DITOS &
DESDITOS – A mente talvez seja simplesmente pequena demais para compreender a mente. Pensamento
do filósofo britânico Colin McGinn, autor da obra Como se faz
um Filósofo (Bizâncio, 2007), na qual expressa que: Mesmo os nossos conceitos mais básicos não são claros para nós;
usamo-los sem grandes problemas, mas não temos qualquer compreensão articulada
do que envolvem. É aqui que a filosofia entra. E isto mostra que é um erro
pensar que todas as questões genuínas são científicas ou empíricas. Na verdade,
a própria ciência levanta problemas filosóficos. Também é autor da obra A
construção de um filósofo (Record, 2004).
ALGUÉM FALOU: Aprender a pensar
não significa aprender pensamentos ensinados pelo professor. Aprende-se a
filosofar pelo exercício e pelo uso que se faz para si mesmo de sua própria
razão. O papel da reflexão ou da razão autônoma não está em treinar a memória e
nem a erudição. Expressão do filósofo e professor Geraldo Balduino Horn.
AOS POETAS – O ARTISTA, IMAGEM
DE DEUS CRIADOR - Ninguém
melhor do que vós, artistas, construtores geniais de beleza, pode intuir algo
daquele pathos com que Deus, na aurora da criação, contemplou a obra das suas
mãos. Infinitas vezes se espelhou um relance daquele sentimento no olhar com
que vós — como, aliás, os artistas de todos os tempos —, maravilhados com o
arcano poder dos sons e das palavras, das cores e das formas, vos pusestes a
admirar a obra nascida do vosso génio artístico, quase sentindo o eco daquele
mistério da criação a que Deus, único criador de todas as coisas, de algum modo
vos quis associar. Pareceu-me, por isso, que não havia palavras mais
apropriadas do que as do livro do Génesis para começar esta minha Carta para
vós, a quem me sinto ligado por experiências dos meus tempos passados e que
marcaram indelevelmente a minha vida. Ao escrever-vos, desejo dar continuidade
àquele fecundo diálogo da Igreja com os artistas que, em dois mil anos de
história, nunca se interrompeu e se prevê ainda rico de futuro no limiar do
terceiro milénio. Na realidade, não se trata de um diálogo ditado apenas por
circunstâncias históricas ou motivos utilitários, mas radicado na própria
essência tanto da experiência religiosa como da criação artística. A página
inicial da Bíblia apresenta-nos Deus quase como o modelo exemplar de toda a
pessoa que produz uma obra: no artífice, reflete-se a sua imagem de Criador.
Esta relação é claramente evidenciada na língua polaca, com a semelhança
lexical das palavras stwórca (criador) e twórca (artífice). Qual é a diferença entre «
criador » e « artífice »? Quem cria dá o próprio ser, tira algo do nada — ex nihilo sui et subiecti, como se costuma dizer em latim — e isto, em
sentido estrito, é um modo de proceder exclusivo do Omnipotente. O artífice, ao
contrário, utiliza algo já existente, a que dá forma e significado. Este modo
de agir é peculiar do homem enquanto imagem de Deus. Com efeito, depois de ter
afirmado que Deus criou o homem e a mulher « à sua imagem » (cf. Gn 1,27), a Bíblia acrescenta que Ele
confiou-lhes a tarefa de dominarem a terra (cf. Gn 1,28). Foi no último dia da criação (cf. Gn 1,28-31). Nos dias anteriores,
como que marcando o ritmo da evolução cósmica, Javé tinha criado o universo. No
final, criou o homem, o fruto mais nobre do seu projeto, a quem submeteu o
mundo visível como um campo imenso onde exprimir a sua capacidade inventiva.
Por conseguinte, Deus chamou o homem à existência, dando-lhe a tarefa de ser
artífice. Na « criação artística », mais do que em qualquer outra atividade, o
homem revela-se como « imagem de Deus », e realiza aquela tarefa, em primeiro
lugar plasmando a « matéria » estupenda da sua humanidade e depois exercendo um
domínio criativo sobre o universo que o circunda. Com amorosa condescendência,
o Artista divino transmite uma centelha da sua sabedoria transcendente ao
artista humano, chamando-o a partilhar do seu poder criador. Obviamente é uma
participação, que deixa intacta a infinita distância entre o Criador e a
criatura, como sublinhava o Cardeal Nicolau Cusano: “A arte criativa, que a
alma tem a sorte de albergar, não se identifica com aquela arte por essência
que é própria de Deus, mas constitui apenas comunicação e participação dela”.
Por isso, quanto mais consciente está o artista do « dom » que possui, tanto
mais se sente impelido a olhar para si mesmo e para a criação inteira com olhos
capazes de contemplar e agradecer, elevando a Deus o seu hino de louvor. Só
assim é que ele pode compreender-se profundamente a si mesmo e à sua vocação e
missão. A VOCAÇÃO
ESPECIAL DO ARTISTA - Nem
todos são chamados a ser artistas, no sentido específico do termo. Mas, segundo
a expressão do Génesis, todo o homem recebeu a tarefa de ser artífice da
própria vida: de certa forma, deve fazer dela uma obra de arte, uma obra-prima.
É importante notar a distinção entre estas duas vertentes da atividade humana,
mas também a sua conexão. A distinção é evidente. De facto, uma coisa é a
predisposição pela qual o ser humano é autor dos próprios actos e responsável
do seu valor moral, e outra a predisposição pela qual é artista, isto é, sabe
agir segundo as exigências da arte, respeitando fielmente as suas regras
específicas. Assim, o artista é capaz de produzir objetos,
mas isso de per si ainda não indica nada sobre as suas disposições morais.
Neste caso, não se trata de plasmar-se a si mesmo, de formar a própria
personalidade, mas apenas de fazer frutificar capacidades operativas, dando
forma estética às ideias concebidas pela mente. Mas, se a distinção é
fundamental, importante é igualmente a conexão entre as duas predisposições: a
moral e a artística. Ambas se condicionam de forma recíproca e profunda. De
facto, o artista, quando modela uma obra, exprime-se de tal modo a si mesmo que
o resultado constitui um reflexo singular do próprio ser, daquilo que ele é e
de como o é. Isto aparece confirmado inúmeras vezes na história da humanidade.
De facto, quando o artista plasma uma obra-prima, não dá vida apenas à sua
obra, mas, por meio dela, de certo modo manifesta também a própria personalidade.
Na arte, encontra uma dimensão nova e um canal estupendo de expressão para o
seu crescimento espiritual. Através das obras realizadas, o artista fala e
comunica com os outros. Por isso, a História da Arte não é apenas uma história
de obras, mas também de homens. As obras de arte falam dos seus autores, dão a
conhecer o seu íntimo e revelam o contributo original que eles oferecem à
história da cultura. A VOCAÇÃO
ARTÍSTICA AO SERVIÇO DA BELEZA - Um
conhecido poeta polaco, Cyprian Norwid, escreveu: “A beleza é para dar
entusiasmo ao trabalho, o trabalho para ressurgir”. O tema da beleza é
qualificante, ao falar de arte. Esse tema apareceu já, quando sublinhei o olhar
de complacência que Deus lançou sobre a criação. Ao pôr em relevo que tudo o
que tinha criado era bom, Deus viu também que era belo. A
confrontação entre o bom e o belo gera sugestivas reflexões. Em certo sentido,
a beleza é a expressão visível do bem, do mesmo modo que o bem é a condição
metafísica da beleza. Justamente o entenderam os Gregos, quando, fundindo os
dois conceitos, cunharam uma palavra que abraça a ambos: « kalokagathía », ou
seja, « beleza-bondade ». A este respeito, escreve Platão: “A força do Bem
refugiou-se na natureza do Belo”. Vivendo e agindo é que o homem estabelece a
sua relação com o ser, a verdade e o bem. O artista vive numa relação peculiar
com a beleza. Pode-se dizer, com profunda verdade, que a beleza é a vocação a
que o Criador o chamou com o dom do « talento artístico ». E também este é,
certamente, um talento que, na linha da parábola evangélica dos talentos (cf. Mt 25,14-30), se deve pôr a render. Tocamos
aqui um ponto essencial. Quem tiver notado em si mesmo esta espécie de centelha
divina que é a vocação artística — de poeta, escritor, pintor, escultor,
arquiteto, músico, ator... —, adverte ao mesmo tempo a obrigação de não
desperdiçar este talento, mas de o desenvolver para colocá-lo ao serviço do
próximo e de toda a humanidade. O
ARTISTA E O BEM COMUM - De
fato, a sociedade tem necessidade de artistas, da mesma forma que precisa de
cientistas, técnicos, trabalhadores, especialistas, testemunhas da fé,
professores, pais e mães, que garantam o crescimento da pessoa e o progresso da
comunidade, através daquela forma sublime de arte que é a « arte de educar ».
No vasto panorama cultural de cada nação, os artistas têm o seu lugar
específico. Precisamente enquanto obedecem ao seu génio artístico na realização
de obras verdadeiramente válidas e belas, não só enriquecem o património
cultural da nação e da humanidade inteira, mas prestam também um serviço social
qualificado ao bem comum. A vocação diferente de cada artista, ao mesmo tempo
que determina o âmbito do seu serviço, indica também as tarefas que deve
assumir, o trabalho duro a que tem de sujeitar-se, a responsabilidade que deve
enfrentar. Um artista, consciente de tudo isto, sabe também que deve actuar sem
deixar-se dominar pela busca duma glória efémera ou pela ânsia de uma
popularidade fácil, e menos ainda pelo cálculo do possível ganho pessoal. Há,
portanto, uma ética ou melhor uma « espiritualidade » do serviço artístico, que
a seu modo contribui para a vida e o renascimento do povo. A isto mesmo parece
querer aludir Cyprian Norwid, quando afirma: « A beleza é para dar entusiasmo
ao trabalho, o trabalho para ressurgir ». A ARTE FACE AO MISTÉRIO DO VERBO ENCARNADO - A Lei do Antigo Testamento contém uma
proibição explícita de representar Deus invisível e inexprimível através duma «
estátua esculpida ou fundida » (Dt
27,15), porque Ele transcende qualquer representação material: « Eu sou Aquele
que sou » (Ex 3,14). No
mistério da Encarnação, porém, o Filho de Deus tornou-Se visível em carne e
osso: « Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de
mulher » (Gl 4,4). Deus fez-Se
homem em Jesus Cristo, que Se tornou assim « o centro de referência para se
poder compreender o enigma da existência humana, do mundo criado, e mesmo de
Deus ». Esta manifestação fundamental do « Deus-Mistério » apresenta-se como
estímulo e desafio para os cristãos, inclusive no plano da criação artística. E
gerou-se um florescimento de beleza, cuja linfa proveio precisamente daqui, do
mistério da Encarnação. De facto, quando Se fez homem, o Filho de Deus
introduziu na história da humanidade toda a riqueza evangélica da verdade e do
bem e, através dela, pôs a descoberto também uma nova dimensão da beleza: a
mensagem evangélica está completamente cheia dela. A Sagrada Escritura
tornou-se, assim, uma espécie de « dicionário imenso » (P. Claudel) e de «
atlas iconográfico » (M. Chagall), onde foram beber a cultura e a arte cristã.
O próprio Antigo Testamento, interpretado à luz do Novo, revelou mananciais
inexauríveis de inspiração. Desde as narrações da criação, do pecado, do
dilúvio, do ciclo dos Patriarcas, dos acontecimentos do êxodo, passando por
tantos outros episódios e personagens da História da Salvação, o texto bíblico
atiçou a imaginação de pintores, poetas, músicos, autores de teatro e de
cinema. Uma figura como a de Job, só para dar um exemplo, com a problemática pungente
e sempre atual da dor, continua a suscitar conjuntamente interesse filosófico,
literário e artístico. E que dizer então do Novo Testamento? Desde o Nascimento
ao Gólgota, da Transfiguração à Ressurreição, dos milagres aos ensinamentos de
Cristo, até chegar aos acontecimentos narrados nos Atos dos Apóstolos ou
previstos no Apocalipse em chave escatológica, inúmeras vezes a palavra bíblica
se fez imagem, música, poesia, evocando com a linguagem da arte o mistério do «
Verbo feito carne ».Tudo isto constitui, na história da cultura, um amplo
capítulo de fé e de beleza. Dele tiraram proveito sobretudo os crentes para a
sua experiência de oração e de vida. Para muitos deles, em tempos de escassa
alfabetização, as expressões figurativas da Bíblia constituíram mesmo um meio
concreto de catequização. Mas para todos, crentes ou
não, as realizações artísticas inspiradas na Sagrada Escritura permanecem um
reflexo do mistério insondável que abraça e habita o mundo. [...]. Trecho
da carta escrita pelo poeta e ativista político polonês Karol Józef Wojtyła (1920-2005), mais conhecida entre os
cristãos como Carta do papa João Paulo II aos artistas – 1999 - A todos
aqueles que apaixonadamente procuram
novas « epifanias » da beleza para oferecê-las ao mundo como criação artística.
Também da sua lavra o poema Pensando Pátria: A liberdade – uma
continua conquista./ Não pode ser apenas uma posse! / Vem como um dom, mas
conserva-se por meio da luta. / Dom e luta estão ambos inscritos em cartas
secretas e todavia claras. / A liberdade, tu a pagas com todo o teu ser – por
isso chama-se liberdade / Aquela que, enquanto a pagas, permite possuir-te
sempre de novo. / Por este preço, entramos na história, tocamos as suas épocas.
/ Por onde passa a divisória entre gerações / que não pagaram o suficiente e
gerações que pagaram demasiado? / Nós, de que lado estamos?
A VIOLÊNCIA – [...] A violência prolifera no caldo de cultura da
ignorância e se alastra pelo exemplo e pela imitação. Cada um de nós – não os
outros, não os violentos do outro lado da rua – tem em si próprio a violência
que abomina nos demais e que deseja remover do mundo pela repressão ou pelo
discurso indignado. [...]. Trecho extraído da obra A arte de desaprender (Antares, 1981), do escritor, jornalista e
tradutor Luiz Carlos Lisboa.
MEMÓRIA
DO CREPÚSCULO – [...] Não é preciso muita sofisticação teórica para ver que
toda representação - seja em linguagem, narrativa, imagem, ou som gravado - é
baseada na memória. Re-(a)presentação sempre vem depois, ainda que algumas
mídias tentem nos dar a ilusão de presença pura. Mas ao invés de nos levar a
alguma origem autêntica ou nos dar um acesso verificável ao real, a memória,
mesmo e especialmente em sua extemporaneidade, é em si baseada na
representação. O passado não está simplesmente na memória, mas deve ser
articulado para se tornar memória. Ao invés de lamentá-lo ou ignorá-lo, esta
divisão deveria ser entendida como um forte estimulante para a criatividade
cultural e artística. [...]. Trecho extraído da obra Twilight Memories - Marking Time in a
culture of Amnesia (Routledge, 1995), do professor e crítico de
arte Andreas Huyssen. Veja mais aqui.
NAQUELE MOMENTO – [...] É
paradisíaca a escadaria de onde se assiste ao triunfo do Eterno. [...] As
páginas da vida, quero dizer, as horas, os dias astronômicos e os meses, sem
necessidade de estúpidas metáforas, se sucedem com grande rapidez [...] As crianças têm a infinita vantagem de terem
sido postas no mundo por vocês, vocês têm o crédito, enquanto os velhos
carregam o erro imperdoável de terem consumido a vida por vocês, para vocês
tudo, trabalho, sacrifícios, amor, na melancólica ilusão de que um dia vocês
lhes restituiriam um pouco daquele bem. Pior ainda: carregam o erro de não
lembrar mais a infinita conta que lhes poderiam apresentar: e aqueles olhares
humildes, cansados e submissos os cortam mais do que um remorso. [...]. Trechos extraídos da obra Naquele exato momento (Nova
Fronteira, 2004), de Dino Buzzati, Veja mais aqui.
MAN'YŌSHŪ - MYS I: 8 - DE NIGITATSU / Nós velejaríamos, e
Aguardávamos / a lua, mas / Com as marés contra nós / Agora devemos ir remando!
MYS I: 9 - Acalmou -se / as ondas barulhentas na baía; / Meu querido / Ficou,
sem dúvida, / Ao pé do carvalho sagrado! MYS I: 10 - Pela vida do meu Senhor / E pela minha também, governamos as Colinas /
de Iwashiro: / as raízes das ervas / Vamos tecer juntos. MYS I: 15 - Acima da vasta extensão do mar / Flâmulas de
nuvem / São iluminadas pelo sol poente; / Oh, que a lua esta noite / Brilhe
tanto! MYS
I: 16 - Enterrados
pelo inverno, / Quando a primavera chega, / Os pássaros silenciosos / explodem
em canto; / As / Flores desabrocham, mas / As montanhas são tão exuberantes, /
Não se pode fazer o caminho; / A grama é tão espessa, / Uma mão estendida se
perde; / Em uma montanha de outono, / Vê-se as folhas das árvores: / As folhas
amarelas, / Para levar como lembrança; / Verdes / Para deixar para trás com
tristeza, / Embora eu odeie fazê-lo: / São as montanhas do outono para mim!
Poemas extraídos do Man'yōshū - 1000 Poems from the Manyoshu:
The Complete Nippon Gakujutsu Shinkokai (Dover, 2005), a mais
antiga coleção da poesia japonesa, compilada em torno de 759 d.C., durante o
período Nara, com seções preservadas na biblioteca da Universidade Colúmbia,
tendo em vista que a antologia é uma das mais reverenciadas dentre as
compilações poéticas japonesas.