VAMOS APRUMAR A CONVERSA?
DOMINGO DE CRIANÇA ETC & TAL
– No quintal dos milagres, todo dia era dia de Sol. E quando chovia na minha
infância, a varanda virava quintal, às escondidas, claro, só quem sabia era eu
e o meu amigo invisível. Também a turma que aparecia como resultado das minhas trelas
e tretas. E essa turma aumentava todo dia com os que fugiam dos circos, dos
desenhos animados e dos gibis, trazidos pelos redemoinhos que um saci fazia
pulando academia e que queria ser deputado pra ir na ONU reclamar das mazelas
dos homens que fazem muita besteira acabando com tudo. Pra você ter uma ideia,
desses redemoinhos apareceu o Carlito com seu chapéu coco e bengala, o Dom
Quixote procurando seu cavalo, o Fred Flintstone com seu Yababadou e até o jacaré-do-tanque-da-praça-Maurity
que eu imitava-lhe com o canto do olho e virou meu navio pras estripolias no
Rio Una. Depois vinha a Turma do Falange Falanginha Falangeta – Mindinho,
Seu-Vizinho, Maior-de-Todos, Fura-Bolos e Cata-Piolho -, o Lobisomem Zonzo com
seus amigos Gordim, Bichim, Maluquim e Jeguim; o Cravo e a Rosa que viviam
arengando; o indiozinho caeté Alvoradinha e toda Turma do Brincarte. Em dia de
travessuras, a gente se reunia embaixo do pé de jaboticaba, rodando peão de
venta arrebitada, jogando futebol de bola de meia, ou participando de um
concurso de estórias inventadas na hora para ver qual a que era da maior
aventura, ou num programa de auditório para ver quem era o melhor calouro ou
artista do dia. Todo santo dia eu chegava lá todo arrumado com meu paletozinho
branco, calçando minha bota-sete-léguas, um penico na cabeça e nu da cintura
pra baixo – era um homem feito, pra mim -, falando pelos cotovelos e mandando
em tudo. E com as minhas mãos sobre o guarda-chuva que ganhei de Pai Lula, enfincado
no chão e que, em verdade, era tanto o meu cajado de autoridade como o meu
paraquedas disfarçado, eu soltava pilhérias e pirraças inventando histórias que
saiam do faz-de-conta para acontecerem ali na hora. Nisso o zig-zig era o meu helicóptero
e com quem eu estava aprendendo a voar para virar super-heroi, o SuperNito! E outros
tantos milagres que bastava eu querer, zás! E acontecia mesmo. O super-heroi
principal era meu pai que nem sabia dos seus superpoderes nem que participava assim
de fato da nossa algazarra. A gente só falava das suas façanhas nas vitórias de
guerras contra os malfeitores na defesa dos pobres e oprimidos. Pois é, ali no
quintal acontecia de tudo, afinal, era o Quintal dos Milagres, onde até bruxas ruizinhas
me saiam à cabeça, e que castigadas viravam boazinhas nas estórias mais sem pés
nem fins, com castelos imensos e discos voadores nos mais diversos cenários. De
vez em quando a gente fugia furtivamente pra beira do Rio Una, jogando pedras na
correnteza pra fazer galos-d’água e acordá-lo pra levar a gente até o Atlântico
ou soltando farelos de pão pros acaris e traíras darem sinal de vida e
engrossarem a trupe das presepadas. Quando não, eram Maiquim e Marcelo que
vinham e não acreditavam em nada disso nem que isso tudo acontecia. Era que
todos do meu quintal se escondiam de ninguém poder ver nem saber a maravilha
que era. Somente eu e meu amigo invisível sabíamos. Nesse meu reinado todos sumiam
cada vez que ouvissem a voz da minha vó Carma chamando pro lanche ou refeições,
ou quando minha mãe vinha reclamando que eu estava birutando. Pai Lula mesmo já
viu umas três vezes todos reunidos comigo. Até Tia Conça também e que fazia que
não sabia de nada. Mas pro restante era só eu e o meu amigo invisível que
vivíamos exclusivamente essas aventuras criadas pela minha invencionice. Essa era
a forma de nunca me sentir só e nem de seguir nada ao pé da letra, coisa chata
essa de ser e fazer como os outros querem. E mesmo que eu fosse o hominho da
casa e orgulho de mãe, não era, eu gostava mesmo era de ficar levantando a
barra da saia das meninas para ver-lhes ruborizadas com seus escondidos. Eram as
minhas pirraças sempre reprimidas com reclamações da minha mãe e gargalhadas de
Carma, e que depois eu fazia muxoxo de pouco caso. E quando era domingo, dia de
acordar tarde, isso quando não virava a noite de sábado recitando O dia da criação de Vinicius, Deus meu,
quanta reinação me era possível cometer pra felicidade da minha criancice. Por
isso ainda sou a criança sapeca e levada da breca de sempre. E vamos aprumar a
conversa aqui e aqui.
Imagem As crianças, do pintor do Rococó francês Jean-Antoine Watteau (1684-1721).
Curtindo o livro/cd Mozart – Os compositores (Panda, 2012), da Anna Obiols.
BRINCARTE DO NITOLINO ESPECIAL
DAS CRIANÇAS – Hoje é
dia do programa Brincarte do Nitolino para as crianças de todas as idades, a
partir das 10hs, no blog do Projeto MCLAM e com apresentação de Ísis Corrêa Naves. Na programação
especial com duas horas de duração, atrações especiais chamando a meninada com Chico
Buarque & Vinicius de Moraes, Turma da Mônica, Moraes Moreira, Toquinho, Lucinha
Lins, Paulinho Boca de Cantor, Vida de criança, Menino da beira do rio, Balão
Mágico & Djavan, Trem da Alegria, Meimei Corrêa, Disco Clube da Criança, Nita
- Pais, mães, crianças e brinquedos, Galinha Pintadinha, Isabella Taviani, Chaves
& muito mais No reino encantado de todas as coisas. No blog, muitas dicas
de Educação, Psicologia, Direito das Crianças e Adolescentes, Teatro, Música e
Literatura infantil, com destaque pro Brincar da Criança e as historias em
quadrinhos dos Aventureiros do Una.
Para conferir ao vivo e online clique aqui ou aqui.
QUASE DE VERDADE – No livro Quase de verdade (Rocco, 1982), da escritora e jornalista Clarice Lispector (1920-1977) destaco o
trecho inicial: Era uma vez... Era uma vez:
eu! Mas aposto que você não sabe quem eu sou. Prepare-se para uma surpresa que
você nem adivinha. Sabe quem eu sou? Sou um cachorro chamado Ulisses e minha
dona é Clarice. Eu fico latindo para Clarice e ela — que entende o significado
de meus latidos — escreve o que eu lhe conto. Por exemplo, eu fiz uma viagem
para o quintal de outra casa e contei a Clarice uma história bem latida: daqui
a pouco você vai saber dela: é o resultado de uma observação minha sobre essa
casa. Antes de tudo quero me apresentar melhor. Dizem que sou muito bonito e
sabido. Bonito, parece que sou. Tenho um pêlo castanho cor de guaraná. Mas
sobretudo tenho olhos que todos admiram: são dourados. Minha dona não quis
cortar meu rabo porque acha que cortar seria contra a natureza. Dizem assim:
“Ulisses tem olhar de gente”. Gosto muito de me deitar de costas para coçarem minha
barriga. Mas sabido sou apenas na hora de latir palavras. Sou um pouco
malcriado, não obedeço sempre, gosto de fazer o que eu quero, faço xixi na sala
de Clarice. Fora disso, sou um cachorro quase normal. Ah, esqueci de dizer que
sou um cachorro mágico: adivinho tudo pelo cheiro. Isto se chama ter faro. No
quintal onde estive hospedado cheirei tudo: figueira, galo, galinha etc. Se
você chamar: “Ulisses, vem cá” — eu vou correndo e latindo para o seu lado
porque gosto muito de criança e só mordo quando me batem. Pois não é que vou
latir uma história que até parece de mentira e até parece de verdade? Só é
verdade no mundo de quem gosta de inventar, como você e eu. O que vou contar
também parece coisa de gente, embora se passe no reino em que bichos falam.
Falam à moda deles, é claro. Mas antes de começar, pergunto a você bem baixo
para só você ouvir: — Está ouvindo agora mesmo um passarinho cantando? Se não
está, faz-de-conta que está. É um passarinho que parece de ouro, tem bico
vermelhovivo e está muito feliz da vida. Para ajudar você a inventar a sua
pequena cantiga, vou lhe dizer como ele canta. Canta assim: pirilim-pim-pim,
pirilimpim- pim, pirilim-pim-pim. Esse é um pássaro de alegria. Quando eu
contar a minha história vou interrompê-la às vezes quando ouvir o passarinho. E
a história? [...] Veja mais aqui, aqui e aqui.
O UNIVERSO, A VIDA & A
BONECA – No livro Poesias infantis (1904), do jornalista e
escritor do Parnasianismo brasileiro, Olavo
Bilac (1865-1918), destaco inicialmente O universo: A Lua: / Sou um pequeno mundo; / Movo-me, rolo e danço / Por este céu
profundo; / Por sorte Deus me deu / Mover-me sem descanso, / Em torno de outro
mundo, / Que inda é maior do que eu. / A Terra: / Eu sou esse outro mundo; / A
lua me acompanha, / Por este céu profundo... / Mas é destino meu / Rolar, assim
tamanha, / Em torno de outro mundo, / Que inda é maior do que eu. / O Sol: / Eu
sou esse outro mundo, / Eu sou o sol ardente! / Dou luz ao céu profundo...
/Porém, sou um pigmeu, / Quer rolo eternamente / Em torno de outro mundo, / Que
inda é maior do que eu. / O Homem: / Por que, no céu profundo, / Não há-de
parar mais / O vosso movimento? / Astros! qual é o mundo, / Em torno ao qual
rodais / Por esse firmamento? / Todos os Astros: / Não chega o teu estudo / Ao
centro disso tudo, / Que escapa aos olhos teus! / O centro disso tudo, / Homem
vaidoso, é Deus! Também o poema A vida: Na
água do rio que procura o mar; / No mar sem fim; na luz que nos encanta; / Na
montanha que aos ares se levanta; / No céu sem raias que deslumbra o olhar; /
No astro maior, na mais humilde planta; / Na voz do vento, no clarão solar; /
No inseto vil, no tronco secular, / — A vida universal palpita e canta! / Vive
até, no seu sono, a pedra bruta... / Tudo vive! E, alta noite, na mudez / De
tudo, — essa harmonia que se escuta / Correndo os ares, na amplidão perdida, /
Essa música doce, é a voz, talvez, / Da alma de tudo, celebrando a Vida! E,
por fim, A boneca: Deixando a bola e a
peteca, / Com que inda há pouco brincavam, / Por causa de uma boneca, / Duas
meninas brigavam. / Dizia a primeira: "É minha!" / — "É
minha!" a outra gritava; / E nenhuma se continha, / Nem a boneca largava.
/ Quem mais sofria (coitada!) / Era a boneca. Já tinha / Toda a roupa
estraçalhada, / E amarrotada a carinha. / Tanto puxaram por ela, / Que a pobre
rasgou-se ao meio, / Perdendo a estopa amarela / Que lhe formava o recheio. /
E, ao fim de tanta fadiga, / Voltando à bola e à peteca, / Ambas, por causa da
briga, / Ficaram sem a boneca... E veja mais aqui e aqui.
A FLORESTA DO RAIO VERMELHO – A comédia infantil A Floresta do Raio Vermelho, do
dramaturgo carioca Jomar Magalhães, conta
a história de um burrinho que, cansado dos maltratos da cidade, resolve fugir
sem rumo e acaba indo parar em uma selva. Chegando ali, toma conhecimento das
ameaças que pairam também sobre a natureza silvestre. Até que surge um
indiozinho e revela um mistério existente naquela terra que, se desvendado, irá
assegurar a paz para toda fauna e flora. Em uma linguagem lúdica e bem
humorada, a peça segue num crescente até chegar ao seu surpreendente desfecho. Da
obra destaco o trecho: A PEÇA INICIA-SE COM UM BURRINHO ENTRANDO EM CENA
APAVORADO. BURRALDINO – Não! Não e não! Eu não vou mais carregar carroça pra
ninguém! Eu protesto! Eu me recuso! Quem quiser que compre um carro ou então que
vá de ônibus, mas eu é que não vou mais servir de burro de carga! Onde já se viu? Viver puxando carroça pra
cima e pra baixo e ainda por cima levando chicotadas!? Onde está o Estatuto com
os direitos dos burros, dos cavalos e dos jumentos? Ou erá que eu vou ter que
viver pastando a vida toda? Ah, sim! Pois agora quem quiser conforto que vá de
“táxique” porque a partir de hoje só se me pagarem! Isso mesmo! Pra cada
quilômetro cavalgado, um quilo de capim gordura bem passado. Tão pensando o
que? Que eu sou burro? Ora! Pois bem, agora eu quero ver se eles me encontram
aqui no... aqui na... Ei! Onde é que eu estou!? FLORINDA, A ÁRVORE, CUMPRIMENTA
BURRALDINO. FLORINDA – Olá, burrinho! BURRALDINO – Ai! Socorro! Quem está
falando? FLORINDA – Sou eu aqui, atrás de você! BURRALDINO – Atrás de mim? FLORINDA
– (balança os galhos) Aqui, ó! BURRALDINO – Ué! Uma árvore? Eu pensava que as
árvores só conversassem com outras árvores! FLORINDA – É verdade. As árvores
conversam com outras árvores, os animais com outros animais e os homens com
outros homens. Mas hoje é necessário que todos falem a mesma língua para que
todos possam sobreviver. O meu nome é Florinda, e o seu? BURRALDINO – O meu é
Burraldino Jumentino da Silva. FLORINDA - Por que você fugiu dos homens, Burraldino?
BURRALDINO – Ora, “por quê”? Porque eu não sou burro, né! Quer dizer; sou...
mas seria ainda mais se deixasse eles me maltratar. FLORINDA – Então vocês na
cidade têm sido maltratados? BURRALDINO – Depende. Alguns recebem tratamento
melhor do que os seres humanos; já outros, mal conseguem sobreviver. FLORINDA –
Pois é, alguns homens pensam que nós não temos sentimento. Aqui na Floresta do
Raio Vermelho a situação não está nada melhor. BURRALDINO – Floresta do que? FLORINDA
– Floresta do Raio Vermelho. Ela tem esse nome porque dizem que antigamente,
quando os animais e vegetais viviam em paz, a luz do sol era tão mais forte e
tão mais bonita que os raios chegavam a ser vermelhos. Hoje eu acho que o sol
ficou mais triste e os seus raios já não são tão vermelhos. BURRALDINO – Por
que o sol se entristeceu? FLORINDA – Porque parece que alguns homens perderam o
respeito pela natureza e se esqueceram que também fazem parte dela e precisam
dela pra sobreviver. São capazes de sacrificar tudo em favor do que eles chamam
de progresso. Invadem florestas, matam os animais, poluem os mares e rios,
queimam as matas, cortam as árvores... ai! É um horror! BURRALDINO – Você já
foi cortada? FLORINDA – É claro que não. Você não está me vendo aqui? Mas
também quando chegar a minha vez eu vou ter que aguardar muda e imóvel o
sofrimento. Você ainda pode correr, eu não. BURRALDINO – Mas também se você
corresse eles iriam querer que você puxasse carroça. FLORINDA – É bem
provável... mas é por tudo isso que os animais daqui querem tomar uma
providência. BURRALDINO – Providência? Que providência? FLORINDA – Ainda não
sei, mas o leão convocou uma reunião para hoje com todos os animais. BURRALDINO
– Ah, sim, o leão... (pânico) Hein!? O que foi que você disse? Um leão!? Então
eu vim parar no meio de uma selva!? Oh não! (reza) Por favor, São Burraldo,
protetor dos burros! Tenha dó desse pobre infeliz que vai ser devorado por um
leão! FLORINDA – Ei! Pare com isso, Burraldino! Ninguém vai te devorar. BURRALDINO
– Ai, meu Deus! Que saudade da cidade! Que vontade de puxar carroça! Por que eu
vim parar aqui nesse fim de mundo? Dona Quebra Galho, por onde é o caminho de
volta? FLORINDA – O meu nome não é Quebra Galho, é Florinda. Agora pare com
todo esse pânico porque não há necessidade pra isso! BURRALDINO – Se há
necessidade ou não eu não sei. O que eu sei é que eu vou dar no pé agora mesmo!
(inicia a retirada) Ué, por onde foi mesmo que eu entrei? Será que foi por
aqui? Ou será que por aqui? Não, eu acho que... OUVE-SE ESTRONDOS COMPASSADOS.
[...] Veja mais aqui, aqui e aqui.
THERESE D – O filme Therese D (2012), dirigido pelo escritor, ator, produtor e diretor
de cinema francês Claude Miller (1942-2012), é baseado no romance Thérèse Desqueyroux do escritor francês e prêmio Nobel de
Literatura de 1952, François Mauriac (1885-1970), conta a historia que ocorreu
no final de 1920, na França, em que uma mulher concorda com um casamento de
conveniência entre famílias ricas, casando-se com um rico proprietário de
terras. O marido é um homem local com uma
paixão pela caça e defender com convicção as tradições familiares. No entanto, ela se torna sufocada pela
monotonia de sua vida de casada e dá à luz a uma filha, mas o seu tédio parece
crescer a cada dia. O marido acometido de uma doença estranha, dá a
oportunidade dela a tentativa de envenená-lo, quando é descoberta, passando a
enfrentar a Justiça. O destaque do filme é a atuação da belíssima e premiada atriz
francesa Audrey Tautou. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
Os heróis dos quadrinhos do escritor e
editor estadunidense Joe Simon
(1913-2011)
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa Domingo Romântico, a partir
do meio dia, no blog do Projeto MCLAM, com a reprise de toda programação da
semana e apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Em
seguida, o programa Mix MCLAM, com
Verney Filho e na madrugada Hot Night,
uma programação toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online
acesse aqui .
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