DITOS & DESDITOS - O que as
pessoas dizem, o que as pessoas fazem e o que elas dizem que fazem; são coisas
inteiramente diferentes. Lembre-se sempre que você é absolutamente único. Assim
como todos os demais. Pensamento da antropóloga cultural estadunidense Margaret
Mead (1901–1978). Veja mais aqui, aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Olhei
para minhas mãos para ver se eu era a mesma pessoa. Se você ouvir os cães,
continue. Se você vir as tochas na floresta, continue. Se houver gritos atrás
de você, continue. Nunca pare. Continue. Se você quer um pouco de liberdade,
continue. Pensamento da abolicionista e ativista estadunidense Harriet
Tubman (Araminta Ross –
1822-1913).
FILHA DA DOR – Fomos
levados diretamente para a Oban. Tiraram o César e o [Carlos Nicolau] Danielli
do carro dando coronhadas, batendo. Eu vi que quem comandava a operação do alto
da escada era o Ustra [coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante
Ustra]. Subi dois degraus e disse: ‘Isso que vocês estão fazendo é um absurdo’.
Ele disse: ‘Foda-se, sua terrorista’, e bateu no meu rosto. Eu rolei no pátio.
Aí, fui agarrada e arrastada para dentro. A primeira forma de torturar foi me
arrancar a roupa. Lembro-me que ainda tentava impedir que tirassem a minha
calcinha, que acabou sendo rasgada. Começaram com choque elétrico e dando socos
na minha cara. Com tanto choque e soco, teve uma hora que eu apaguei. Quando
recobrei a consciência, estava deitada, nua, numa cama de lona com um cara em
cima de mim, esfregando o meu seio. Era o Mangabeira [codinome do escrivão de
polícia de nome Gaeta], um torturador de lá. A impressão que eu tinha é de que
estava sendo estuprada. Aí começaram novas torturas. Me amarraram na cadeira do
dragão, nua, e me deram choque no ânus, na vagina, no umbigo, no seio, na boca,
no ouvido. Fiquei nessa cadeira, nua, e os caras se esfregavam em mim, se
masturbavam em cima de mim. A gente sentia muita sede e, quando eles davam
água, estava com sal. Eles punham sal para você sentir mais sede ainda. Depois
fui para o pau de arara. Eles jogavam coca-cola no nariz. Você fi cava nua como
frango no açougue, e eles espetando seu pé, suas nádegas, falando que era o
soro da verdade. Mas com certeza a pior tortura foi ver meus fi lhos entrando
na sala quando eu estava na cadeira do dragão. Eu estava nua, toda urinada por
conta dos choques. Quando me viu, a Janaína perguntou: ‘Mãe, por que você está
azul e o pai verde?’. O Edson disse: ‘Ah, mãe, aqui a gente fica azul, né?’.
Eles também me diziam que iam matar as crianças. Chegaram a falar que a Janaína
já estava morta dentro de um caixão. Depoimento da professora Maria Amélia de Almeida Teles –
Amelinha Teles, sobre a sua prisão em 28 de dezembro de 1972, quando militante
do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em São Paulo. Ela é diretora da União
de Mulheres de São Paulo e integra a Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos. Veja mais aqui, aqui e aqui.
CALIBÃ & BRUXA – [...] Podemos
imaginar o efeito que teve nas mulheres o fato de ver suas vizinhas, suas
amigas e suas parentes ardendo na fogueira, enquanto percebiam que qualquer iniciativa contraceptiva de sua parte poderia ser interpretada como produto de uma
perversão demoníaca. [...] Os
julgamentos por bruxaria fornecem uma lista informativa das formas de sexualidade que estavam proibidas, uma vez que
eram “não produtivas”:
a homossexualidade, o sexo entre jovens e velhos, o sexo entre pessoas de
classes diferentes, o coito anal, o coito por trás (acreditava-se que levava a
relações estéreis), a nudez e as danças. [...]. Há também, no plano ideológico, uma estreita correspondência entre a
imagem degradada da mulher, forjada pelos demonólogos, e a imagem da
feminilidade construída pelos debates da época sobre a “natureza dos sexos”,
que canonizavam uma mulher estereotipada, fraca do
corpo e da mente e biologicamente inclinada ao mal, o que efetivamente servia para justificar o controle masculino sobre as
mulheres e a nova ordem patriarcal. [...] o capitalismo criou formas de escravidão
mais brutais e mais traiçoeiras, na medida em que implantou no corpo do
proletariado divisões profundas que servem para intensificar e para ocultar a
exploração. É em grande medida por causa dessas imposições – especialmente a
divisão entre homens e mulheres – que a acumulação capitalista continua
devastando a vida em todos os cantos do planeta. [...] Trechos extraídos da
obra Calibã
e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação
primitiva (Sycorax, 2004), da
filósofa e ativista feminina italiana Silvia Federici.
PENSAR
- [...] Quem quer pensar deve aprender. Só
o homem aprende a pensar. E aprende porque está no pensamento. Por sentir-se na
proeza do pensamento, ele mesmo se define animal que pensa. [...] O conhecimento e a linguagem são as luzes e
os sons da realidade. A variação das luzes do conhecimento e a escala de sons
da linguagem mostram o pensamento aprendendo a pensar o real [...]. Trechos
extraídos da obra Introdução ao pensar (Vozes,
1983), de Arcângelo R. Buzzi. Veja mais aqui.
BACAMARTE & BACAMARTEIROS – Bacamarte –
substantivo masculino (do francês Braquemart). Arma de fogo, de cano curto e
largo, reparada em coronha. Antg. – Nome quinhentista, primeiro de determinada
peça de artilharia, depois de certo tipo de mosquete de cano curto e afunilado,
que foi distribuído à cavalaria, mas pouco depois retirado do uso por ineficaz.
Bacamarte de boca-de-sino – substantivo masculino. Aquele cujo cano vai
alargando até a boca; remonta ao século XVI e foi proibido o seu uso por Alvará
de 1669. [...] Querida pelos
tocaieiros de todas as épocas – insubstituível para o tiro à queima roupa,
espatifando a caixa dos peitos da vítima ou arrombando-lhe os costados – acabou
com muitos senhores e muitos servos por este Brasil afora. Até dignas senhoras
[...] Ultimamente o termo está
vulgarizado, graças às repetidas exibições dos batalhões do Major Emidio do
Ouro, nas homenagens oficiais do Sítio da Trindade promovidas pelo Movimento de
Cultura Popular, da Prefeitura Municipal do Recife, a partir de 1962.
[...]. Seguramente, desde os fins do
século passado que grupos regulares de bacamarteiros se exibem em Caruaru,
durante os festejos joaninos, devendo existir o costume há cerca de cem anos,
conforme indica a tradição daquela cidade agrestina. [...]. Trechos
extraídos da obra Bacamarte, pólvora e
povo (Bagaço, 2004), do sociólogo Sebastião Vila Nova, no qual pode-se apreciar a Balada
Bacamarteira no Alto do Bom Jesus. Veja mais aqui.
JERUSALEM
– [...] Ela percebeu, claramente, que ali, junto à igreja,
estavam em competição duas dores grandes: a dor que a ia matar, a dor má, assim
ela a designou, e, do outro lado, a dor boa, a dor do apetite, dor da vontade
de comer, dor que significava estar viva, a dor da existência, diria ela, como
se o estômago fosse, naquele momento, ainda em plena noite, a evidente
manifestação da humanidade, mas também das suas relações ambíguas com os
mistérios de que nada se sabe. Estava viva, e essa circunstância doía mais,
naquele momento, de um modo objetivo e material, do que a dor de que ia morrer,
agora secundária. [...] Podes
cumprir as regras com exatidão mas, num determinado momento, eles apresentam um
pequeno documento-lei, e então percebes: vais ser morto. O que fazem é
aleatório, mas nunca ilegal. Primeiro mostram a lei, o documento que determina
a ação. Ninguém resiste. As pessoas aceitam a lei. Se não, seria pior. [...]
Quando o correio chegava, os homens
interrompiam os seus percursos mais ou menos descontrolados, e rapidamente
tentavam chegar aos envelopes, provocando depois os que nada haviam recebido,
numa crueldade que lá dentro era aceite como normal. [...] Uma carta era o instrumento ideal para
interromper a ordem e a limpeza geral do Georg Rosenberg; como um aceno de mão
do exterior cada carta tornava-se num recuo do louco em direção à sua vida
passada; mesmo que na carta se falasse do futuro o que estava em jogo era um
processo de memória: lembra-te que já estiveste cá fora; ou talvez melhor: não
te esqueças. Era este o sentido de qualquer carta: não te esqueças! [...].
Trechos extraídos da obra Jerusalém (Companhia
das letras, 2006), do premiadíssimo escritor luandense Gonçalo M. Tavares (Gonçalo Manuel de
Albuquerque Tavares),
autor de frases lapidares como: Nunca estou a escrever uma coisa para sair logo a seguir. A distância
permite o corte. Se no momento imediato olhasse para ali, seria difícil
conseguir separar-me das coisas. O facto de olhar um ano ou dois depois
permite-me olhar como um leitor. Não consigo conceber um escritor que não leia,
leia, leia muito.
OS
DECRETOS DE LAMPEÃO (COMO ELLE FOI
CERCADO EM "TENORIO"E A MORTE DE SEU IRMÃO LEVINO FERREIRA) - Está preso Antonio Silvino / Porém ficou
Lampeão / Governando pelas armas / O nordestino sertão; / E agora elle
publicou, / Dois Decretos que baixou / Da sua legislação. / Diz o primeiro
decreto / No seu artigo primeiro: / — Todo e qualquer sertanejo, / Negociante
ou fazendeiro, / Agricultor ou matuto, / Tem que pagar o tributo / Que se deve
ao cangaceiro. / No paragrapho primeiro / Desse artigo elle restringe
/ A lei somente aos ricos / Dizendo? —a lei não atinge / Ao pobre aventureiro / Pois
quem não possue dinheiro / Diz que não tem e não finge./ O decreto numero dois /
Fixa em trinta cangaceiros / O Grupo de Lampeão / Diz nos artigos primeiros: / Preciso
de trinta cabras, / Trinta figuras macabras ; / Trinta lobos carniceiros .../ Só
quero cabras que tenham / Menos de vinte e seis annos; / Que conheçam palmo a
palmo / Os sertões pernambucanos / Que possuam pernas boas / Conheçam bem
Alagôas / E os sertões parahybanos. / Saibam manejar o rifle / Sejam bons escopeteiros. / Defendam os opprimidos,
/ Tirem só dos fazendeiros; / Persigam os traidores / Não perdoem os
oppressores / Sejam peritos guerreiros./ Quando o Jornal do Recife / O Decreto publicou, / O
Grupo de Lampeão / Em um mez se completou; / E no estado pernambucano; / Seu
decreto soberano / Todo mundo respeitou. / Lampeão requisitou / Brim kaki para
fardar / A todos os cangaceiros, / E depois de os municiar / Seguio seu féro destino
/ De ladrão e assassino / Continuando a matar / Os sargentos José Guedes / E
Cicero de Oliveira / Da força parahybana. / Policia forte e guerreira / Perseguiram
Lampeão / E tiveram occasião / De cercar-lhe a cabroeira. / Foi na fazenda
"Tenório" / No estado pernambucano / Na noite do dia quatro / De
Julho do corrente anno. / Deu-se esse ataque renhido,/ E ali o grande bandido /
Perdeu Levino seu mano. / Commandavam os dois sargentos / Somente vinte e tres
praças / Vinte e tres parahybanos / Que não temem as desgraças / Lampeão, forte
e valente / Resistiu heroicamente / Commandando seus comparsas./ Quando o
sargento Zé Guedes / Viu o tenente Oliveira / Morto no Serrote Preto, / Fez uma
cruz de madeira / Ajoelhou-se e jurou: / Dizendo a quem te matou / Eu darei
morte certeira. / Oliveira fora morto / Pelo bandido Levino / Que em
"Tenório" se achava / Ao lado de Virgulino, / Apesar da noite escura/
Zé Guedes cumpriu a jura / Matando aquelle assassino. / Esse combate sangrento /
Mais de dez horas durou / Quando o dia amanhecia / A "Tenório" então
chegou / Uma força pernambucana / Que a força parahybana / Muito ali auxiliou.
/ E devido a confusão / Que entre as forças se deu / Lampeão fugiu deixando / Morto
um companheiro seu / E Levino foi conduzido / Numa rêde tão ferido / Que no
outro dia morreu / Lampeão feriu na lucta / O valoroso sargento / Cicero de
Oliveira / Que devido ao ferimento,/ Dias depois falleceu, / Como seu irmão
morreu / Sem fugir do acampamento. / Lampeão depois da lucta / Foi p'ra sua
fortaleza / Descansar a cabroeira / E arctectar nova empreza / Agora amarrou o
guiba / E no Estado da Parahyba / Veio fazer uma surpresa. / Na fazenda Santa
Ignez / Do termo de Conceição / Residia um sertanejo / Inspector de quarteirão,
/ Que fôra gratificado / Por que já tinha atado / Dois cabras de Lampeão. / Lampeão
cercou-lhe a casa.../ O Inspector resistiu!... / Porém nos primeiros tiros / Assassinado
caiu / Lampeão matou-lhe o gado/ Incendiou-lhe o cercado / E sua casa destruiu.
/ Levou bastante dinheiro / Do termo de Conceição / E com sua cabroeira / Atravessando
o sertão, / Foi pra Cariry Novo / Onde elle é amigo do povo / E não teme
perseguição... Poema do poeta popular Francisco das Chagas Batista
(1882-1930). Veja mais aqui e aqui.