OS DEMÔNIOS DE
ANNELIESE... – Aquela linda adolescente vivia do trabalho na serraria dos pais. Era bondosa, doce, amorosa. Mas era
governada pelo medo, pois havia um segredo olvidado: uma irmã ilegítima e a mãe
vestida de negro no casamento. A irmã morreu e ela foi obrigada a expiar os pecados
da mãe na sua fervorosa devoção. Estava cercada pelo pecado, quando queria livrar-se
deles. Peregrinava por lugares ditos “santos” recusando-se ao crucifixo ou
águas sagradas. Obcecada, ela dormia nua sobre pedras para remissão dos pecados
da sua mãe e dos viciados em drogas. Acusaram-na de possessão demoníaca. De
repente teve convulsões, tinha alucinações enquanto rezava. Foi internada por
um ano porque o que era tido por “sagrado”, para ela, "cheirava como o próprio
inferno". Foi diagnosticada com epilepsia e jamais fora medicada. A depressão
levou-a a ouvir vozes condenando-a a apodrecer no inferno. Estava prestes ao
suicídio e com o diagnóstico do “Grande Mal”. Rasgava suas roupas e andava nua
pela casa. Bebia sua própria urina, alimentando-se de carvão e insetos. Foi
internada em um hospital psiquiátrico e frustrou-se com a intervenção médica:
cada vez mais piorava. Tratada à base de antipsicóticos, dizia estar vítima de
uma possessão demoníaca. Tornou-se intolerante aos lugares e objetos ditos
“sagrados”, repudiava qualquer imagem de Jesus. Veio a terceira convulsão no
hospital, os médicos prescreveram uma droga desconhecida e antoconvulsivante. Nenhum
alívio para sua dor. Encarava as faces do diabo com o que ela dizia ser seu
distúrbio espiritual. Recorreu ao exorcismo, enquanto aplicavam-lhe drogas para
tratamento de psicoses diversas, todos ineficazes. Outra droga antiepiléptica
lhe foi ministrada. O bispo – o mesmo que um dia consagrou Ratzinger - concedeu
a permissão ao Rituale Romanum de 1614 e que tudo corresse em sigilo.
Sua vida nas mãos dos ritos e foi submetida a diversos rituais de exorcismo por
conta de estar possuída por uma legião de demônios, todas ministradas por
padres. Sessenta e sete sessões, duas por semana, dez meses de sacrifício e
brutalidade: pendurada de cabeça
pra baixo, quando não acorrentada a uma cadeira. Quarenta e duas horas
ininterruptas de sessão. Ela se ajoelhava seiscentas vezes por dia até romper
os ligamentos dos joelhos, arrastando-se a latir como um cão, uivando por dias.
Comeu a cabeça de um pássaro morto, até ficar trancada sem dormir nem comer nem
beber. Rosnava, xingava, jejuando na crença de salvar-se daquele suplício. Recusou-se a
comer preferindo a morte para expiar a sua juventude rebelde. Recusou-se da
vida aos gritos: Morrer
para expiar os jovens rebeldes da época e os padres apóstatas da igreja moderna...
De
que adiantavam os médicos – não havia medicação eficaz, diziam eles. Desnutrida,
desidratada, esquelética, agressiva, quase prestes à inanição, foi levada à
indução doutrinária – afinal, argumento da defesa dos pais: a Constituição
alemã protegia o exercício irrestrito das crenças religiosas. Causa mortis:
desnutrição. E ela só queria, desde garotinha, cumprir penitências para
compensar os supostos pecados da mãe. Uma tuberculose: vítima de padres
católicos e de pais fanáticos religiosos, condenados por homicídio negligente: Deus
nos disse para exorcizar os demônios de minha filha. Eu não me arrependo de sua
morte... Uma freira carmelita sonhara que o corpo dela estava intacto, o
que, para ela, provava o suposto caso sobrenaturalista. Exumaram o corpo em
avançado estado de decomposição: sumiram as fotos da exumação. Negligência
médica, fanatismo religioso. Sequer
ouviu-se a súplica antes de morrer: Mãe, estou com medo... E a cidade se
envergonhava. Palavras da mãe depois à imprensa: Eu sei que fiz a coisa
certa, porque eu vi o sinal de Cristo em suas mãos. Ela estava tendo feridas e
isso foi um sinal de Deus para exorcizarmos seus demônios. Ela morreu para
salvar outras almas perdidas, para expiar seus pecados... Outros fanáticos ainda
hoje acreditam que ela poderá salvar a humanidade. Ah, esse o
verdadeiro réquiem de Anneliese, a vítima do Caso Klingebberg – (Anna
Elisabeth Michel (1952-1976). Veja mais aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS - Discriminação e múltiplas privações de direitos humanos também são
frequentemente parte do problema, sentenciando populações inteiras à pobreza...
É certamente um motivo de indignação que mais de meio milhão de mulheres morram
anualmente de complicações relacionadas à gravidez e ao parto. Isso é quase
metade do número anual de mortes globais e, sem dúvida, um reflexo direto do
desempoderamento das mulheres na vida social, econômica e política. Pensamento da
jurista sul-africana Navi Pillay (Navanethem Pillay), que durante
28 anos foi advogada na defesa das causas ativistas anti-Apartheid.
ALGUÉM FALOU: As
atitudes das pessoas sobre o sexo não são saudáveis em nenhum lugar, exceto
talvez naquelas tribos onde elas andam nuas. O que você pode ver como
depravação é, para mim, apenas outro aspecto da condição humana. Pensamento
da atriz, cantora, modelo, roteirista e cineasta italiana Asia Argento (Asia
Aria Maria Vittoria Rossa Argento).
VIDA &
MORTE DAS CIDADES - [...] As cidades têm a capacidade de fornecer algo para todos,
somente porque, e somente quando, são criadas por todos. [...] Por sua natureza, a metrópole
proporciona o que de outra forma só poderia ser proporcionado por meio de
viagens: o estranho. [...] Uma rua da cidade equipada para lidar com
estranhos e para fazer um ativo de segurança, em si, da presença de estranhos,
como as ruas de bairros urbanos bem-sucedidos sempre fazem, deve ter três
qualidades principais: Primeiro, deve haver uma demarcação clara entre o que é
espaço público e o que é espaço privado. Espaços públicos e privados não podem se infiltrar um no outro como normalmente
acontece em ambientes suburbanos ou em projetos. Segundo, deve haver olhos na
rua, olhos pertencentes àqueles que poderíamos chamar de proprietários naturais
da rua. Os edifícios em uma rua equipada para lidar com
estranhos e garantir a segurança de moradores e estranhos devem ser orientados
para a rua. Eles não
podem virar as costas ou deixar os lados em branco para ela e deixá-la cega. E
terceiro, a calçada deve ter usuários nela de forma bastante contínua, tanto
para aumentar o número de olhos efetivos na rua quanto para induzir as pessoas
em edifícios ao longo da rua a vigiar as calçadas em números suficientes. Ninguém gosta de sentar em uma varanda ou olhar pela
janela para uma rua vazia. Quase ninguém
faz uma coisa dessas. Um grande
número de pessoas se diverte, de vez em quando, observando as atividades de rua. [...] Existe uma qualidade ainda mais
mesquinha do que a feiura ou a desordem, e essa qualidade ainda mais mesquinha
é a máscara desonesta de uma ordem fingida, alcançada ao ignorar ou suprimir a
ordem real que está lutando para existir e ser servida. [...] Não há
lógica que possa ser sobreposta à cidade; as pessoas a fazem, e é a elas, não aos edifícios, que devemos adequar
nossos planos. [...]. Trechos extraídos da obra The Death and Life of Great
American Cities (Vintage, 1992),
da jornalista, escritora e ativista estadunidense Jane Jacobs (Jane Butzner
Jacobs – 1916-2006).
HOMO SAPIENS – [...] O mundo real me cumprimenta. O mundo real chega todos os dias e o mundo real dói [...]. Trecho
extraído da obra Homo sapienne (Peuplade, 2014),
da escritora groenlandesa Niviaq Korneliussen, que ainda se expressa:
Algumas pessoas estão
destinadas a mudar o mundo. Elas dão amor. Elas têm o
poder de perdoar. Elas
trabalham duro pelo que acreditam. Elas ganham a atenção do público. Elas são as poucas pessoas úteis para a sociedade. Essas pessoas devem ser apoiadas, pois são as que são
valiosas e têm algo a retribuir. Depois, há todo o resto que deve apoiar os poucos. Essas pessoas devem se sacrificar para que os bons possam
ter sucesso na vida. Muito
estúpido da minha parte pensar que eu era o primeiro tipo de pessoa. Eu sou o segundo tipo.
AS PEQUENAS
HORAS - Um joyrider rasga Lockland. \ Demora apenas cinco minutos \ para
um helicóptero da esquadra \ para mergulhar e girar sobre gramados \ e duas
linhas opostas de carros \ Estacionado inocentemente confortável para a
calçada. \ Ainda não o encontraram. \ A cada dois minutos ou assim, \ Minhas
persianas em luz ultrajante \ e o helicóptero transporta seu drone \ e briga
por todo o meu quintal. \ Há um ventilador sobre a minha cama \ que diz coisas
semelhantes no verão: \ Adages, reprovante e retórica. \ Eu falo demais; dou
muito longe. \ Ao murmurar minha empresa, eu considero \ um duplo pagamento:
alguns eco; \ sendo descoberto, consequência. \ Eu minto-me baixo. Os minutos
incham. \ Ele deve estar lá em algum lugar, \ luzes desligadas, agachadas e
empacotadas, \ pé dentro de uma polegada do início. \ Eu puxo o consolador
sobre meus ouvidos, \ conte até quarenta e dois, depois comece de cima. \ Estou
a tentar, a esforçar-me, a prender a respiração. Poema da poeta irlandesa Vona
Groarke.
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