VAMOS APRUMAR A CONVERSA? LIÇÃO
PRA SER FELIZ – Desde um
tempo atrás que ouvi de Gonzaguinha que não dá pra ser feliz do jeito que a coisa
vai, que minhas catracas do quengo anda questionando a respeito. Pudera, o que
mais ouço hoje, é que todos querem a felicidade a qualquer preço e modo,
simplesmente, porque todos nós merecemos, de uma forma ou de outra, sermos
felizes. Vai e volta, esbarro em gente que quer achar essa tal felicidade. Onde
ela está escondida? O que a gente faz pra tê-la pra gente? Eu mesmo digo pra
elas: - Se acharem, me avisem; vamos socializar. Confesso que por mais de
cinquenta anos, ou melhor, por toda minha vida, a minha busca era saber onde
que droga se encontrava escondida essa felicidade que todo mundo fala e canta. Nas
minhas investigações, ora, ouvi de tudo, desde conselhos e trilhas, até
admoestações as mais severas. Teve quem dissesse que estava no Himalaia; outro
com ar de autoridade e sabedor de tudo, disse que está no Kilimanjaro; um mais
afoito não dispensou o seu que nada pra corrigir tudo e todos, afirmando
categoricamente se encontrar no Fuji-Yama; e, no meio disso, não se esqueceram
de mencionar que está no segredo guardado das múmias do Egito. E lá vai teitei.
Não faltou quem apontasse pro colosso de Rodes, pras ruínas da acrópole de
Partenon, pro pico do Aconcágua, até pros espelhos de Arquimedes. Alguns até
ousaram recomendações de que para tal precisava saber alfa e ômega de tudo, ou dar
um golpe do baú pra encontrar o Eldorado, ou achar o pote de ouro no fim do
arco-íris, catar os líquens e musgos no vulcão de Erebus da Antártida, ou praticar
autoflagelação num iglu dos esquimós, ou possuir um fragmento do bendengó ou a
pedra Caaba de Meca ou mesmo o diamante de Cullinam ou uma grande pepita de
ouro, pra ter toda divícia. Quer dizer, um bocado de gente sinalizava que só a
riqueza traz felicidade. Outros, não descartando tudo isso, deram conta de que
pra ter felicidade precisava ser benzido e curado pelo gênio Caruana do
Amazonas, praticar a eugenia, ou livrar-se dos brasa-escondidas do mundo
ababelado; afora isso, só lendo o Alcorão e os Vedas, com o Colliget de
Averróis, as lições dos babalorixás, saber de cor a Bíblia, a Imitação de
Cristo de Thomas de Kêmpis e os mandamentos de Alá, Javé, Buda ou Adonai; praticar
necromancia, ler as mil e uma noites, desatar nó górdio, decifrar papiros e
entender os oráculos. Outranos aumentavam a bula do sincretismo com afirmação
de que só poderia encontrá-la quem tivesse coragem de correr todo arquipélago
das Bermudas, ou ter a graça de ser abduzido por um Ovni e, quando voltar, conseguir
entrar no Templo de Baal. Outrantos mais, além disso, direcionaram como
fundamental uma vista pros templos de Calcutá, a determinada fuga de Abaçai, a
cagada da posse de aerólitos, participar da água-de-oxalá, seguir os passos de
Gandhi e desvendar os enigmas da Esfinge. Ah, não faltou quem ousasse a
indicação da indispensável viagem pela Gulf-Stream lendo as profecias de
Nostradamus até encontrar o perfume da beleza de Pentesileia, voltar para as
bandas de Madagascar a dar sota e ás pra achar o elo perdido de Java. Não faltaram
outrotantos pitacos pra dar em cima dos mistérios de Osíris visando descobrir a
longevidade e dar um trato à bola pra saber o esconderijo das botijas de
Montezuma e tralalá blablablá. E batiam pé e reafirmavam: só assim. Pelo jeito,
tinha que dar uma volta ao mundo todo e, se fosse pouco, não seria nada demais
dar um pulinho em Marte ou sair pinotando pros outros planetas da nossa galáxia,
a fim de localizar o real paradeiro da felicidade. Isso me levaria a correr
todas as altitudes e latitudes, até encontrar o armistício humano. Andejo como
sou, seria uma andada que findaria acometido por abasia, acho. Preferi fazer ginástica
nos neurônios e cutucar todo tipo de ideia possível e inimaginável. Pra meu
desapontamento, só dei água em barrela e com os burros n’água. Resolvi descartar
qualquer menção de posse, desejo ou obstinação. Foi aí que me ocorreu uma
generosa intuição que me saltou de repente e do nada pra compreensão. Seguinte,
por mais que se pense que a felicidade está em algum lugar do universo, só há
um local onde ela pode ser encontrada de verdade: é dentro de mim mesmo. Esta foi
a lição que aprendi: ela não está em nenhum lugar do mundo ou do universo, a
felicidade está dentro de cada um. É só descobri-la e seja feliz. Sorria – e que
o sorriso seja sua prática todo dia e o dia todo -, faça o teste e constate. Faça
as pazes consigo. Aproveite, faça uma faxina e saiba que você é uma pessoa
sortuda, pois foi escolhida entre os milhões de espermatozoides. Sofrimento? Encare
as dívidas e os problemas como brincar de lição de casa. Não se leve tão a
sério, faça como Rita Lee: brinque de ser sério e leve a sério a brincadeira. É
difícil? Só depende de você. Invente, faça de você uma pessoa diferente e
descubra que a felicidade verdadeira está dentro você. Sorria e vamos aprumar a
conversa aqui.
Imagem Allegro (1909), do pintor e compositor lituano Mikalojus Konstantinas Ciurlionis (1875-1911).
Curtindo
o álbum Senhas (CBS/Columbia Records, 1992), da cantora e compositora Adriana Calcanhoto. Veja mais aqui.
BRINCARTE DO NITOLINO – Hoje é dia do programa Brincarte do Nitolino Especial do Dia
Mundial da Natureza e dos Animais. Será a partir das 10hs, no blog do Projeto
MCLAM, com a apresentação luxuosa da simpaticíssima Isis Corrêa Naves. Na programação para as crianças de todas as
idades: Fagner, Robertinho do Recife, Vida Verde Viva, Leo & Gandhi, O leão
cordeirinho, Anderson Freire, As Esquiletes, Manuel Sampaio, O lobo e os sete
cabritinhos, Nita & o jacaré e a princesa, O lobisomem zonzo, Meimei
Corrêa, Eliana, Patati & Patatá & muito mais brincadeiras, poesias,
histórias e entretenimento. No blog dicas de Educação, Psicologia, Direito das
Crianças e Adolescentes, Teatro, Literatura e Música Infantis. Para conferir ao
vivo e online clique aqui ou aqui.
A SEMENTE DA MOSTARDA – No livro A semente da mostarda:
discursos sobre as palavras de Jesus segundo o Evangelho de Tomé (Tao,
1979), do filósofo e místico, líder religioso hindu das tradições dármicas,
mestre da arte da meditação e do despertar da consciência Bhagwan Shree Rajneesh (1931-1990), encontro o Décimo primeiro
discurso, proferido em 31 de agosto de 1974, no qual destaco os trechos a
seguir: Todo o problema humano consiste
em escolher entre o momentâneo e o eterno. Quando você escolhe o momentâneo,
está construindo sua casa na área – ela cairá. Quando escolher o eterno, então
algo que dura para todo o sempre é alcançado. [...] A avestruz esconde a cabeça, fecha os olhos e imediatamente não tem
mais medo porque o inimigo não pode ser visto. Mas o inimigo não acredita nessa
lógica. Pelo contrário, você é um brinquedo em suas mãos quando fecha os olhos;
está pedindo para ser a vítima. Você poderia fugir mas não o fez porque pensou
que o inimigo não estivesse lá – não que ele não estivesse, você é que sentiu
que ele não estava. É assim que você sente uma felicidade momentânea quando se
torna inconsciente através de drogas - os problemas não existem, todos os
inimigos desaparecem, não há ansiedade – porque para haver ansiedade, você tem
de estar alerta, desperto. [...] Aconteceu
certa vez que Thomas Edison foi convidado para um jantar onde se reuniam alguns
amigos. Ele era um homem de poucas palavras e ficava sempre perturbado quando
havia muita gente por perto. Ele era um trabalhador solitário em seu
laboratório, era um pesquisador, um homem contemplativo; a presença dos outros
era sempre uma perturbação para ele. E no jantar havia muitas pessoas, todas
ocupadas em comer, tagarelar que Edison pensou: “Esse é o mento de escapar!”
Então ele começou a procurar uma porta pela qual pudesse escapar – nesse
momento foi apanhado. O anfitrião agarrou-o e perguntou: “Sr. Edison, no que o
senhor está trabalhando atualmente?” Ele respondeu: “Na fuga!”. Mas todos estão
trabalhando na fuga. Esteja alerta para isso! Por que você não consegue
desfrutar da vida – que é um presente? Você não teve de ganha-la; é por isso
que eu digo que é uma graça. Ela lhe foi dada pela existência – você pode
chama-la de Deus – ela é simplesmente um presente, um puro presente. Você não
fez nada para consegui-la, para ganha-la. Por que não consegue ser grato e
desfrutá-la? Você deveria estar dançando de alegria, mas qual é o problema:
porque para desfrutar da felicidade, é necessária uma consciência maior. Para
sofrer uma angustia não há necessidade de estar alerta. Para sofrer uma
angustia é necessário maior escuridão, menos consciência – é necessário a
noite, não o dia. Mas para desfrutar a felicidade, é necessário mais
consciência. Assim, se você encontrar um santo triste, saiba que ele não é
santo. Porque a consciência dá felicidade plena, dá um profundo sorriso a todo
o seu ser. A consciência lhe dá algo que o transforma em criança|: você pode
correr atrás de uma borboleta, pode saborear uma comida simples, pode desfrutar
das coisas simples da vida, a ponto de tudo se tornar um presente. Tudo se
torna uma graça de Deus e você pode ser grato a cada momento – mesmo pelo ar
que respira. Pode desfrutar até da sua própria respiração. Uma simples
respiração! E o prazer é tão grande! Se encontrar um santo triste, saiba que
algo está errado; ele ainda vive no vale, ainda não se moveu para o pico. Caso
contrário ele estaria radiante, teria beleza, teria o prazer de uma criança:
despreocupado, sem medo – estaria fortificado na sua consciência. Veja mais
aqui e aqui.
A CACHORRA BALEIA – No livro Vidas secas (Martins, 1938), do escritor e jornalista Graciliano Ramos (1892-1953), encontro
o trecho de Baleia o qual destaco: [...] A
cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pelo caira-lhe em
vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras
supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos
beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida. Por isso Fabiano imaginara que ela
estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário
de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas
estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos
sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa na base,
cheia de roscas, semelhantes a uma cauda de cascavel. Então Fabiano resolveu
mata-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o
saca-trapo e fez tenção de carrega-la bem para a cachorra não sofrer muito.
Sinha Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que
adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta: - Vão bulir
com a Baleia? [...] Fabiano percorreu
o alpendre, olhando a baraúna e as porteiras, açulando um cão invisível contra
animais invisíveis. – Ecô! Ecô! Em seguida entrou na sala, atravessou o
corregor e chegou à janela baixa da cozinha. Examinou o terreiro, viu Baleia
coçando-se a esfregar as peladuras no pé-de-turco, levou a espingarda ao rosto.
A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando
até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as
pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, Fabiano saltou a janela,
esgueirou-se ao longo da cerca do curral, detevbe-se no mourão do canto e levou
de novo a arma ao rost. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse
bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou
a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos traseiros e
inutilizou uma perna de Baleia que se pôs a latir desesperadamente. Ouvindo o
tiro e os latidos, sinhá Vitória pegou-se à Virgem Maria e os meninos rolaram
na cama, chorando alto. Fabiano recolheu-se. E Baleia fugiu precipitada, rodeou
o barreiro, entrou no quintalzinho da esquerda, passou rente aos craveiros e às
panelas de losna, meteu-se por um buraco da cerca e ganhou o pátio, correndo em
três pés. Dirigiu-se ao copiar, mas temeu encontrar Fabiano e afastou-se para o
chiqueiro das cabras. Demorou-se aí um instante, meio desorientada, saiu depois
sem destino aos pulos. Defronte do carro de bois faltou-se a perna traseira. E,
perdendo muito sangue, andou como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade
a parte posterior do corpo. Quis recuar e esconder-se debaixo do carro, mas
teve medo da roda. Encaminhou-se aos juazeiros. Sob a raiz de um deles havia
uma barroca macia e funda. Gostava de espojar-se ali: cobria-se de poeira,
evitava as moscas e os mosquitos, e quando se levantava, tinha folhas secas e
gravetos colados às feridas, era um bicho diferente dos outros. Caiu antes de
alcançar essa cova arredada. Tentou erguer-se, endireitou a cabeça e estirou as
pernas dianteiras, mas o resto do corpo ficou deitado de banda. Nesta posição
torcida, mexeu-se a custo, ralando as patas, cravando as unhas no chão,
agarrando-se nos seixos miúdos. Afinal esmoreceu e aquietou-se junto ás pedras
onde os meninos jogavam coisas mortas. Uma sede horrível queimava-lhe a
garganta. Procurou ver as pernas e não as distinguiu: um nevoeiro impedia-lhe a
visão. Pos-se a latir e desejou morder Fabiano. Realmente não latia: uivava
baixinho, e os uivos iam diminuindo, tornam-se quase imperceptíveis. Como o sol
a encadeasse, conseguiu adiantar-se umas polegadas e escondeu-se numa nesga de
sombra que ladeava a pedra. Olhou-se de novo, aflita. Que lhe estaria
acontecendo? O nevoeiro engrossava e aproximava-se. Sentiu o cheiro bom dos
preás que desciam do morro, mas o cheiro vinha fraco e havia nele partículas de
outros viventes. Parecia que o morro se tinha distanciado muito. Arregaçou o
focinho, aspirou o ar lentamente, com vontade de subir a ladeira e perseguir os
preás que pulavam e corriam em liberdade. [...] Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria,
certamente sinhá Vitoria tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo. Baleia
queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de
Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela
num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás,
gordos, enormes. [...] Veja mais aqui.
O PASTOR AMOROSO – No livro O eu profundos e os outros
eus (Nova Fronteira, 1980), do poeta e filósofo português Fernando
Pessoa (1888-1935), encontro a seção Fernando Pessoa, o outro – Ficções do
interlúdio -, em que destaco o poema O Pastor Amoroso: Quando eu não te tinha / Amava a Natureza como um monge
calmo a Cristo... / Agora amo a Natureza / Como um monge calmo à Virgem Maria,
/ Religiosamente, a meu modo, como dantes, / Mas de outra maneira mais comovida
e próxima... / Vejo melhor os rios quando vou contigo / Pelos campos até à
beira dos rios; / Sentado a teu lado reparando nas nuvens / Reparo nelas melhor
- / Tu não me tiraste a Natureza... / Tu mudaste a Natureza... / Trouxeste-me a
Natureza para o pé de mim, / Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma, / Por
tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais, / Por tu me escolheres para te ter
e te amar, / Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente / Sobre todas as
cousas. / Não me arrependo do que fui outrora / Porque ainda o sou. / Vai alta
no céu a lua da Primavera. / Penso em ti e dentro de mim estou completo. / Corre
pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira. / Penso em ti, murmuro o teu
nome; e não sou eu: sou feliz. / Amanhã virás, andarás comigo a colher flores
pelo campo, / E eu andarei contigo pelos campos ver-te colher flores. / Eu já
te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos, / Pois quando vieres amanhã
e andares comigo no campo a colher flores, / Isso será uma alegria e uma
verdade para mim. / O amor é uma companhia. / Já não sei andar só pelos
caminhos, / Porque já não posso andar só. / Um pensamento visível faz-me andar
mais depressa / E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo. / Mesmo
a ausência dela é uma cousa que está comigo. / E eu gosto tanto dela que não
sei como a desejar. / Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores
altas. / Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência
dela. / Todo eu sou qualquer força que me abandona. / Toda a realidade olha
para mim como um girassol com a cara dela no meio. / O pastor amoroso perdeu o
cajado, / E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta, / E, de tanto pensar, nem
tocou a flauta que trouxe para tocar. / Ninguém lhe apareceu ou desapareceu.
Nunca mais encontrou o cajado. / Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe
as ovelhas. / Ninguém o tinha amado, afinal. / Quando se ergueu da encosta e da
verdade falsa, viu tudo: / Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre,
/ As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento, / A realidade
toda, com o céu e o ar e os campos que existem, estão presentes. / (E de novo o
ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco nos pulmões) / E sentiu que
de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito. / Passei toda a
noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela, / E vendo-a sempre de
maneiras diferentes do que a encontro a ela. / Faço pensamentos com a
recordação do que ela é quando me fala, / E em cada pensamento ela varia de
acordo com a sua semelhança. / Amar é pensar. / E eu quase que me esqueço de
sentir só de pensar nela. / Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso
senão nela. / Tenho uma grande distração animada. / Quando desejo encontrá-la
/ Quase que prefiro não a encontrar, / Para não ter que a deixar depois. / Não
sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só / Pensar nela. / Não
peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar. / Todos os dias acordo com
alegria e pena. / Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava. / Tenho
alegria e pena porque perco o que sonho / E posso estar na realidade onde está
o que sonho. / Não sei o que hei-de fazer das minhas sensações. / Não sei o que
hei-de ser comigo sozinho. / Quero que ela me diga qualquer cousa para eu
acordar de novo. Veja mais aqui, aqui e aqui.
A PAZ – A comédia A paz (421aC), do dramaturgo e representante da comédia grega Aristófanes (447-385aC), conta a
história de Trigeum, um lavrador ateniense que vivia em um lugarejo da Ática do
cultivo de suas vinhas, resolve subir ao céu, montado num escaravelho, para
perguntar aos deuses a causa dos males que afligiam a Grécia, às voltas com
interminável guerra fratricida entre os helenos. No Olimpo ele encontra apenas Hermes;
os demais deuses haviam-se retirado para regiões ainda mais altas do
firmamento, resolvidos a não mais presenciar a discórdia que levava os gregos
ao extermínio. Hermes, a princípio relutante, resolve responder às perguntas de
Trigeu, que explora a gula do deus remanescente; mostra-lhe a Guerra
personificada, disposta a pulverizar as cidades gregas em um imenso pilão,
enquanto a Paz permanece prisioneira no fundo de uma caverna, cuja entrada está
obstruída por grandes pedras. Trigeu quer libertar a prisioneira a todo custo.
Por isso convoca os trabalhadores de todas as regiões da Grécia, gente do
campo, os mais sacrificados com a guerra. Depois de muitos esforços conseguem
libertar a prisioneira e com ela voltam aos gregos a abundância e a alegria.
Somente os fabricantes de armamentos não compartilham do contentamento geral,
pois o fim da guerra os arruina. A peça termina com o casamento de Trigeu e da
Abundância, companheira da Paz. Da obra destaco o trecho inicial: (Aristófanes)
(À direita, a casa de Trigeu; no centro,
a entrada de uma caverna fechada por grandes pedras; à esquerda, a morada de
Zeus) PRIMEIRO ESCRAVO - Depressa! Depressa! Traga o bolo para o escaravelho! SEGUNDO
ESCRAVO - Pronto. PRIMEIRO ESCRAVO - Dê o bolo a este inseto maldito! SEGUNDO
ESCRAVO - Nunca mais vai ele vai comer outro bolo melhor. PRIMEIRO ESCRAVO - Dê
mais um, feito de estrume de burro. SEGUNDO ESCRAVO - Está aqui outro. PRIMEIRO
ESCRAVO - E onde está o que você tinha trazido agora mesmo? Será que ele já
devorou? SEGUNDO ESCRAVO - Claro! Ele revirou o bolo com as patas e engoliu de
uma vez. PRIMEIRO ESCRAVO - Então faça outros depressa, e bem amassados.
SEGUNDO ESCRAVO - Pelo amor dos deuses, limpadores de latrinas! Me socorram se
não quiserem que eu morra sufocado! PRIMEIRO ESCRAVO - Mais! Mais! Peça a um
pederasta! O escaravelho disse que gosta bem espremido. SEGUNDO ESCRAVO -
Pronto. Ao menos fico livre de suspeita de comer a massa do bolo enquanto
preparo ele. PRIMEIRO ESCRAVO - Que fedor! Mais! Mais! Não pare de espremer!
SEGUNDO ESCRAVO - Não posso mais! Já não consigo suportar esse fedor de
latrina. PRIMEIRO ESCRAVO - Vou entrar e levo a latrina comigo. (O Primeiro
Escravo entra com o escaravelho) SEGUNDO ESCRAVO - Leve ela para o inferno e vá
com ela! (Dirigindo-se aos espectadores) Me diga, quem souber, onde eu posso
comprar um nariz sem buracos. Não conheço trabalho mais horroroso que esse de
espremer comida para um escaravelho. Um porco ou um cachorro engolem sem
luxinhos os nossos excrementos, mas esse bicho aí se faz de dengoso e não quer
comer a não ser que eu tenha passado o dia todo amassando os bocados, como se
fosse uma mulherzinha muito delicada! Mas vamos ver se ele já parou de comer;
vamos abrir a porta só um pouquinho para ele não notar a minha presença. (O
Segundo Escravo entreabre a porta) Coma! Empanturre-se de comida até estourar!
Com que gana esse bicho maldito devora a comida! Ele mexe o queixo sem parar,
como um lutador mexe com os braços. Mexe as cabeças e as patas como um
fabricante de cordas para barcos. Bicho feio, fedorento e guloso! A que deus
ele é consagrado? Não tenho certeza, mas penso que não há de ser a Afrodite nem
às Graças. PRIMEIRO ESCRAVO - A que deus, então? SEGUNDO ESCRAVO - Só se for a
Zeus merdejante. PRIMEIRO ESCRAVO - Você ainda não ouviu algum espectador,
algum rapazola convencido, perguntar: “Que negócio é esse? Para que esse
escaravelho?” E um vizinho dele responde: “Se não me engano, aquele político
sujo anda metido nisso; dizem que ele comia imundície”. Mas eu vou entrar para
dar de beber ao escaravelho. SEGUNDO ESCRAVO - E eu vou explicar o caso às
crianças, aos homenzinhos, aos homens feitos, aos homens desfeitos, aos que já
viveram demais. Meu patrão está com uma mania esquisita. (Não é essa de vocês,
não!) É outra mania, completamente nova. O dia todo, com os olhos erguidos para
o céu, ele se queixa a Zeus e diz: “Ah! Zeus! Que é que você pretende fazer?
Pare com essa vassoura! Não varra a Grécia da face da terra!” Atenção!
Silêncio! Parece que estou ouvindo a voz dele! TRIGEU - (sem ser visto) Ah!
Zeus! Que é que você pretende fazer com os atenienses? Você não se incomoda de
estar despovoando nossas cidades? SEGUNDO ESCRAVO - É essa mania de que eu
estava falando. Agora vocês tiveram uma amostra da loucura dele. Mas eu quero
contar a vocês as coisas que ele disse no primeiro acesso da doença: “Por que é
que eu não posso ir direto a Zeus?” Depois, fazendo pequenos degraus, subia por
eles com os pés e as mãos, “para escalar os céus”; até que ele caiu no chão e
quebrou a cabeça. Mas ontem ele foi não onde e voltou para casa com um
escaravelho enorme, indócil como um cavalo da Sicília, e fez de mim o tratador
de tal bicho. Ele acaricia o escaravelho com a mão, como se fosse um potro:
“Meu Pegasozinho!” diz ele. “Generoso voador, me leva direto a Zeus de um
arranco só!” Mas vamos olhar por esta fresta para ver o que ele está fazendo.
(Olha) Ah! Infeliz! Socorro, vizinhos! Socorro! Meu patrão está subindo
desabaladamente pelos ares, cavalgando um escaravelho! TRIGEU - (montado no
escaravelho) Vamos devagar, não precisa exagerar no entusiasmo! Não comece
voando tão depressa assim; espere esquentar e desembaraçar as juntas com o
bater das asas. E faça o favor de não largar mau cheiro em mim; se for para
isso é melhor você ficar em casa. SEGUNDO ESCRAVO - O senhor está delirando,
patrão! TRIGEU - Silêncio!... Silêncio!... SEGUNDO ESCRAVO - Aonde o senhor
vai? O senhor vai-se perder aí pelo céu. TRIGEU - (em tom solene) O interesse
dos gregos orienta meu vôo e preside meus ousados planos! SEGUNDO ESCRAVO - Por
que o senhor está voando? Que maluquice é essa? TRIGEU - Não diga palavras de
mau agouro! Fale coisas otimistas e dê berros de alegria! Mande todo mundo se
calar, cobrir as latrinas com telhas novas e arrolhar os intestinos. SEGUNDO
ESCRAVO - Eu não me calo antes de o senhor dizer para onde está voando. TRIGEU
- Para onde havia de ser? Para o céu, lá para onde está Zeus. SEGUNDO ESCRAVO -
E para quê? TRIGEU - Para saber o que ele pretende fazer dos gregos todos.
SEGUNDO ESCRAVO - E se ele não disser? TRIGEU - Eu vou mover uma ação contra
ele por trair os gregos em benefício dos persas. SEGUNDO ESCRAVO - Essa não! O
senhor não vai fazer isso enquanto eu estiver vivo! TRIGEU - Não pode ser de
outra maneira. SEGUNDO ESCRAVO - (Dirigindo-se às filhas de Trigeu) Meninas! O
pai de vocês está indo embora! Ele vai sozinho para o céu, de fininho! Tentem
dar um jeito nele, coitadinhas! (Aparecem as filhas de Trigeu) [...] Veja
mais aqui, aqui e aqui.
SETE OPORTUNIDADES – A comédia/romance Sete Oportunidades (Seven Chances, 1925), é um filme de David
Belasco e dirigido pelo ator, realizador, roteirista e produtor de cinema
estadunidense Buster Keaton
(1895-1966), conta a história de sujeito que passando por muitas dificuldades
financeiras, fica sabendo que seu avô lhe deixou uma herança de sete milhões de
dólares. Mas, para receber o dinheiro, ele terá que se casar até as 19h do dia
do seu 27º aniversário. Merece registro o fato de que a cena mais famosa desse
filme aconteceu por acaso. Nas filmagens de uma cena de perseguição em uma
ladeira íngreme, Buster Keaton sem querer desalojou algumas pedras que caíram e
desceram a ladeira atrás dele como se o tivessem perseguindo. Para se esquivar,
ele precisou correr das pedras e depois se esconder atrás delas. No
pré-lançamento, ele viu que esse acidente arrancou as maiores gargalhadas da
plateia. Aí ele decidiu regravar a cena com uma centena de "pedras"
de papel machê em diversos tamanhos. A cena final é ele tendo que correr de uma
avalanche de pedras. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
Children's portrait in art and painting,
do pintor francês Victor Gabriel Gilbert
(1847-1933)
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa Domingo Romântico, a partir
do meio dia, no blog do Projeto MCLAM, com a reprise de toda programação da
semana e a apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Em
seguida, o programa Mix MCLAM, com
Verney Filho e na madrugada Hot Night,
uma programação toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online
acesse aqui.
VAMOS APRUMAR A CONVERSA?
Dê livros de presente para as crianças.