A arte do escultor e pintor Athos
Bulcão (1918-2008).
PARÊNTESIS
LUXURIOSOS - I - (entre eu e eu, um homem e um animal. Um homem que se
inicia, ilumina, transcende e comunga imanente com tudo e todas as coisas. Um
animal lobo sedento e insaciável, soturno e insone. Quando equilibra o ser,
domando e apascentando a fera indômita de si próprio, o eflúvio místico da
sabedoria se insinua e eis que, na calmaria dos sentidos, surge do inopinado
uma mulher linda e nua, olhos manhosos, rosto belo, boca sedutora, cabelos
sedosos ao ombro, seios de fruta deliciosa, braços convidativos, ancas
arredondadas, ventre palpitante, coxas e pernas bem delineadas. Esconde-se,
então, o homem e se pronuncia o animal indomável que arde perante a imagem
carnal mais cobiçada, até alcançar o lado extremo do prazer que ela
proporciona. É nisso que assimilo Zaratustra,
no momento em que "o homem é uma
corda atada entre o animal e o além do homem, uma corda sobre o abismo".
E essa rede abissal se forma desde remota infância, menininho miúdo, bolinha
risonha, arrodeado e paparicado por mulheres e por todos os lados: tias,
primas, sobrinhas, madrinhas, afilhadas, enteadas, vizinhas. Tudo cheirando meu
ventre miúdo e acendendo minha incipiente satisfação. Havia até uma delas que
cochilava com meu pingulizinho na boca de manhã, ou de tarde, ou de noite. Eu
quietinho, nem chorava. Só esperneava com fome ou por falta de uma mulher ao
meu lado. Assim fui crescendo, deitando no chão só para ver o segredo embaixo
das saias. Minha tia se aperreava quando saía do banheiro enrolada numa toalha
que eu me escondia embaixo. Aprontava das muitas. Fechadura de portas de quarto
de fêmea, era o meu predileto passatempo. Até meus quatro anos quando conheci a
professora peituda e bunduda, dela nascia meu gosto felliniano pelas desproporções, a ponto de colocar um espelhinho no
sapato só para flagrar suas intimidades. Quanto mais peituda, mais se acentuava
minha paixão infantil. Mesmo, e uma coisa curiosa ocorreu alguns anos atrás
quando uma amiga minha, Cleonice, uma daquelas pessoas que a gente tem afinidade
parecendo mais que já foi íntima da gente noutra encarnação, e eu gozava de sua
estreita amizade.; até o dia em que, anos e anos no meio de tantas e tantas
transparências confidenciais trocadas na maior cumplicidade de amigos,
entreguei minha fantasia sexual: volumosos seios e carnes excedentes. Ao
término do almoço no restaurante, ela saiu muda, acompanhando meu palavreado,
eu nem me tocando que algo havia desgostado nela. Não havia como eu perceber
que a anatomia que havia descrito, batia de cara com o seu ser. Eu não possuía
essa maledicência. Não, Cleo, eu nunca cantei uma mulher. Minha timidez nunca
permitiu e nunca, jamais fui possuído por tal ousadia. Sempre usei de outras
mais sutis alternativas - abordagens com uma olhada tímida e persistente,
provocando esbarrar na pessoa, deixando a coisa fluir com naturalidade, em
tempo algum com uma cantada - para conseguir as mulheres que me deram a graça dos
meus braços e provando de meu corpo. Cleo não entendera isso, e eu perdera uma
linda amizade. Mas eu não vou aqui fazer um relato como a da Thérèse Philosophe, muito menos um
diário como o de Kierkegaard porque voo
pelo que persuade a não amar apenas uma, mas muitas e que deus fique com o céu,
que eu fico com ela, nem uma pregação do hedonismo sofista de que nada é mais
importante que o prazer. Não. Devo dizer que sempre ambicionei encontrar o
Eldorado, não pela busca da riqueza ou outros louros, mas pela justiça e equidade
social.; sempre procurei Canãa nalgum lugar, alhures; sempre invoquei Shangri-lá, a Cidade do Sol de Campanela, a L"an 2440 de Mercier, a Nova
Atlântida de Francis Bacon, a Utopia
de Thomas Moore, e todos esses
lugares inatingíveis, só foram reunidos para mim, no corpo de uma mulher. Esta
sim, a minha busca real, onde sou todo em minha pequenez; inteiro com meus
pedaços; forte com as minhas fraquezas; adulto com minhas infantilidades;
perfeito com todas as minhas imperfeições. Nela eu me completo com a sua
compreensão e com a minha descarga animal da tensão biológica como a chuva que
cai do espírito do universo para fertilizar a terra. É nela que me realizo,
considerando o que mencionara Jung
que "o animal humano sempre viceja
quando não é premido pela dura necessidade" e aprendendo com ele que
"é no coração onde reside todo drama
e toda excentricidade". E a quem nascera com o coração capaz de amar a
mulher, restaria não só a sede da volubilidade erroneamente detectada, mas a de
amá-las todas, fielmente, em sua beleza e em sua razão de ser. Parece que foi Vinícuis de Moraes quem dissera que amava
muitas mulheres mas que era fiel a cada uma. É neste sentido que deixo a minha
imaginação viajar ao doce enleio do jeito feminino...).... ©Luiz Alberto
Machado. Direitos Reservados. Veja mais aqui e aqui,
DITOS &
DESDITOS - Não há males na
Natureza, há apenas males do Homem. O teu direito de janela – o teu dever de árvore. Homens e mulheres
criativos, tens o direito de enfeitar a teu gosto, e tão longe quanto teu. Devemos, finalmente, acabar com o fato de as pessoas se
mudarem para seus aposentos como galinhas e coelhos em seus galinheiros. A
linha reta é ímpia e imoral. Pensamento do artista austríaco Friedensreich Hundertwasser (Friedrich Stowasser – 1928-2000).
ALGUÉM FALOU: Estou com fogo entre os dentes e
ainda nada além da minha página em branco. É bem possível que uma obra de
literatura funcione como uma máquina de guerra em sua época. Pensamento da escritora francesa Monique
Wittig (1935-2003), autora das obras L'opoponax (1964) e Les Guérillères (1969),
entre outras.
OUTRA QUE FALOU... - A vida é o
que acontece conosco enquanto estamos ocupados fazendo planos... Pensamento
da atriz estadunidense Marilyn Monroe (Norma Jeane Mortenson – 1926-1962). Veja
mais aqui,
A POESIA – [...] Em todos os tempos, a poesia será sempre um lance de dados, um jogo de azar entre paixão e razão. por isso, a linha em que elas se inserem será permanente mesmo diante de eventual desfavor crítico, para além das alternativas, que definem, hoje como ontem, o sentido dinâmico da criação. [...]. Trecho extraído da obra A tempestade engarrafada – ensaios (EGBA, 1995), do escritor, jornalista e professor João Carlos Teixeira Gomes. Veja mais aqui e aqui.
ENGENHO – [...] Que coisa
já na confusão deste mundo mais semelhante ao inferno, que qualquer desses vossos
engenhos? Por isso foi tão bem recebida aquela bela e discreta definição de
quem chamou a um engenho de açúcar doce inferno [...] as caldeiras ou lagos ferventes vomitando espumas, exalando nuvens de
vapores, o ruído das rodas, das cadeias, da gente toda da cor da mesma noite,
trabalhando vivamente, e gemendo tudo ao mesmo tempo, sem momentos de trégua,
nem de descanso; quem vir enfim toda a máquina, não poderá duvidar que é uma
semelhança do inferno [...]. Trecho do Sermão XIV extraído de Os
Sermões do Padre
Antônio Vieira (1608-1697). Veja mais aqui, aqui e aqui.
DUNE – [...] Em
tempos, os homens entregavam o pensamento às máquinas, na esperança de que isso
os libertasse. Mas só permitiu que outros homens com máquinas os escravizassem [...] O mistério da vida não é um problema para resolver, mas
uma realidade para experimentar. [...] Nas
profundezas do inconsciente humano há uma necessidade generalizada de um
universo lógico que faça sentido. Mas o universo real está sempre um passo além da lógica. [...]. Trechos extraídos da obra Dune (Ace, 1990), do escritor e jornalista estadunidense Frank
Herbert (1920-1986).
PEIOTE – I - Livre – sentidos claros – sentado na cadeira
preta – De balanço – / paredes brancas refletindo a cor de nuvens / movendo
sobre o sol. Intimidades! Os quartos / sem importância — mas como divisões de
todo espaço / de toda hediondez e graça. Eu ouço / a música de mim e a anoto / sem
esperar leitor. Eu passo fantasias como / Me são cantadas em Vozes-de-Circe. Eu
vago / entre os povos de mim mesmo e sei de tudo / Que preciso saber. / EU SEI
DE TUDO! EU PASSO PARA O QUARTO / uma cama dourada se põe a radiar a luz
inteira / o ar enche de linhas e borrões de prata. / Eu rio pra mim mesmo. Sei
de tudo / que há para saber. Eu vejo tudo que há / para sentir. Fiz as pazes
com a dor / na minha barriga. A resposta / pro amor é minha voz. O tempo não
existe! / Nem resposta nenhuma. Ao sentimento, meu sentir é a resposta. / À
alegria, resposta é alegria sem sentir. / O quarto é um querubim de muitas
cores / feito de ar e reluzentes tons. A dor no meu estômago / é quente e
terna. Estou sorrindo. A dor / em mil pontadas, sem angústia. / A luz altera o
quarto de amarelo a roxo! / O espaço amarronzado atrás da porta é o ouro / íntimo,
silencioso e calmo. Terra natal / de Brahms. Sei tudo / que é preciso que eu
saiba. Não há pressa. / Eu leio os sensos dos muros riscados, tetos pensos. / Estou
à parte. Os olhos fecho em divindade e dor. / Solenemente eu pisco à insolente
alegria. / Sorrio pra mim mesmo em movimentos. Andando / apresso o passo com
cuidado. Preencho / o espaço com meu ser. Eu sei o segredo e os distintos / traços
da fumaça que vem de minha boca. / Eu sou, sem atenção, parte de tudo. À parte
/ estou do que é triste e belo. Eu sei de tudo. / (VASTIDÃO / E dura
intensidade — dentro de mim. Não mais / uma nuvem / mas carnal feito pedra.
Como Herácles / de primevos vigor e substância. / Não temendo sequer o fim do
encanto / mas aceitando. / As coisas belas não são pra nós, / mas miro. Estando
entre elas. /E a coisa indígena. É à vera! / Aqui no apê é mais tribal minha
mente.) / ESTÔMAGO!!! / O tempo não existe. Eis que visita um cara / que é deus
das raposas / traz sujeira nas unhas de sua pata / recente do covil. / Sorrimos
um ao outro em reconhecimento. / Estou livre do tempo. Aceito sem triunfo /— um
fato. / Se fecho os olhos há clarões de luz. / Meus olhos já não focam, saltam.
Eu vejo que tenho três pés. / Eu vi de uma só vez sete lugares! / Inclina o
assoalho – o quarto oblíqua / coisas derretem / dentro de outras coisas.
Clarões / de luz / e fusões. Eu espero / olhando a coisa física passar. / Estou
numa mesa de tempo e espaço. /! ES-TÔMA-GO! / Escrevendo a música da vida / em
versos. / Ouvindo os bons sons da guitarra / em cores. / Sentindo a carne a me
tocar. / Enxergo o caos liberto das palavras / na página. / (suprema graça) / (O
doce Yeats de esferais haxixes.) /Minha barriga e eu somos dois caras / unidos
pela / vida. / ESTE É O PODEROSO CONHECIMENTO / sorrimos com ele. / Da janela
eu olho pra melancolia azul-cinzenta / da lugubridade. / Tô aquecido. No dragão
do espaço. / Eu fito as nuvens vendo / suas convoluções brumosas. / Os turbilhões do
vapor / Pequenarei as nuvens 'té que sumam. / Elas se tornam peixe e comem uma
à outra. / E mudam como espíritos de Dante / a se tornar no céu mais alto
imóvel garça / pra me desafiar. Poema do escritor, dramaturgo e compositor
estadunidense Michael McClure (1932-2020). Veja mais aqui.