VAMOS APRUMAR A CONVERSA? A
POESIA NOSSA DE CADA DIA
- A poesia existe há muito tempo, século e séculos, milênios até atravessando
os sentimentos humanos. Por esta razão, seu conceito e definição são recolhidos
com bastante dificuldade, principalmente, claro, em cada época, em cada poeta,
em cada período literário, a poesia adquire uma concepção própria. Para se ter
uma idéia, na Grécia antiga, a poesia era poièsis,
do verbo poiein que significa fazer,
indicando o ato que opera a passagem para o ser daquilo que antes não existia e
que todo labor humano estava identificado na arte poética. Foi Platão, na
antiga Grécia, quem distinguiu a poesia em três formas: a dramática, que era
mimética e imitava os homens em ação; a lírica, que não imitava os homens em
ação porque era subjetiva; e a épica, ambas anteriores utilizando tanto o
diálogo direito, quanto a narração. Conforme Rogel Samuel em seu Manual de
Teoria Literária, a poesia lírica "[...] renuncia à coerência gramatical, lógica e formal, pois necessita se
libertar para poder ser mais autenticamente momentânea"; a épica
"[...] com estilo narrativo onde o
poeta narra, descreve e exalta fatos históricos e personagens heróicos";
e a dramática que "[...] encontra
sua plena realização no espaço de um palco e num tempo restrito a esse tipo de
representação, apoiada por recursos os mais variados...". A partir daí
que vieram os tratados de versificação baseados na utilização do material
fonológico para finalidades métricas, compreendendo o regramento da silabação e
prosódia. Surge, então, o metro que se dividia em silábico, quando o número de
sílabas é regulado; e o silábico-prosódico, quando além da contagem das
sílabas, certas características são exigidas, tais como a quantidade, a
intensidade e tonalidade. Conta-se, ainda, outros tipos métricos
intermediários. Com isso, toda uma tipologia de versificação com o passar dos
anos foi adotada, tais como o grego e seus hexâmetros; o latino do pentâmetro;
o provençal com suas canções, pastorelas e debates; o francês dos decassílabos
e alexandrinos rondéis e baladas; o italiano com seus parassílabos madrigais;
espanhol com suas redondilhas e jogralescas coplas; o português com suas
cantigas; o inglês com seus versos brancos; o alemão com seus versos
aliterativos; em suma, como dizem Daniel Delas e Jacaues Filliolet, na sua obra
Linguista e Poética, "constituem modelos de combinações métricas e sonoras
recomendadas". Na atualidade, Jean Cohen na sua Estrutura da linguagem
poética, desta a questão do versão que “[...] continua sendo até hoje o veículo corrente da poesia [...] um processo de poetização" e que "o metro e o ritmo têm a mesma função que a
rima: assegurar aquele retorno sonoro que é a essência do verso" .Quanto
à rima, Keneth Burke na sua Teoria da forma literária, observa que ela "[...]
acentua habitualmente o princípio
repetitivo da arte” e que seu atrativo está na forma progressiva desenvolvida,
desde que o poeta alcance seus efeitos com estabelecer, em primeiro lugar, e
depois alterar, um esquema ritmático. Contrário a esse regramento, surgem,
então, os versos livres que são aqueles que não estão sujeitos a uma medida
previamente adotada e que não se prende a nenhuma contagem, porque o poeta
deixa que a sua inspiração flua à vontade, exprimindo o pensamento à sua
maneira. O ritmo, no entanto, existe e está oculto. Usando as ideias de Delas
& Filliolet, mencionados anteriormente, a finalidade dessas considerações
históricas era mostrar que a mudança da natureza das marcas da poeticidade,
ligada à evolução do modo de consumo da poesia, impulsionou uma substancial
evolução de formas. Isso ocorre com a emergência do poético visual que
implicava no deslocamento da métrica normativa e com a ocorrência da poesia
concreta que elimina o verso como unidade rítmico-formal, numa tentativa de
ampliar as possibilidades de expressão e comunicação do poema, a partir do
ideograma chinês, propondo-se, assim, a utilizar o espaço gráfico como
substituto da sintaxe. Mas, afinal, o que seria a poesia, o poema? Assis
Brasil, na seu Vocabulário técnico de literatura, assinala que: "Poema é o ´objeto` poético, o texto onde a
poesia se realiza, é uma forma, como o soneto que tem dois quartetos e dois
tercetos, ou quatorze versos juntos, como é conhecido o soneto inglês. Um poema
seria distinto de um texto ou estrofes. Quando essa nomenclatura definitiva é
eliminada, passando um texto a ser apresentado em forma de linhas corridas,
como usualmente se conhece a prosa, então se pode falar em poema-em-prosa,
desde que tal texto (numa identificação sumária e mecânica) apresente um mundo
mais ´poético` ou seja, mais expressivo, menos referente à realidade. A
distinção se torna por vezes complexa. [...] a poesia pode estar presente quer no poema que é feito com um certo
número de versos, quer num texto em prosa, este adquirindo a qualidade
poema-em-prosa". Já poesia, Assis Brasil define como: “uma manifestação cultural, criativa,
expressiva do homem. Não se trata de um ´estado emotivo`, do deslumbre de um
pôr-do-sol ou de uma dor-de-cotovelo; é muito mais do que isso, é uma forma de
conhecimento intuitivo, nunca podendo ser confundido o termo poesia com outro
correlato: o poema". Daí fica claro que um é o objeto e, o outro, a
manifestação. E para não ficar tão simplista, possibilitando maior amplitude,
considere-se outras observações, a meu ver, pertinentes. Aristóteles, por
exemplo, em sua Poética, tratou sobre o assunto: "[...] não é ofício de poeta narrar o que
aconteceu; é sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é
possível segundo a verossimilhança e a necessidade. [...] a poesia é algo de mais filosófico e mais
sério do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e essa
o particular. Daqui claramente se
segue que o poeta deve ser mais fabulador que versificador; porque ele é poeta
pela imitação e porque imita ações". Sobre esta visão aristotélica,
Ariano Suassuna, na sua Iniciação à estética, considerou que a poesia, no
sentido grego, significa criação: "como
espírito criador que se encontra na raiz de todas as artes. [...] A poesia seria o espírito criador que se
encontra por trás de todas as artes literárias, sejam estas realizadas através
da prosa ou do verso". Assim, poesia é "o ritmo e a imagem, principalmente a metáfora". Ampliando mais
a discussão, no que concerne ao que pensam determinados poetas do que seja, na
verdade, a poesia. Vejamos pois, o que pensa, por exemplo, Maiakovsky, no seu
Como fazer versos: "A poesia começa
onde existe uma tendência. (...) A
poesia é uma indústria: das mais difíceis e das mais complicadas, mas, apesar
disso, uma indústria. Aprender o ofício de poeta não é aprender o modo de
preparar um tipo definido e limitado de obras poéticas, mas sim, o estudo dos
meios de todo o trabalho poético, o estudo das práticas dessa indústria que
ajudam a criar outros. O trabalho do
poeta deve ser quotidiano, a fim de melhorar a técnica, e acumular reservas
poéticas". T. S. Eliot, em seu Essência da Poesia, por outro lado,
defende que: "A poesia pode ter um
significado social deliberado e consciente. Podemos observar que a poesia
difere de qualquer outra arte por ter para o povo da mesma raça e língua do
poeta um valor que não tem para os outros. Nenhuma arte é mais obstinadamente nacional do que a poesia, a poesia
que é o veículo do sentimento". E arremata: "A poesia é uma constante lembrança de todas as coisas que só podem ser
ditas em uma língua, e que são intraduzíveis". E como tarefa de poeta,
Eliot defende que primordialmente e sempre se leve a efeito uma revolução na
linguagem, articulada com musicalidade de imagens e de sons. Ezra Pound, em seu
A arte da poesia, entretanto, acrescenta: "Cada homem é o seu próprio poeta", defendendo que ninguém será
um poeta escrevendo hoje com um jeito de anos atrás e que a linguagem deve ser
usada com eficiência. Mas falar de poesia num tempo tão apressado, desumano,
insensível, em que tudo beira a mediocridade e a barbárie, prova que o ser
humano resiste e se renova. Usemos por conclusão as palavras de Pound sugerindo
que o poeta "[...] identifique a
assonância e aliteração, rima imediata e retardata, simples e polifônica, tal
como se espera de um músico que conheça harmonia e contraponto, assim como
todas as minúcias de seus ofícios". E adverte: "nunca se escreveu poesia de boa qualidade
usando um estilo de vinte anos atrás, pois escrever dessa maneira revela
terminantemente que o escritor pensa a partir de livros, convenções e clichês,
e não a partir da vida". Evidencia-se, pois, que a poesia está na
vida. E vamos aprumar a conversa aqui e aqui.
Imagem do pintor brasileiro Ismael Nery (1900-1934). Veja mais
aqui.
Curtindo o poema orquestral Danse Macabre (op. 40, 1874), do
compositor, pianista e organista francês Camille
Saint-Saëns (1835-1921). Veja
mais aqui e aqui.
A
VOLTA AO AMOR NO ETERNO RETORNO - O
político, filósofo, médico, místico e poeta grego, Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.), nascido em Aeragas, hoje
Agrigento, na Sicília, cidade colonial grega no litoral sul da Sicília, então
parte da Magna Grécia, no Mar Mediterrâneo, é o primeiro filósofo dórico e um
dos notáveis defensores da teoria da constituição da matéria de Pitágoras, um
profundo teórico da evolução dos seres vivos e considerado o primeiro
sanitarista da história. Na política, opôs-se à oligarquia, defendendo a
democracia, mas foi desterrado quando do triunfo da reação. Dos eleatas deriva
ele a doutrina da eternidade e imutabilidade do ser; mas divide o ser uno dos
eleatas e a busca dos jônicos de um único principio das coisas pelos quatro
elementos: fogo, terra, água e ar, como no seu poema: Com a terra vemos a terra, com a água, a água, com ar, divino ar, e com
fogo, o eterno fogo, com o amor, o amor, a luta com a triste luta; combina
ao mesmo tempo o ser imóvel de Parmenides e o ser em perpetua transformação de
Heráclito, salvado ainda a unidade e a pluralidade dos seres particulares. Ele
julga também real – dos fenômenos e das coisas, mediante a diversa combinação
dos quatro elementos. Essa combinação realiza-se mediante duas forças
fundamentais e primordiais: o amor e o ódio. O amor conserva misturado e unido
tudo, coisas e elementos, que o ódio distingue e divide. A principio domina
unicamente o amor e, por conseguinte, a harmonia e a paz, como que numa idade
do ouro; depois mistura-se com o amor o ódio, a divisão, donde a origem dos
seres individuais que, num predomínio sucesso do ódio, são destruídos. Isso
provoca, por reação, uma volta ao amor, recomeçando daí um novo ciclo e, assim
por diante, repete-se um eterno retorno de coisas e eventos (Fonte: Historia da
filosofia, U. Padovani & L. Castagnola, Melhoramentos, 1978). Veja mais
aqui, aqui e aqui.
MESQUINHEZ – No livro Os filhos de Candinha (Martins, 1943) do escritor Mario de Andrade (1893-1945), encontro
a crônica Mesquinhez, a seguir transcrita: Temos
que distinguir porem. Si é fato que existe em certas classe de sublimadores de
vida (poetas, mendigos, etc) sincera incompetência pra viver, não é menos certo
que muito individuo se aproveita disso pra não tomar atitude ante os fenômenos
sociais. Dado que o artista, o cientista é um ser à parte, pois então vamos nos
aproveitar disso. Sistematizam este estado de off-side que é inerente à
psicologia deles, e na verdade já não estão apenas à parte mais, criam mas é
uma salvaguarda de indiferentismo e até sem-vergonhismo que lhes permite
aceitar tudo em proveito pessoaç. Quando Julien Brenda estabeleceu no livro
bulhento dele a condição do clerc, ele não esqueceu de especificar bem que a
contemplatividade do intelectual às direitas não impedia este de se manifestar
a respeito dos movimentos políticos e tomar parte neles. Mas disto os cultos
brasilianos não querem saber. Si, entre escritores, ainda existem alguns que,
talvez por mais acostumados a pensar, tomam partido, é absurdo como se
estabeleceu tacitamente que pintores, músicos, arquitetos, fisiólogos e
tisiólogos e teólogos são da neutralidade. Neutralidade? É, eles chamam de
neutralidade o quye é muito boa falta de caráter. É a neutralidade que consiste
v. g. no governo de Carlos de Campos, em tudo quanto era concerto, qualquer
pecinha deste compositor lamentável, aparecer no programa. E me vinham: - “Você
compreende, essa música banalíssima, porem nós que pertecemos à classe dos
músicos devemos honrar um, sim, um músico que está na presidência do Estadi”. E
como a bondade pessoal de Carlos de Campos era mesmo um fato, aquilo rendia bem
ao colega. Dele. Este ano um pintor ainda me expunha suas teorias sobre a
honradez profissional. Era assim: - “Você compreende (usam e abusam do você
compreende arranjador gratuito de cumplicidade) você compreende, tudo isto que
eu faço não é minha arte não! Mas é disso que o povo gosta! Estas orquídeas,
isso é passadismo do miúdo, mas Fulano, que você sabe a importância dele na Prefeitura,
queria por força que eu pintasse orquídeas. Eu pintei e ele comprou! Estou
envergonhado de ter um quadro assim na exposição, mas, você compreende, é por
causa do nome do comprador. Mais tarde, quando eu não tiver mais cuidados
pecuniários, então hei-de fazer a arte que sinto em mim”! e com isto, si
receberem a encomenda de uma sinfonia para Mussolini e um retrato de Napoleão a
cavalao, fazem. Porque diz-que o assunto não tem importância na obra de
arte!... me parece inconstestavel que estamos atravessando um momento muito
importante, que pode despertar no povo brasileiro a consciência social – coisa
que ele não tem. Ora não só músicos, tisiólogos e fisiólogos, mas até
literatos, vou percebendo uma pouca vontade vagarenta em tomar atitude. Parece
que estão muito preocupados em cantar a mãe-preta, o seu rincãozinho, a sua
religiãozinha, pra tomarem consciência verdadeira do momento que a
nacionalidade atravessa, e vai bastante mais além desses lugares-comuns
temáticos do novo “modernismo” de agora. No poema de Martin Fierro vem aquela
estrofe honesta, que gosto muito: Yo he conocido cantores / que era um gusto
escuchar, / mas no quieren opinar / y se divierten cantando; / pero yo canto
opinando / que es mi modo de cantar. Eu acho que também temos que cantar
opinando agora. Há muito mais nobre virilidade em se ser conscientemente besta
que grande poeta da arte pura. Veja mais aqui, aqui e aqui.
RASTRO DE APOLO – No livro Rastro de Apolo (GRD, 1977), do poeta, jornalista, tradutor e
biógrafo Gerardo Mello Mourão
(1917-2007), destaco o trecho: Oito léguas pelo mesmo pampa triste / o rastreador gaúcho
consulta o inconsútil chão / de joelhos / e era
/ de seus
olhos / o adorador e criador de corpos / senhor e servidor
/ Termina
o chão / começa o ar / e onde se acaba / todo elemento
/ seria
um rastro: / do coração de outubro / amadurece ao sol
/ tua
laranja: / boa tarde Calíope / e o pé pentesileu
/ pisava
seu pentâmetro / e uns perdem / e outros acham
/ artelho
e calcanhar e tornozelo / entre solo e sol / Do coração de outubro
/ saltada
a flor: / quem despe um pé / dum escarpim / de cordobán?
/ Pois
busco o rastro / de joelhos / de olhos no chão:
/ talvez
nas águas / nas verdes águas / sobre ele adeje
/ gaivota
sábia / Ao vento de Delfos / boiava a morte / boiava morto
/ Sebastião
Muniz / na fonte de Castália e ali pisaras: / por onde um rastro um dia
florescera um corpo / tuas ancas, Mepômene, dançaram
/ o mel e
a lua de teus seios. / Boa noite, Calíope, / por onde?
/ A morte
de Sebastião Muniz viera caminhando / ao tom das harpas
guaranis / — ó noite azul, ó estrelas
/ flutuando
no rio / ó noite azul do Paraguai! — a morte / de Passo de Camaragibe e
Araripina / aos montes da Tessália
/ por
serras e por mares caminhando — / na praia do Senegal dera uni aceno
/ e por
ali / seu passo sertanejo — e sob aquele céu / serrana e marinheira a
Morte / dizia chão e mar e por seu nome / chamava cada chão e cada
mar: / virias / defunta Musa / e à sugerida lágrima / uma
estrela caíu despedaçada — e ali / talvez ardera o pé do que pisara
/ e à
cadência da lira e ao som / da flauta andara andando
/ onde
/ boiava
ao vento de Delfos no jornal perdido / a achada morte.
/ Carrapateira
— sertão da Paraíba — / seiscentos habitantes receita orçamentária cem
dólares / quatro casas comerciais e um candeeiro / amarelava a luz
/ nas
prateleiras de cachaça de Nezinho Varejão: / Mariana debulha no jacá o
milho elementar / debulha Laurentina o rosário penitente:
/ —
"Tu crês, Arsênio, outro país lá em cima?"
/ —
"Não sei — sei que andaram seis léguas — / terão casa? "
/ João
Pedrosa aponta a lua: / no céu só Deus — no mundo o homem / terra pra riba
de jeito nenhum — / o céu vive na vida boa / pra nós tudo que vem é
bom / eu piso em qualquer chão". / Chicão Gomes — "Deus / não
consente, gentes: a torre de Babel ia
até o céu - o povo / fazia a torre / todo mundo lá em cima
falando / a mesma língua — Deus não deixou — / como castigo misturou as
línguas". / — "Deus deixa
tudo" — Arsênio emborca / outro martelo de aguardente — / "Deus deixa
tudo — o mundo é nosso / quem sabe viver, vive — quem não sabe,
/ se
acaba — a terminação é a cabeça da gente" / Nezinho Varejão: / — "o
homem não tem poder, Arsênio, / como o foguete engancha lá?
/ Se
chegar, não baixa, se baixar se machuca / no rochedo de pedra:
/ tudo é
mentira / acredita, Galdino?" / — "Eu ? eu sou do tempo antigo / difícil o
homem ir na lua / quando era impossível, meu pai dizia:
/ "Só
se for no mundo da lua" / — Tem destino esse cabra americano"
/ Galdino
se exalta: / — "o
mundo vai acabar, Prefeito, / isto é conversa dos beiradeiros de pé-de-serra
/ mas o
movimento dos homens dá de tudo / morasse na cidade, eu ainda poderia pensar, /
lá eu via o movimento mais ou menos" / — "Mas derrubar um boi - você
derruba" / — Peguei muito boi nesses pés-de-serra"
/ Disse
Antônio Matias: — "o aparelho / tem que passar do terreno para poder
pousar / senão o cabra despenca lá de cima: / a entrada é caso de
dificuldade" / — "Três já
precisava coragem - imagine um só" / os homens riem na bodega de Adonias:
/ "Se
o cabra passar da lua vai parar nos / quintos do inferno"
/ —
"Com três é bom — / um diz uma palestra outro diz outra / você — uma
viagem de quatro léguas / sozinho é duro / com três montados é melhor"
/ Arsênio
acende o cigarro na lamparina: / — "o americano diz que mandaram um gato
/ —
morreu". / — "Não teve vida de resistência". / Nezinho
Varejão: — "gato morre de fome de um dia pro outro"
/ — "Gato morre" — sentença de Galdino
/ Um
gesto, alguém limita o cosmos: — / "eles irão passar da chuva? / pois pra
riba da chuva / só Nosso Senhor". / — "Contam — conta
Adonias — / a gente sobe no avião — olha pra baixo / é céu por
todo lado / o cabra não sabe se tem terreno na lua / mesmo a três mil metros da
terra brasileira / não sabe". / — "Eu estou aqui / o
sol gira — a terra / fica parada" / — "Quando eu era
menino vi um avião / o jumento largou as cangalhas / larguei o jumento com dois
surrões de farinha / do Engenho Sereno / hoje é diferente
/ gente
está aqui sabe até / que acontece no estrangeiro".
/ — "Isto
é exploração do dinheiro, Galdino". / — "Isto é coisa do
Cão / o estudante diz que o mundo gira como a bala / do canhão".
/ —
"A ciência está atrobada, Arsênio, / eles têm muita ciência / muitos
acreditam outros não acreditam / depende de Deus" —
/ —
"Quando Deus consente — João Pedrosa — / o homem muda tudo
/ mas só
quando Deus consente / senão não muda nada" —
/ —
"É o homem abaixo de Deus" / — "A lua é um
planeta que vive no espaço não tem / moirão nenhum pra segurar, o americano
devia / trazer uma banda dela, mas quem manobra é Deus
/ Nosso
Senhor — o homem está invadindo o terreno / de São Jorge / está desafiando
/ Deus
castiga" / — "0
homem deve se contentar com o país dele" — / Joana ergue o rosário — /
"Mas o homem é igual.a Cabral: / tinha coragem — estava sem destino / acabou
descobrindo a terra". / — "Nosso
Senhor não fez a Lua pro homem chegar perto / se quizesse, botava aqui em
Piranha, bem pertinho / ai o homem ia de jumento"
/ — "Mas ele pára lá na lua para almoçar / ou
vem almoçar aqui embaixo / no país dele? / Porque a viagem é
comprida, gente" / — "0 Prefeito tem razão:
/ a Lua
não tem terra nem pedra nem nada / só vento brabo e se o homem tivesse juizo
não ia lá / a cruviana mata / ele / o americano diz que a Lua joga lajedo de pedra:
/ acho
que é o corisco / a Lua é um planeta sem infinidade / na capital têm
um aparelho que vai até o rochedo dela / bem que Deus disse: aqui a minha
semelhança — / e fez o homem / Deus é homem calmo / queria que o homem ficasse aqui
/ o homem está desafiando /Deus castiga". / Antonio Faustino armazena
feijão verde na sala / ouve a Voz da América e diz: / — "Deus não
existe". / E de repente caiu / dos espaços infinitos
sobre / os homens e as mulheres caiu / um silêncio sagrado – vinha / de Ribeirão das Almas - duas léguas de
Carrapateira / e ia subindo entre as ladainhas excelentes / o anjinho morto em
seu caixão azul / ia subindo para o céu da tarde azul
/ ia
subindo azul e ia ficando / sobre a estrada subitamente sagrada / o rastro do
caixão florido — o rastro / das flores de salsa encarnada. Veja mais aqui.
DO CAMARADA ÀS LEMBRANÇAS
DE UM SONHO - A trajetória
da atriz de teatro, cinema e televisão Maria
Claudia Maciel, começa no início da década de 1970 quando ela participou de
diversas peças teatrais, como O camarada Miussov de Karaiev, Vestido de noiva
de Nelson Rodrigues, Agora eu conto, entre outras. Em 2004, ela retorna aos
palcos com a peça Jung e Lembranças de um sonho, de Luiz Carlos Maciel. No
cinema, ela começou ao lado de Renato Aragão no filme Bonga, o vagabundo,
seguindo-se Independência ou Morte, O flagrante, Um marido contagiante, Se
segura malandro, O coronel e o lobisomem, e Eros, o deus do amor. Por seu
trabalho, ela foi eleita uma das mulheres mais lindas das décadas de 1970/80,
principalmente quando participou na televisão brasileira em novelas e séries de
sucesso. Fica aqui o registro do nosso aplauso de pé. Veja mais aqui.
TRAFIC – A comédia Trafic (As aventuras do Sr. Hulot no tráfego louco, 1971), dirigido
pelo cineasta francês Jacques Tati
(1907-1982), com roteiro do próprio diretor em parceria com Bert Haanstra e
Jacques Lagrange, e música de Charles Dumont, conta a história de um designer
de automóveis e de uma agente de publicidade participando do salão de automóvel
em Amsterdam, na Holanda, enquanto causam confusões pela autoestrada durante a viagem,
denunciando o quão ridículo as pessoas e as coisas realmente são. Bem recebido
pela crítica, este filme consagra a genialidade do autor que produziu uma obra
para lá de significativa no cenário cinematográfico. De minha parte, é um dos cineastas que mais aprecio e que tenho sempre que posso revisto sua obra. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
A arte do artista plástico realista Jeremy Lipking.
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa Some Moments, a partir das
21 hs, no blog do Projeto MCLAM, com a apresentação sempre especial e
apaixonante de Meimei Corrêa. Em seguida, o programa Mix MCLAM, com Verney Filho e na
madrugada Hot Night, uma programação
toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online acesse aqui.
VAMOS APRUMAR A CONVERSA?
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