VAMOS APRUMAR A CONVERSA? DE SEGUNDA PRA SEMANA –
Segunda-feira, dia internacional da ressaca. Eita! O dia amanhece devagar, tudo
na meia embreagem, começando a gerar aos poucos. Liga o motor do corpo, deixa
esquentar devagar pra poder cair no trampo, tudo no lentamente, quase
letárgico. É que neguinho começa emborcar o copo na sexta quando larga do
trabalho, emenda no sábado tomando todas e no domingo se entope de esborrar até
a rendição estropiada de três dias encarreados liberando as neuras, desafogando
as mágoas e todas as derrotas do cotidiano. Cabeça de férias, desligamento da
labuta. Aí na segunda, depois de um esquento graduado, o Sol dá o tom do
alvoroço e tudo volta a funcionar às mil maravilhas com a demonstração de que
está novinho em folha, caindo no dia pra ver no que vai dar e no como é que
fica. Como a vida é uma luta, muitos se valem do lamentável expediente da guerra. Arrocha! Cada qual que se cuide. É a hora de afiar a astúcia e mirar
bem no alvo daquilo que traga recompensa. Todo mundo corre atrás dessas
recompensas. Nem se dá conta de que, tal como Sísifo, é tudo de novo, empurrando
pra cima e tornando a descer, pra novamente botar tudo em riba e embolar dia
após dia, tudo de novo e bisado novamente: agenda, contatos, compromissos,
reuniões, pagamentos, correria pro ganhapão, saques e coberturas, enrolações e
soluções, broncas superadas ou adiadas, tem que ser sabido pra chegar na frente,
e correr mais que os outros porque chapéu de otário é marreta e alguém tem que
chorar pra alguém poder sorrir. É isso, ou mais ou menos isso. Por aí. Assim
vai até quando passa o efeito anestésico e se constata que não há sinergia,
nada dá liga nem sintonia, tá tudo revirado. Vai na raça! Torce o rabo da
porca, tira leite de pedra. Dá pra perceber até que todos estão absortos com a
morte da bezerra. Ora, ora. É pegar no desprevenido! É o mundo da contenda:
abriu a guarda, é lona. Mesmo assim, nada dá certo, cada um por si e que
apareça um doido dum heroico salvador que seja por todos nós. Vai daí a
pergunta: o que há com o mundo, hem? Tá tudo de pernas pro ar. O que há com as
pessoas? Alguma coisa está fora da ordem, como diz Caetano Veloso. Aí, ou se
dana pro vai ou racha, ou começa a fraquejar. Acontece, porém, que cada pessoa
pensa conforme seu umbigo, seus interesses e desejos. Há quem pense que todos
deviam pensar de um jeito só, ou melhor, que todos pensassem e agissem conforme
a razão de um que se acha dono da verdade e parte para mudar o mundo e as
pessoas. Esses dessa banda insistem que estão certos e que os outros, tudinho,
estão errados. Ô mundo destrambelhado! Ainda arvoram dizer que se o mundo todo
pensasse como ele, seria outro: - Se houvesse dez iguais a mim o mundo seria
uma maravilha! Será? Por isso dizem que quanto mais veem o ser o humano, mais
adoram o cachorro. E é exatamente por isso que surge o fato de que cada
cachorro se parece com seu dono - ou é o dono que se parece com o cachorro? E com
isso a primeira conclusão: cada pessoa pensa diferente. E não podia ser
diferente. Contudo, se cada cabeça é um mundo, por que todos não entendem que
há um mundo só, esse em que todos nós vivemos, coexistimos? A Terra é uma só e
cada cabeça é um mundo. Digo mais, como n’A Primavera de Ginsberg: a Terra é
redonda e ainda cagam pelos quatro cantos do mundo. Ué? Pois é. Com isso, não
seria mais adequado olhar pro umbigo, chamar na grande e dar uma conversada com
ele a respeito de que não é o mundo nem as pessoas que deviam mudar, mas nós
mesmos? A primeira guerra não está lá fora, está dentro de cada um. Quando primeiro
houver paz nos conflitos interiores de cada um, quando cada um descobrir quem é
e não do jeito como quer ser visto, e se conciliar consigo mesmo, aí sim, esse
é o primeiro passo pra gente conseguir paz, concórdia, harmonia, sintonia e
compreensão na Terra. Vamos aprumar a conversa? Então veja mais aqui.
Imagem: Veja o nu (1968 - Tinta alquídica sobre madeira, tecido e ferro),
do pintor, desenhista e programador visual Cláudio
Tozzi.
Curtindo o álbum que reúne a Missa a 4 Vozes para Quarta-Feira de Cinzas
(1778), do compositor erudito brasileiro Lobo
de Mesquita (1746-1805), Stabat Mater,
do compositor do Barroco português João
Rodrigues Esteves (1700-1751) e Moteto
para a Semana Santa, do padre José
Mauricio Nunes Garcia (1767-1830), com o conjunto Calíope (1998), direção Júlio Moretzsohn.
O LUGAR DA LINGUÍSTICA NAS
CIÊNCIAS DO HOMEM – O
livro Relações entre a ciência da
linguagem e as outras ciências (Bertrand/Martins Fontes, 1974), do pensador
russo, linguista e pioneiro da analise estrutural da linguagem, Roman Jakobson (1896-1982), aborda
sobre as perspectivas linguísticas, o lugar da linguística nas ciências do homem
e a linguística e as ciências naturais, entre outros assuntos. Da obra destaco
o trecho: [...] a linguagem é um elemento constitutivo da cultura, mas, em
relação ao conjunto dos fenômenos culturais, o seu papel é o de uma
infraestrutura, dum substrato e de um veiculo universal. [...] Certos traços próprios da linguagem estão
ligados à situação particular que ela ocupa em relação à cultura, é o caso
nomeadamente da aquisição da linguagem pelas crianças e do fato de que nem nas
línguas antigas nem nas atuais conhecidas pelos linguistas existe qualquer
diferença e estrutura fonológica e gramatical entre estádios relativamente
primitivos e relativamente avançados. [...] Assim a comunicação de pares sexuais e de bens ou de serviços surge
como sendo, num grau elevado, uma troca de mensagens auxiliares, e a ciência
total da comunicação compreende não só a semiótica propriamente dita, ou seja,
o estudo das verdadeiras mensagens e dos códigos sobre os quais assentam, mas
também as disciplinas em que as mensagens desempenham um papel pertinente
embora acessório. Em todo caso, a semiótica ocupa uma posição central geral da
comunicação como suporte de todos os outros ramos, enquanto ela própria engloba
a linguística e esta, por sua vez, no centro da semiótica, lhe sustenta todos
os outros setores. Três ciências pertencentes a um conjunto englobam-se umas às
outras e representam três graus de generalização crescente: 1 – o estudo da
comunicação de mensagens verbais, ou linguística; 2 – o estudo da comunicação
de qualquer espécie de mensagem, ou semiótica, incluindo a de mensagens
verbais; 3 – o estudo da comunicação, ou antropologia social e econômica,
incluindo mensagens. [...] Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
OS HOMENS FAZEM DAS
MULHERES – No livro Direito das mulheres e injustiça dos homens
(1832 – Cortez, 1989), da educadora e escritora Nísia Floresta (1810-1885), destaco o trecho do Capítulo I - Que
caso os homens fazem das mulheres, e se é com justiça: Se
cada homem, em particular, fosse obrigado a declarar o que sente a respeito de
nosso sexo, encontraríamos todos de acordo em dizer que nós nascemos para seu
uso, que não somos próprias senão para procriar e nutrir nossos filhos na
infância, reger uma casa, servir, obedecer, e aprazer a nossos amos, isto é, a
eles homens. Tudo isso é admirável e mesmo um muçulmano não poderá avançar mais
no meio de um serralho de escravas. Entretanto, eu não posso considerar esse
raciocínio senão como grandes palavras, expressões ridículas e empoladas, que é
mais fá- cil dizer do que provar. Os homens parecem concluir que todas as outras
criaturas foram formadas para eles, ao mesmo tempo em que eles não foram
criados senão quando tudo isso se achava disposto para seu uso. Eu não me
proporia a fazer ver a futilidade deste raciocínio; mas concedendo que ele
tenha alguma ponderação, estou certa que antes provará que os homens foram
criados para o nosso uso, do que nós para o deles. É verdade que o emprego de
nutrir as crianças nos pertence, assim como a eles unicamente pertence o de
gerá-los; se este último lhes dá algum direito à estima e respeito públicos, o
primeiro nos deve merecer uma porção igual, pois que o concurso imediato dos
dois sexos é tão essencialmente necessário à propagação da espécie humana, que
um será absolutamente inútil sem o outro. Que direito pois têm eles de nos
desprezar, e pretender uma superioridade sobre nós, por um exercício que eles
partilham igualmente conosco? Todos sabem, nem se pode negar, que os homens
olham com desprezo para o emprego de criar filhos e que é isso, às suas vistas,
uma função baixa e desprezível; mas se consultassem a natureza nesta parte,
sentiriam sem que fosse preciso dizer-lhes, que não há no Estado Social um
emprego que mereça mais honra, confiança e recompensa. Basta atender às
vantagens que resultam ao gênero humano para convir-se nisto; eu não sei se até
por essa razão unicamente, as mulheres não mereciam o primeiro lugar na
sociedade civil. Qual foi o fim para que os homens se reuniram em sociedade, senão
para terem suas vidas mais seguras e pacificamente gozarem tudo que lhes apraz?
Todos aqueles, pois, que mais contribuem a essa vantagem pública devem por isso
obter maior porção de stima pública. Ora, as mulheres, encarregando-se
generosamente e sem interesse do cuidado de educar os homens na sua infância,
são as que mais contribuem para essa vantagem, logo são elas que merecem um
maior grau de estima e respeito públicos. Partindo desse princípio é que se
olham os príncipes como as primeiras pessoas do Estado. Nessa qualidade, ou
grau de elevação, se lhes conferem as principais honras; porque supõe-se ao
menos que eles se sobrecarregam de grandes cuidados, vigílias e inquietações,
que exige a prosperidade do bem público. Da mesma sorte tributamos mais ou
menos respeito àquelas pessoas que estão abaixo deles e que mais se lhes aproximam,
porque as olhamos como pessoas mais úteis à sociedade, segundo partilham mais
ou menos as fadigas do serviço público. É pela mesma razão que preferimos os
militares aos literatos; porque os olhamos como um baluarte entre nós e nossos
inimigos. Todos concordam em respeitar as pessoas à proporção de sua utilidade;
eis pois a medida de seu merecimento. Ora, sendo essa regra aplicável a todas
as circunstâncias da vida, por que não devem ter as mulheres, mais que todos,
direito à estima pública, contribuindo mais, sem comparação, a seu bem-estar? Os
homens podem absolutamente passar sem príncipes, generais, soldados,
jurisconsultos, como antigamente e ainda hoje passam os selvagens; mas podem
passar sem amas na sua infância? E se por si são incapazes de exercer esse
importante emprego, não precisam indispensavelmente das mulheres? Em um Estado
tranquilo e bem regido, a maior parte dos homens são inúteis em seus ofícios e inútil
toda sua autoridade, mas as mulheres não deixarão jamais de ser necessárias enquanto
existirem homens e estes tiverem filhos. Para que servem os juízes, os
magistrados e os oficiais, senão para garantir a segurança e propriedade dos
bens daqueles que, se não fosse proibido, seriam capazes de fazer justiça a si
mesmos mais exata e prontamente? Porém as mulheres, mais verdadeiramente úteis,
se ocupam em lhes conservar a vida para gozarem dessa propriedade. Estimam-se e
recompensam-se os soldados, porque combatem para defender os homens feitos, que
são tão capazes, e mesmo mais que eles, de se defenderem. Com quanta maior
razão não merece o nosso sexo essa estima e recompensa, trabalhando para
defender os homens numa idade em que não sabem o que são, não podem distinguir
os amigos dos inimigos, e nem têm outra defesa mais que suas lágrimas? Se os
príncipes e os ministros se sacrificam algumas vezes pelo bem público, a
ambição é o único móvel, é para adquirir poder, riquezas e esplendor que eles o
fazem. Porém, nossas almas mais generosas não atendem senão ao bem das
crianças, que nutrimos e educamos, pois que todos os dias experimentamos que a
recompensa que temos a esperar dessas criaturas desnaturadas, pelos trabalhos,
cuidados, inquietações e infinitos embaraços, que nos causam e de que não se
acha exemplo em todos os outros estados da sociedade civil, se reduz a maus
tratamentos e a um desprezo repreensível para com o nosso sexo em geral. Tais
são os generosos ofícios que lhes prestamos; tal é a ingratidão com que nos
recompensam. Sem dúvida é preciso que os homens tenham a imaginação bem corrompida
para olharem um exercício tão importante como baixo e desprezível, e para lhe
recusar toda estima que na realidade merece. Com que liberalidade não se
recompensa aquele que consegue domesticar um tigre, um elefante e outros
semelhantes animais? E as mulheres, que passam seus belos anos ocupadas em
amansar o homem, este animal ainda feroz, não serão pagas senão com desprezo? Se
nos remontarmos à origem dessa injusta parcialidade, encontraremos que a única
e verdadeira causa do pouco reconhecimento, que se tem aos importantes serviços
que as mulheres prestam aos homens, é que eles são comuns e ordinários.
Entretanto, seja qual for a recompensa, o prazer que a generosidade de nosso
sexo acha em preencher esse ofício basta para que nós o desempenhemos com toda
ternura e sem vistas de interesse. Eu não pretendo queixar-me de não recebermos
recompensa: seja-me somente permitido dizer, que por sermos mais capazes que os
homens em desempenhar esse cargo, não se segue que não possamos também desempenhar
outro qualquer. [...]
Veja mais aqui, aqui e aqui.
O ESPIÃO ALEMÃO – No livro Cidades Mortas (1919-Brasliense, 1995), do escritor, editor e
tradutor Monteiro Lobato
(1882-1948), encontro o conto O espião alemão, do qual destaco os trecos a
seguir: Abre a história. Escuta, só
ouvirás rumores de guerra. Aquele tropel desapoderado? É a avalhancha tártara.
Tamerlão, o tigre coxo, derrama sobre a Pérsia legiões de feras – e leva a
chacina a proporções inauditas. Seu capricho exige em Ispagan setenta mil cabeças
humanas. Cada seção do exército lhe há de fornecer uma quota. Fartos, cansados
de cortá-las, os soldados entram a adquiri-las, pagando a moeda de outro cada
uma. Era bom negocio, a oferta cresceu e o preço baixou a meia moeda. Reunidas
as setenta mil, Timur construiu torres de crânios em redor da cidade. Ruge a
sangueira além. É em Delhi. Timur, tigre precavido, antes de bater-se com Maomé
IV delibera aliviar o exercito de cem mil prisioneiros incômodos. Solução
magistral: degola-os... a vaga prossegue, chega a Ancira, esmaga Bajaze, o
grande sultão, e passa... e acolá? Assíria. De Nínive, antro de leões famintos,
descem para a carniçaria os reis flecheiros. Assurbarnipal canta os próprios
feitos em inscrições chegadas até nós: “Construí um muro diante das portas da
cidade e forrei-o com a pele dos chefes. A outros emparedei vivos, a outros
empalei ao longo das muralhas. Fiz arrancar o couro, em minha presença, a
inúmeros, e revesti paredes com esse couro semivivo. Reuni cabeças em forma de
coroas e os corpos entrelacei como guirlandas”. A vuda da Assiria é toda uma
primorosa carnificina. Tujklatabazar, Assurbanipal, Nabuco, Sargão – todos os
magarefes reais viram a sua pericia em arrancar o couro a criaturas humanas
cantada pelo poetas, comemorada pela arquitetura, admirada pelos pósteros.
Timur passou. Passou a Assiria. Homens e coisas passam, mas a guerra fica. É a
guerra uma permanente. O homem tem a vocação do morticínio. A arte apoteosa a
carniça. Os poetas só ascendem ao épico se o bafio de sangue lhes fumega a
inspiração. A beleza suprema é Aquiles fendendo crânios do frontal à nuca, e a
história da humanidade não passa dum sistema potamográfico de enxurros
vermelhos, musicado pelos gemidos de dor dos vencidos. A guerra sempre! Sempre
guerras! A guerra dos Sete Chefes, a Guerra de Troia, as guerras púnicas, as
guerras de Roma – escravos, Numância, mercenários, Jugurta, Mitridates,
civil... depois as guerras de invasão. As cruzadas depois. E as guerras de
religião. E as guerras dinásticas. A dos Cem Anos, a dos Trinta Anos, a guerra
das Duas Rosas, a da sucessão da Espanha. A guerra americana de secessão. As
napoleônicas, a russo-turca, a hispano-americana, a sino-japonesa, a
franco-prussiana, a anglo-boer... depois, depois a Guerra Geral, a guerra do mundo
contra a Alemanha. O rosário para aqui. Mas como não para o Ódio e como a
Estupidez Humana é irredutível, o futuro verá tantas guerras quantas viu o
passado. [...] Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
APELO A MEUS DESSEMELHANTES
EM FAVOR DA PAZ – Na Antologia
poética (José Olympio, 1979), do
escritor Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987), destaco o poema Apelo a meus dessemelhantes em favor da paz: Ah,
não me tragam originais / para ler, para corrigir, para louvar / sobretudo,
para louvar. / Não sou leitor do mundo nem espelho / de figuras que amam
refletir-se / no outro à falta de retrato interior. / Sou o Velho Cansado / que
adora o seu cansaço e não o quer / submisso ao vão comércio da palavra. / Poupem-me,
por favor ou por desprezo, / se não querem poupar-me por amor. / Não leio mais,
não posso, que este tempo / a mim distribuído / cai do ramo e azuleja o chão
varrido, / chão tão limpo de ambição / que minha só leitura é ler o chão. / Nem
sequer li os textos das pirâmides / os textos dos sarcófagos, / estou
atrasadíssimo nos gregos, / não conheço os Anais de Assurbanipal, / como é que
vou - / mancebos, / senhoritas, / - chegar à poesia de vanguarda / e às glórias
do 2.000, que telefonam? / Passam gênios talvez entre as acácias, / sinto
estátuas futuras se moldando / sem precisão de mim / que quando jovem (fui-o
a.C., believe or not) / nunca pulei muro de jardim / para exigir
do morador tranquilo / a canonização do meu estilo. / Sirvam-se de exonerar
este macróbio / do penoso exercício literário. / Não exijam prefácios e
posfácios / ao ancião que mais fala quando cala. / Brotos de coxa flava e verso
manco, / poetas de barba-colar e velutínea / calça puída, verde: tá! / Outoniços,
crepusculinos, matronas, contumazes: / tá! / O senhor saiu. Hora que volta?
Nunca. / Nunca de corvo, nunca de São-Nunca. / Saiu pra não voltar. / Tudo
esqueceu: responder / cartas; sorrir / cumplicemente; agradecer / dedicatórias;
retribuir / boas-festas; ir ao coquetel e à noite / de
autógrafos-com-pastorinhas. / Ficou assim: o cacto de Manuel / é uma suavidade
perto dele. / Respeitem a fera. Triste, sem presas, é fera. / Na jaula do mundo
passeia a pata aplastante, / cuidado com ela! / Vocês, garotos de colégio, não
perguntem ao poeta / quando ele nasceu. / Ele não nasceu. / Não vai nascer
mais. / Desistiu de nascer quando viu que o esperavam garotos de colégio de
lápis em punho / com professores na retaguarda comandando: Cacem o urso-polar,
/ tragam-no vivo para fazer uma conferência. / Repórteres de vespertinos, não
tentem entrevistá-lo. / Não lhe, não me peçam opinião / que é impublicável
qualquer que seja o fato do dia / e contraditória e louca antes de formulada. /
Fotógrafos: não adianta / pedir pose junto ao oratório de Cocais / nem
folheando o álbum de Portinari / nem tomando banho de chuveiro. / Sou contra
Niepce, Daguerre, contra principalmente minha imagem. / Não quero oferecer
minha cara como verônica nas revistas. / Quero a paz das estepes / a paz dos
descampados / a paz do Pico de Itabira quando havia Pico de Itabira / a paz de
cima das Agulhas Negras / a paz de muito abaixo da mina mais funda e esboroada
/ de Morro Velho / a paz / da / paz. Veja
mais aqui, aqui, aqui e aqui.
YERMA – A peça teatral Yerma (1934), do poeta e dramaturgo espanhol Federico García
Lorca (1898-1936), é uma obra popular de caráter trágico, ambientada na
Andaluzia, no inicio do século XX, contando a história de uma mulher que vive o
drama de não poder conceber um filho, buscando de todas as formas engravidar e
enfrentando a indiferença do marido que não demonstra nenhum interesse em
compartilhar da sua angustia. Da obra destaco o trecho inicial do Ato 1 - PRIMEIRO
ATO PRIMEIRO QUADRO (Ao levantar-se o pano, Yerma está adormecida, tendo aos
pés uma cestinha de costura. A cena tem uma estranha luz de sonho. Entra um
pastor nas pontas dos pés, fitando firmemente Yerma. Leva pela mão um menino
vestido de branco. O relógio bate. Quando o pastor entra, a luz é substituída
por uma alegre claridade matinal de primavera. Yerma desperta) CANTO - (Voz
dentro) Nana, nana, nana, nana, nana, nana, que faremos uma palhoça no campo e
nela nos meteremos. YERMA - João, não me ouves, João? JOÃO - Já vou. YERMA -
Está na hora. JOÃO - Já passaram as juntas? YERMA - Passaram. JOÃO - Até logo.
(Faz menção de sair) YERMA - Não tomas um copo de leite? JOÃO - Para quê? YERMA
- Trabalhas muito e não tens corpo para tanto trabalho. JOÃO - O corpo enxuto
de carne torna-se forte como o aço. YERMA - Mas o teu, não. Quando casamos,
eras outro. Agora tens a cara branca como se o sol não te batesse nela.
Gostaria que fosses ao rio e nadasses, e subisses ao telhado quando a chuva nos
entra pela casa adentro. Já estamos casados há vinte e quatro meses e tu cada
vez mais triste, mais seco, como se crescesses ao contrário. JOÃO – Acabaste?
YERMA - (Levantando-se) – Não me leves a mal. Se eu estivesse doente, gostaria
que me tratasses. “Minha mulher está doente – vou matar este cordeiro para
fazer-lhe um bom ensopado.” “Minha mulher está doente – vou guardar esta
enxúndia de galinha para aliviar-lhe o peito; vou levar-lhe esta pele de ovelha
para resguardar-lhe os pés da neve.” Eu sou assim. Por isso trato de ti. JOÃO -
E eu te agradeço. YERMA - Mas não te deixas tratar. JOÃO - É que não tenho
nada. Todas essas coisas são suposições tuas. Trabalho muito. Todos os anos
irei ficando mais velho. YERMA - Todos os anos... Tu e eu continuaremos aqui
todos os anos... JOÃO - (Sorridente) – Naturalmente. E muito sossegados. Os
negócios vão bem; não temos filhos que gastem. YERMA - Não temos filhos...
João! JOÃO - Fala. YERMA - Eu não gosto de ti? JOÃO - Gostas. YERMA - Sei de
raparigas que tremeram e choraram antes de se entregarem a seus maridos. E eu?
Chorei? A primeira vez que dormi contigo? Não cantava ao levantar as barras dos
lençóis de holanda? E não te disse: Como cheiram a maça estas roupas? JOÃO -
Foi o que disseste! YERMA - Minha mãe chorou, porque não tive pena de
separar-me dela. E era verdade! Ninguém se casou com mais alegria. E no
entanto... JOÃO - Cala-te. Já estou cansado de ouvir a todo instante... YERMA -
Não. Não me repitas o que dizem. Vejo com os meus olhos que isso não pode
ser... De tanto cair a chuva nas pedras, elas amolecem e fazem nascer
saramagos, que o povo diz que não servem para nada. “Os saramagos não prestam para
nada”... Mas eu bem os vejo moverem pelo ar suas flores amarelas. JOÃO - É
preciso esperar. YERMA - Sim; querendo (Yerma abraça e beija o marido, tomando
ela a iniciativa) JOÃO - Se precisas de alguma coisa, dize-me que a trarei. Já
sabes que não gosto que saias. YERMA - Nunca saio. JOÃO - Estás melhor aqui.
YERMA - É. JOÃO - A rua é para os desocupados. YERMA - (Sombria) – Claro. (O
marido sai e Yerma dirige-se para a costura. Passa a mão pelo ventre, levanta
os braços num lindo bocejo e senta-se a coser) De onde é que vens, amor, meu
filho? Da crista do duro frio. De que precisas, amor, meu filho? Do morno pano
de teu vestido. (Enfia a agulha) Que se agitem as ramas ao sol e as fontes
saltem todas, em redor! (Como se falasse com uma criança) Ladra o cão pelo
terreiro, na folhagem canta o vento. Muge o boi ao boiadeiro e a lua me
encrespa o cabelo. Que pedes, filho, de tão longe? (Pausa) Os brancos montes
que há no teu peito. Que se agitem as ramas ao sol e as fontes saltem todas, em
redor! (Cosendo) Filho meu, dir-te-ei que sim. Despedaçada me dou a ti. Sofre a
cintura que te ofereço, e que será teu primeiro berço! Quando, meu filho,
poderás vir? (Pausa) Quando teu corpo cheire a jasmim. que se agitem as ramas
ao sol e as fontes saltem todas, em redor! (Yerma continua a cantar. Pela porta
entra Maria, que vem com um embrulho de roupa) [...] Veja mais aqui, aqui,
aqui, aqui e aqui.
NISE, O CORAÇÃO DA LOUCURA – O filme Nise, o coração da loucura (2015), dirigido por Roberto Berliner,
conta a história da saída da prisão da médica psiquiatra e psicoterapeuta
alagoana, Nise da Silveira (1905-1999), retornando aos trabalhos num
hospital psiquiátrico no subúrbio do Rio de Janeiro, quando se recusa a
empregar o eletrochoque e a lobotomia no tratamento dos esquizofrênicos.
Isolada pelos médicos, resta a ela assumir o abandonado Setor de Terapia
Ocupacional, onde dá início à uma revolução regida por amor, arte e loucura. A
protagonista é representada pela atriz Gloria Pires, com roteiro de roteiro Flávia Castro, Mauricio Lissovsky, Maria
Camargo e Chris Alcazar, roteiro final de Patricia Andrade, Leonardo Rocha e
Roberto Berliner, e trilha sonora original Jaques Morelenbaum. Este filme é mais que uma justíssima homenagem a esta grande mulher e profissional que foi, indubitavelmente, umas das maiores representantes da humanização no tratamento das doenças mentais. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
O livro A mulher em flagrante (Francisco Alves, 1970), do escritor e
jornalista Leon Eliachar
(1922-1987), do qual destaco as pérolas: “O
homem se casa para vencer a solidão, a mulher para ficar só; o homem se casa
para ficar em casa, a mulher para saír; o homem se casa por descuido, a mulher
por precaução. Biquini são dois pedaços de pano cercado de mulher por todos os
lados”. Veja mais aqui.
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa Crônica de Amor, a partir das
21hs, no blog do Projeto MCLAM, com apresentação sempre especial e apaixonante
de Meimei Corrêa. Em seguida, o programa Mix MCLAM, com Verney Filho e na
madrugada Hot Night, uma programação
toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online acesse aqui .
VAMOS APRUMAR A CONVERSA?
Dê livros de presente para as crianças.