quinta-feira, fevereiro 12, 2015

VONA GROARKE, JANE JACOBS, NIVIAQ KORNELIUSSEN, NAVI PILLAY & ASIA ARGENTO

 


OS DEMÔNIOS DE ANNELIESE... – Aquela linda adolescente vivia do trabalho na serraria dos pais. Era bondosa, doce, amorosa. Mas era governada pelo medo, pois havia um segredo olvidado: uma irmã ilegítima e a mãe vestida de negro no casamento. A irmã morreu e ela foi obrigada a expiar os pecados da mãe na sua fervorosa devoção. Estava cercada pelo pecado, quando queria livrar-se deles. Peregrinava por lugares ditos “santos” recusando-se ao crucifixo ou águas sagradas. Obcecada, ela dormia nua sobre pedras para remissão dos pecados da sua mãe e dos viciados em drogas. Acusaram-na de possessão demoníaca. De repente teve convulsões, tinha alucinações enquanto rezava. Foi internada por um ano porque o que era tido por “sagrado”, para ela, "cheirava como o próprio inferno". Foi diagnosticada com epilepsia e jamais fora medicada. A depressão levou-a a ouvir vozes condenando-a a apodrecer no inferno. Estava prestes ao suicídio e com o diagnóstico do “Grande Mal”. Rasgava suas roupas e andava nua pela casa. Bebia sua própria urina, alimentando-se de carvão e insetos. Foi internada em um hospital psiquiátrico e frustrou-se com a intervenção médica: cada vez mais piorava. Tratada à base de antipsicóticos, dizia estar vítima de uma possessão demoníaca. Tornou-se intolerante aos lugares e objetos ditos “sagrados”, repudiava qualquer imagem de Jesus. Veio a terceira convulsão no hospital, os médicos prescreveram uma droga desconhecida e antoconvulsivante. Nenhum alívio para sua dor. Encarava as faces do diabo com o que ela dizia ser seu distúrbio espiritual. Recorreu ao exorcismo, enquanto aplicavam-lhe drogas para tratamento de psicoses diversas, todos ineficazes. Outra droga antiepiléptica lhe foi ministrada. O bispo – o mesmo que um dia consagrou Ratzinger - concedeu a permissão ao Rituale Romanum de 1614 e que tudo corresse em sigilo. Sua vida nas mãos dos ritos e foi submetida a diversos rituais de exorcismo por conta de estar possuída por uma legião de demônios, todas ministradas por padres. Sessenta e sete sessões, duas por semana, dez meses de sacrifício e brutalidade: pendurada de cabeça pra baixo, quando não acorrentada a uma cadeira. Quarenta e duas horas ininterruptas de sessão. Ela se ajoelhava seiscentas vezes por dia até romper os ligamentos dos joelhos, arrastando-se a latir como um cão, uivando por dias. Comeu a cabeça de um pássaro morto, até ficar trancada sem dormir nem comer nem beber. Rosnava, xingava, jejuando na crença de salvar-se daquele suplício. Recusou-se a comer preferindo a morte para expiar a sua juventude rebelde. Recusou-se da vida aos gritos: Morrer para expiar os jovens rebeldes da época e os padres apóstatas da igreja moderna... De que adiantavam os médicos – não havia medicação eficaz, diziam eles. Desnutrida, desidratada, esquelética, agressiva, quase prestes à inanição, foi levada à indução doutrinária – afinal, argumento da defesa dos pais: a Constituição alemã protegia o exercício irrestrito das crenças religiosas. Causa mortis: desnutrição. E ela só queria, desde garotinha, cumprir penitências para compensar os supostos pecados da mãe. Uma tuberculose: vítima de padres católicos e de pais fanáticos religiosos, condenados por homicídio negligente: Deus nos disse para exorcizar os demônios de minha filha. Eu não me arrependo de sua morte... Uma freira carmelita sonhara que o corpo dela estava intacto, o que, para ela, provava o suposto caso sobrenaturalista. Exumaram o corpo em avançado estado de decomposição: sumiram as fotos da exumação. Negligência médica, fanatismo religioso. Sequer ouviu-se a súplica antes de morrer: Mãe, estou com medo... E a cidade se envergonhava. Palavras da mãe depois à imprensa: Eu sei que fiz a coisa certa, porque eu vi o sinal de Cristo em suas mãos. Ela estava tendo feridas e isso foi um sinal de Deus para exorcizarmos seus demônios. Ela morreu para salvar outras almas perdidas, para expiar seus pecados... Outros fanáticos ainda hoje acreditam que ela poderá salvar a humanidade. Ah, esse o verdadeiro réquiem de Anneliese, a vítima do Caso Klingebberg – (Anna Elisabeth Michel (1952-1976). Veja mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Discriminação e múltiplas privações de direitos humanos também são frequentemente parte do problema, sentenciando populações inteiras à pobreza... É certamente um motivo de indignação que mais de meio milhão de mulheres morram anualmente de complicações relacionadas à gravidez e ao parto. Isso é quase metade do número anual de mortes globais e, sem dúvida, um reflexo direto do desempoderamento das mulheres na vida social, econômica e política. Pensamento da jurista sul-africana Navi Pillay (Navanethem Pillay), que durante 28 anos foi advogada na defesa das causas ativistas anti-Apartheid.

 

ALGUÉM FALOU: As atitudes das pessoas sobre o sexo não são saudáveis em nenhum lugar, exceto talvez naquelas tribos onde elas andam nuas. O que você pode ver como depravação é, para mim, apenas outro aspecto da condição humana. Pensamento da atriz, cantora, modelo, roteirista e cineasta italiana Asia Argento (Asia Aria Maria Vittoria Rossa Argento).

 

VIDA & MORTE DAS CIDADES - [...] As cidades têm a capacidade de fornecer algo para todos, somente porque, e somente quando, são criadas por todos. [...] Por sua natureza, a metrópole proporciona o que de outra forma só poderia ser proporcionado por meio de viagens: o estranho. [...] Uma rua da cidade equipada para lidar com estranhos e para fazer um ativo de segurança, em si, da presença de estranhos, como as ruas de bairros urbanos bem-sucedidos sempre fazem, deve ter três qualidades principais: Primeiro, deve haver uma demarcação clara entre o que é espaço público e o que é espaço privado. Espaços públicos e privados não podem se infiltrar um no outro como normalmente acontece em ambientes suburbanos ou em projetos. Segundo, deve haver olhos na rua, olhos pertencentes àqueles que poderíamos chamar de proprietários naturais da rua. Os edifícios em uma rua equipada para lidar com estranhos e garantir a segurança de moradores e estranhos devem ser orientados para a rua. Eles não podem virar as costas ou deixar os lados em branco para ela e deixá-la cega. E terceiro, a calçada deve ter usuários nela de forma bastante contínua, tanto para aumentar o número de olhos efetivos na rua quanto para induzir as pessoas em edifícios ao longo da rua a vigiar as calçadas em números suficientes. Ninguém gosta de sentar em uma varanda ou olhar pela janela para uma rua vazia. Quase ninguém faz uma coisa dessas. Um grande número de pessoas se diverte, de vez em quando, observando as atividades de rua. [...] Existe uma qualidade ainda mais mesquinha do que a feiura ou a desordem, e essa qualidade ainda mais mesquinha é a máscara desonesta de uma ordem fingida, alcançada ao ignorar ou suprimir a ordem real que está lutando para existir e ser servida. [...] Não há lógica que possa ser sobreposta à cidade; as pessoas a fazem, e é a elas, não aos edifícios, que devemos adequar nossos planos. [...]. Trechos extraídos da obra The Death and Life of Great American Cities (Vintage, 1992), da jornalista, escritora e ativista estadunidense Jane Jacobs (Jane Butzner Jacobs – 1916-2006).

 

HOMO SAPIENS – [...] O mundo real me cumprimenta. O mundo real chega todos os dias e o mundo real dói [...]. Trecho extraído da obra Homo sapienne (Peuplade, 2014), da escritora groenlandesa Niviaq Korneliussen, que ainda se expressa: Algumas pessoas estão destinadas a mudar o mundo. Elas dão amor. Elas têm o poder de perdoar. Elas trabalham duro pelo que acreditam. Elas ganham a atenção do público. Elas são as poucas pessoas úteis para a sociedade. Essas pessoas devem ser apoiadas, pois são as que são valiosas e têm algo a retribuir. Depois, há todo o resto que deve apoiar os poucos. Essas pessoas devem se sacrificar para que os bons possam ter sucesso na vida. Muito estúpido da minha parte pensar que eu era o primeiro tipo de pessoa. Eu sou o segundo tipo.

 

AS PEQUENAS HORAS - Um joyrider rasga Lockland. \ Demora apenas cinco minutos \ para um helicóptero da esquadra \ para mergulhar e girar sobre gramados \ e duas linhas opostas de carros \ Estacionado inocentemente confortável para a calçada. \ Ainda não o encontraram. \ A cada dois minutos ou assim, \ Minhas persianas em luz ultrajante \ e o helicóptero transporta seu drone \ e briga por todo o meu quintal. \ Há um ventilador sobre a minha cama \ que diz coisas semelhantes no verão: \ Adages, reprovante e retórica. \ Eu falo demais; dou muito longe. \ Ao murmurar minha empresa, eu considero \ um duplo pagamento: alguns eco; \ sendo descoberto, consequência. \ Eu minto-me baixo. Os minutos incham. \ Ele deve estar lá em algum lugar, \ luzes desligadas, agachadas e empacotadas, \ pé dentro de uma polegada do início. \ Eu puxo o consolador sobre meus ouvidos, \ conte até quarenta e dois, depois comece de cima. \ Estou a tentar, a esforçar-me, a prender a respiração. Poema da poeta irlandesa Vona Groarke.

 

SACADOUTRAS

 

PEGADA DE CARBONO – Em matéria assinada por Beatriz Maria Phillippi, as crianças estão promovendo a distribuição de material atinente à pegada de carbono que significa o rastro de CO2 que nós produzimos na nossa vida diária, pois para viver consumimos energia e estamos, de alguma maneira, contribuindo para o aumento de CO2 na atmosfera. Consequentemente estamos causando um impacto no meio ambiente. Em vista disso se faz necessária a realização de uma pegada ecológica que compara o consumo de recursos da terra pela população com a capacidade do planeta de se regenerar. No entanto, estamos atualmente consumindo mais do que a Terra consegue recuperar, ou seja, a pegada ecológica da Terra está 23% acima da capacidade. E para regenerar o que nós consumimos em um ano precisaremos de mais um ano e dois meses para tal. O que fazer? Você pode fazer algumas coisas, por exemplo: deixe o carro em casa, poupe energia, separe lixo, contribua com projetos que visem reduzir as emissões de carbono e evite imprimir desnecessariamente. As crianças estão no nosso pé para que tenhamos uma pegada ecológica. Até o Nitolino já entrou na campanha exigindo que os adultos adotem atitudes positivas pesquisando e se informando a respeito. O planeta é nosso, vamos ajudar a preservá-lo. Veja mais aqui.

Imagem: Oración (óleo sobre tela) do artista plástico soviético Kazimir Malevich (1978-1935)

Ouvindo: Interregno (1980), do compositor, escritor e escultor suíço Anton Walter Smetak (1913-1984) e o conjunto Microtons. Veja mais aqui.

PENSAMENTO DO DIA – Quando não se pensa direito, a cara sofre a maior vergonha. Tenho dito.

Z – A experiência de assistir ao suspense político Z (em grego Ele está vivo, 1969), do cineasta franco-grego Constantin Costa-Gavras, baseado no romance homônimo de Vassilis Vasilikos, trata de acontecimentos reais que ocorreram na Grécia, em 1963, num cenário tenso em um dos líderes da esquerda opositora, reúne correligionários em reunião pela paz e contra a instalação de mísseis balísticos americanos naquele país. O filme na abertura traz uma advertência assinada por Costa-Gavras e Jorge Semprún: qualquer semelhança com eventos e pessoas da vida real é coincidência – é intencional. Por conta disso, o líder é atropelado e morre, concluindo as investigações tratar-se de um acidente, havendo indícios de se suspeitar da polícia aprofundando a investigação para identificação dos autores do crime envolvendo o poder. O julgamento ocorre com o desaparecimento de testemunhas, resultando na condenação a pena leve dos condenados. Ocorre, então, um golpe militar com perseguições e coações à liberdade de expressão. Merece também destaque a atuação da belíssima atriz e cantora grega Irene Pappás. Veja mais aquiaqui.

UMA ARENGA DE ESCRITORES: QUALQUER CRIANÇA PODE FAZER - No livro Ciência e comportamento humano (Martins Fontes, 2003), o psicólogo behaviorista radical norte-americano, Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), registra uma desavença entre o escritor britânico Herbert George Wells (H. G.Wells – 1866-1946) e o dramaturgo, escritor e jornalista irlandês George Bernard Shaw, quando Wells comparou Shaw ao fisiólogo russo e Prêmio Nobel de Medicina de 1904, Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936): se os dois estivessem se afogando e só houvesse um salva-vidas, escolheria Pavlov. O desagrado de Shaw foi direto para Wells no seu livro Aventuras de uma negrinha à procura de Deus, trazendo uma cena em que ela encontra um velho míope que possui todas as características do cientista russo que se assusta com o rugido amedrontador do profeta Micah. Ao se recompor no meio da fuga, o russo para e exclama: Por que estou fugindo? Não tenho medo deste bom velho [...] Ao fugir você está agindo por um reflexo condicionado. É muito simples. Vivendo entre leões, você, em sua infância, associou o som de um rugido ao perigo e morte. Daí a sua fuga precipitada quando aquele supersticioso e velho asno gritou com você. Esta notável descoberta custou-me vinte e cinco anos de pesquisa devotada [...] O mundo científico em peso prostra-se aos meus pés, admirando minha obra colossal e agradecendo a luz que lancei sobre os grandes problemas da conduta humana. Por que não me perguntou? – disse a negrinha. – Eu poderia contar-lhe em vinte e cinco segundos, sem maltratar aqueles pobres cães. Disse o velho míope: - Sua ignorância e sua presunção são inauditas. É claro que o fato era do conhecimento de qualquer criança; mas nunca tinha sido provado experimentalmente no laboratório; e não era conhecido cientificamente. Chegou a mim como uma conjectura disforme: transformei-o em ciência. Vice alguma vez já conduziu um experimento? Disse a menina: - Muitas. Vou fazer uma agora. Você sabe onde está sentado? Estou sentado sobre um tronco encanecido pela idade e com uma superfície enrugada pouco confortável. Disse a menina: É engano seu. Você está sentado sobre um crocodilo adormecido. Com um grito que faria inveja ao próprio Micah, o míope levantou-se e fugiu espavorido, subindo a uma árvore vizinha com uma agilidade felina nada própria de um cavalheiro na sua idade. Disse a menina: - Volte aqui. Você deveria saber que os crocodilos somente são encontrados nas proximidades dos rios. Eu estava apenas fazendo um experimento. Volte aqui. Mas o velho míope é incapaz de descer e pede à menina que faça outro experimento. - Eu o farei, disse a menina. – Há uma cobra na árvore farejando seu pescoço. O míope estava no chão em um instante. Skinner, ao final, assinala que Shaw aprendeu o espírito de uma ciência do comportamento, entretanto, posiciona-se favorável a Pavlov explicando com detalhes que o que o russo fez foi ciência, não uma ação para qualquer criança. Veja mais aquiaqui.

MUITAS PAIXÕES NUMA SÓ VIDA – O belíssimo e premiado filme Olga: muitas paixões numa só vida (2004), inspirado na biografia escrita pelo jornalista Fernando Morais, dirigido por Jayme Monjardim e música de Marcus Viana, sobre a militante comunista e judia alemã Olga Benário (1908-1942), traz a lindíssima atriz Camila Morgado interpretando a personagem principal que é perseguida pela polícia e foge para Moscou, onde faz treinamento militar e fica encarregada de acompanhar Luis Carlos Prestes ao Brasil para liderar a Intentona Comunista de 1935. Ela se apaixona por ele durante a viagem e, com o fracasso da revolução, ela é presa grávida e deportada pelo governo Vargas para a Alemanha Nazista, tendo sua filha na prisão feminina do campo de concentração de Barmimstrabe. Afastada de sua filha, ela é enviada para outro campo de concentração onde é morta na câmara de gás. Aqui uma dupla homenagem: à Olga e à maravilhosa atriz Camila Morgado. Afinal, todo dia é dia da mulher. Veja mais aqui



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