar este sol feito um cachorro.\ Você que dê um jeito de escapar desse saco de papel com teorias.\ O que é\ a guerra? Isto:\ sinto o sol mas fico perguntando o porquê. Poema da poeta croata Ana Božičević, autora dos livros Stars of the Night Commute (2009) e Rise in the Fall (2013).

 

CONTRIBUIÇÕES À DOUTRINA DO SOFRIMENTO DO MUNDO – Na obra Parerga e Paraliponema, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), especificamente no seu capítulo XII, dedicado ao tema das Contribuições à doutrina do sofrimento do mundo, traz as seguintes ideias:  [...] Se o sentido mais próximo e imediato de nossa vida não é o sofrimento, nossa existência é o maior contrassenso do mundo. Pois constitui um absurdo supor que a dor infinita, originária da necessidade essencial à vida, de que o mundo está pleno, é sem sentido e puramente acidental. Nossa receptividade para a dor é quase infinita, aquela para o prazer possui limites estreitos. Embora toda infelicidade individual apareça como exceção, a infelicidade em geral constitui a regra. [...] Quem deseja comprovar em poucos termos a afirmação de que no mundo o prazer ultrapassa a dor, ou ao menos que se mantém em equilíbrio, que compare a sensação do animal que devora um outro, com a deste outro [...] O consolo mais eficaz em toda infelicidade, em todo sofrimento, é observar os outros, que são ainda mais infelizes do que nós: e isto é possível a cada um. [...] A história nos mostra a vida dos povos, e nada encontra a não ser guerras e rebeliões para nos relatar; os anos de paz nos parecem apenas curtas pausas, entreatos, uma vez aqui e ali. E de igual maneira a vida do indivíduo é uma luta contínua, porém não somente metafórica, com a necessidade ou o tédio; mas também realmente com outros. Por toda parte ele encontra opositor, vive em constante luta, e morre de armas em punho. Também contribui para o tormento da nossa existência, e não pouco, o impelir do tempo, impedindo-nos de tomar folego, perseguindo todos qual algoz de açoute. Somente não o faz com aquele que se entregou ao tédio [...] Trabalho, aflição, esforço, e necessidade constituem durante toda a vida a sorte da maioria das pessoas. Porém se todos os desejos, apenas originados, já estivessem resolvidos, o que preencheria então a vida humana, com que se gastaria o tempo? Que se transfira o homem a um país utópico, em que tudo crescesse sem ser plantado, as pombas revoassem já assadas, e cada um encontrasse logo e sem dificuldade sua bem-amada. Ali em parte os homens morrerão de tédio ou se enforcarão, em parte promoverão guerras, massacres e assassinatos, para assim se proporcionar mais sofrimento do que o posto pela natureza. Portanto para uma tal espécie, como a humana, nenhum outro palco se presta, nenhuma outra existência. Veja mais aqui, aquiaqui e aqui.

Imagem Figura Feminina – escultura em bronze, do escultor ítalo-brasileiro Victor Brecheret (1894-1955). Veja mais aqui.

Ouvindo variações de God Save the King, do musicólogo, musicista e teórico alemão Johann Nikolaus Forkel (1749-1818), em recital da pianista Rebecca Cypes no Sara Levys Wold Music, Mason Gross School of the Arts in New Brunswixk, 2014.

SEGURA A ONÇA QUE EU SOU CAÇADOR DE PREÁ – No livro Os mágicos municipais (José Olympio, 1984), o escritor, advogado e jornalista José Cândido de Carvalho (1914-1989), traz a narrativa Segura a onça que eu sou caçador de preá, no qual podemos acompanhar o que segue: Não passava de um modesto caçador de preá. Era Bentinho Alves, dos Alves de Arió do Pará. Em dia de semana gastava os olhos no pilulador da Farmácia Brito. Em tempo de feriado consumia as vistas no rasto das preás. Até que resolveu caçar bicho de maior escama: - Comigo agora é na onça! Ou mais que onça! Na tal da pantera negra. Foi quando deu em Arió do Pará um doutor de erva aparelhado para fazer os maiores serviços de mato adentro. Mediante uns trocados, o curandeiro botava macaco para desgosta de banana e tamanduá correr com perna de coelho. Bentinho, exagerado, mandou que o especial em erva preparasse simpatia capaz de fazer morrer na pólvora de sua espingarda as caças mais grossas, coisa assim no montante de uma capivara de banhado ou uma onça das mais pintadas. E no ardume do entusiasmo: - Ou mais! É aparecer e morrer. O curandeiro tirou uma baforada do covil dos peitos e mandou que Bentinho largasse no rodapé do arvoredo mais galhoso uma figa de guiné de sociedade com fumo de rolo e pó de unha de tatu. Bentinho não fez outra coisa. E montado nessa simpatia, uma quinzena adiante, o aprendiz de botica entrava no mato. E bem não tinha dado meia dúzia de passos já o trabalho do curandeiro fazia efeito na forma de uma onçona de três metros de barriga por quatro de raiva. Bentinho, diante daquela montanha de carne e pelo, largou a espingarda para subir de lagartixa pelo primeiro pé de pau que encontrou na alça de mira. E enquanto subia Bentinho falava para Bentinho: - Curandeiro exagerado! Isso não é onça para aprendiz de farmácia. Isso é onça para doutor formado. Ou mais! E voltou para sua caça miúda de preá.  Veja mais aquiaqui.


BESTIÁRIO ALAGOANO – Uma das pessoas que mais admiro na terra alagoana é a da pessoa do jornalista, advogado e publicitário Iremar Marinho. Figura ativa, expoente do melhor das Alagoas, ele edita o extraordinário blog Bestiário Alagoano do qual sou constante apreciador. Além disso é conveniente mencionar que se trata de um excelente poeta. E dele destaco o seu Poema Improvável, entre tantos que muito aprecio de sua lavra, principalmente o II: Viver é sempre desdenhar a morte, / a que vence todos os torneios, / aquela adversária desonesta, / detentora de segredos, / aquela que faz jorrar / o sangue dos contendores, / aquela que abate toda / ansiedade do poema, / que destrói covardemente / toda teima de viver. /Oh! Morte! Basta! Veja mais aquiaqui.


O FANTASMA DA LIBERDADE – Outros dos filmes da minha predileção é O Fantasma da Liberdade (Le Fantôme de la liberte, 1974), do cineasta espanhol Luís Buñuel (1900-1983). Trata-se de uma comédia dramática, com história dividida em 14 capítulos e que são unidos por uma personagem diferente, estrelado por Adriana Asti, Julien Bertheau e Jean-Claude Brialy. Tudo começa em Toledo com uma guerra, depois uma série de quadros vão mudando as cenas em situações surreais e sem narrativa em especial, com muitas situações marcantes, como a da senhora de meia idade que não quer ser vista nua, mas que o jovem lhe puxa os lençóis para revelação de um corpo de adolescente, bem como aquela dos convidados de um jantar sentados em vasos sanitários, definindo a genialidade e o espírito libertário do cineasta. Veja mais aqui, aquiaqui.



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