ESCURIDÃO DA
NOITE... -O que fiz do dia quando era noite e eu vivia o meio da tarde em plena
primavera. Se eu não fosse até onde fui, da aurora ao crepúsculo, quase não
viveria o que vivi na escuridão das horas. Estar em casa era como se vivesse
num lugar ermo alienígena e não era mais que o cotidiano de todas as vivências.
Se queria estar no trono do momento era como se o destronado soubesse a derrota
do ser e estar vivo. O que fiz foi sonhar de olhos abertos por todos os umbrais,
como se fosse festa e eu me regozijava assim mesmo. Era mentira e o que não era
àquela altura do campeonato, desequilibrado e com a autoestima nos cafundós,
sem apoio algum. Eu era o solo improvisado do jazz que não sabia onde
finalmente ia dar, porque o xote era a espoleta, o baião o gatilho e tudo o
mais não tinha graça alguma, porque se era festa não sabia e todos sorriam
quando eu entristecia de vez. A festa era como estar na missa domingueira tão
chata e não me dizia nada que servisse, como a professora da escola, que era
meu sonho de homem que adolescia, mas só queria que me encolhesse com a prima
hora da excitação. Se tivesse que sair vitorioso, melhor perder nas preliminares,
o pior era a expectativa dos outros pelas possibilidades que sequer eu podia
almejar, me faziam outro que não eu mesmo, subjugado às derrotas dos que não tivessem
onde cair morto. Fui ousado e até dava um passo maior que a perna, mas quantos
não tornaram pelo tropeço quando não tinham mais que a vontade sem talento. Venci
ao meu modo, derrotado em todas as ocasiões públicas, porque exigiam de mim o
que nunca fui nem quis ser, no meu esconderijo onde sou o que sou, na intimidade,
na minha inutilidade, porque não tenho brilho pra vender, nem potencialidades
geniais dos salvadores. Sou o que me cabe, pobre do que tenho e todas as forças
ao Sol comigo e todas as coisas. As pessoas se veem sozinhas e eu que sou
muitos e tantos que nem sei nem quem sou, de verdade. Se estou aqui é por ali
ou acolá que vou, aquém ou além, quando quiser, adiante ou atrasado, pouco
importa. Sou solo de guitarra, boa firula do contrabaixo, baticum de bateria,
percurso sou além dos ouvidos e a canção é a voz que salta do coração e vai pra
longe, onde é dia que amanheceu sem pedir licença, ou pela noite que chega
quando o cansaço não deixa ver nada além da solidão. Sou vivo e quase morto
entre mortos que querem viver e já morreram porque se mataram antes pela
escolha da servidão. Sou vivo entre mortos que se acordaram ainda respirando
para sucumbirem aos mandos dos que sequer são senhores de si e só sabem
subjugar para o gozo de suas masturbações. Não ouvem o choro e a lamúria dos
que sofrem, são crianças e mães que não sabem o que fazer e vendem suas vidas à
primeira oferta. É desgraça demais para gozo dos que se aproveitam da miséria
de muitos. Para este mundo de idolatria e orações pros falsos, sou a ruptura do
que não pode mais vicejar sobre lágrimas e a dor de inocentes, porque a boiada
desmiolada à beira do abismo não sabe se saltar é a salvação ou se entregam à
degenerescência de ser mais vil sem à descendência ou consanguinidade. Os antepassados
estão mortos e não há ninguém que nos sirva maternal. Deterioraram geral e o
que resta à humanidade perdida e seus resquícios no íntimo mais inocente do
sorriso de boa-fé, na mão espalmada sem as escusas alopradas, ou famélicas
olhadas de que tudo está perdido no apocalipse da própria estupidez. Salvem-se
a si próprios, não há mais nos agarrar. A correnteza devastadora está nos
levando ao precipício abissal, olhem pra dentro de si, feche os olhos, sinta,
não se deixe levar: é tudo uma ilusão com todas as falácias e platitudes. A verdade
está dentro de você! Só você poderá salvar a si próprio e todos os demais. Depende
de você, de mim, de nós, de todos. Veja mais aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS - O passado nunca está onde você acha que o deixou...
Toda vida que vale a pena ser vivida é difícil, ninguém nos prometeu felicidade; ela não é uma
mercadoria que você ganhou, ou ganhará. É um
subproduto de uma vida corajosa, e nunca vem na forma que esperamos, ou na
estação que esperávamos, ou como resultado do nosso planejamento para ela...
Cada geração deve entrar no mesmo velho carrossel, só que disfarçado com uma
nova camada de tinta... Pensamento da escritora,
jornalista e ativista estadunidense Katherine Anne Porter
(1890-1980), que no livro Pale Horse, Pale Rider (Mariner Books, 1990), ela expressa que: […] A morte sempre deixa um cantor em luto.
[...] A estrada para a morte é uma longa marcha cercada de todos os males, e
o coração falha pouco a pouco a cada novo terror, os ossos se rebelam a cada
passo, a mente cria sua própria resistência amarga e com que finalidade? As barreiras
afundam uma a uma, e nenhuma cobertura dos olhos bloqueia a paisagem do
desastre, nem a visão dos crimes cometidos ali. [...] Também no livro Ship of Fools (Back Bay Books, 1984),
ela expressa que: […] As pessoas não
conseguem ouvir nada, exceto quando é bobagem. Então elas
ouvem cada palavra. Se você tenta
falar sensatez, elas acham que você não quis dizer isso, ou que não sabe de
nada mesmo, ou que não é verdade, ou que é contra a religião, ou que não é o
que elas estão acostumadas a ler nos jornais... [...]. Já no livro The
Never-Ending Wrong (Little, Brown & Co., 1977), ela
expressa que: […] É uma verdade simples
que a mente humana pode enfrentar melhor o governo mais opressivo, as
restrições mais rígidas, do que a terrível perspectiva de um mundo sem lei e
sem fronteiras. A liberdade é
um intoxicante perigoso e muito poucas pessoas podem tolerá-la em qualquer
quantidade; ela traz à
tona os velhos instintos de invasão, opressão e assassinato; a raiva por
vingança, por poder, a luxúria por derramamento de sangue. O anseio por
liberdade assume a forma de esmagar o inimigo - sempre há o inimigo! - na terra; e onde e quem
é o inimigo se não há um estabelecimento visível para atacar, para destruir com
sangue e fogo? Lembre-se de
toda aquela oratória quando a liberdade é ameaçada novamente. Liberdade,
lembre-se, não é o mesmo que liberdade [...]. Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: A arte
transcende a guerra. A arte é a linguagem de Deus e a guerra é o latido dos
homens. Beethoven é maior que a guerra... Prefiro me arrepender do que fiz do
que do que não fiz... Não fico feliz quando escrevo, mas fico mais infeliz
quando não escrevo... Algumas pessoas acham que valem muito dinheiro só porque
o têm... Pensamento da
escritora estadunidense Fannie Hurst (1889-1968), que na obra Imitation of
Life (Duke
University Press, 2004), ela expressa que: […] Nunca deve haver café derramado em seu pires, e seu milho deve sempre ser
cortado da espiga para ele, e as meias devem ser dobradas do lado avesso, com a
ponta do pé recuada para que ele possa calçá-las facilmente, e em dias
chuvosos, quando meu pai caminhava até sua sede no Boardwalk Pier, deve haver
jornal em suas borrachas para evitar possíveis vazamentos. [...]. Já no livro Back Street (Cosmopolitan, 1931),
ela expressa que: [...] Certa noite, em um
daqueles cafés Over-the-Rhine que eram abundantes na Vine Street, em
Cincinnati, nos anos noventa, um vendedor ambulante se inclinou sobre sua
caneca de Moerlein's Extra Light e acusou abertamente Ray Schmidt de ser
inocente. [...]. Veja mais
aqui e aqui.
A GUERRA NA PAUSA PRO ALMOÇO - O que é a guerra? Você não conseguir achar \
seu outro brinco de pérola escura e você não se importa, na verdade, só que: \ esse
brinco é o teu irmão. Ele morreu,\ e só tinha um, você jamais\ vai ver ele de
novo. O que é a guerra?\ Eterna apatridia.\ Poetisas que escrevem sobre rola,\ sem
pensar em gênero. Meus amigos casados em Vegas\ bons velhos rapazes ou hipsters
bateristas, só porque podiam, ou\ quando contemplo\ passar fome\ porque assim eu
ficaria “um estouro”, ou. Desculpa\ não consigo parar de me virar & revirar.
Meu ganha-pão aqui\ depende de gente que nunca provou da\ guerra, e se fazem de
ofendidos quando você sai do trabalho\ no horário. Não que eu jamais tenha
deitado escondida\ morrendo na vala, mas se eu tivesse, acho que\ entenderia
muito da grama seca, o valor incrível que ela tem:\ só de ver os caules\ mexendo
já bastaria.\ Queria ter tempo pra digitar isso,\ mas o dia todo lá estão eles
espiando atrás do meu ombro.\ De fato\ sinto pena deles. Como deve ser\ se
importar tanto com alguma coisa? Falar dia e noite\ a um deus-monitor, arrumar
sua caixa de brinquedos antes de ir dormir:\ arranjar diplomas, ter interesses—\
isso é a antiguerra?\ É por isso que eu não consigo nem ler? Sei que tem guerra
ao redor todo de mim,\ e dentro tem guerra: quem morreu, quem traiu,\ quando é
que ela vai olhar pra mim daquele jeito,\ que idioma é este, espero que ninguém
invada a casa e nos estupre.\ Nunca vejo a luz do sol.\ O sol no quintal é tão\
sem conteúdo, que ele quase sara.\ É uma série de câmaras\ em que me mostram\ o
que de fato eu tenho: peso.\ Eletricidade. Uma sensação de equilíbrio. Isso
basta?\ Não sei como encerrar:\ fadeout na grama? saída barata.\ Algo que
alguma poetisa sexy diria, como\ “Os terroristas venceram, me acorde com um
beijo”—\ pede bis, ergue a bota, mostre os peitos!\ estou cansada pra caralho
do que é “sexy”\ ter que ser sexy, corpo de musa\ com a cara de lança-navios:\ não
consigo ler porque estou morrendo, eis a verdade,\ prefiro apanhar este sol
feito um cachorro.\ Você que dê um jeito de escapar desse saco de papel com
teorias.\ O que é\ a guerra? Isto:\ sinto o sol mas fico perguntando o porquê. Poema da poeta croata Ana Božičević,
autora dos livros Stars of the
Night Commute (2009) e Rise
in the Fall (2013).