sexta-feira, outubro 09, 2015

MARIO DE ANDRADE, ISMAEL NERY, GERARDO, SAINT-SAËNS, EMPÉDOCLES, TATI, LIPKING & A POESIA NOSSA DE CADA DIA.

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? A POESIA NOSSA DE CADA DIA - A poesia existe há muito tempo, século e séculos, milênios até atravessando os sentimentos humanos. Por esta razão, seu conceito e definição são recolhidos com bastante dificuldade, principalmente, claro, em cada época, em cada poeta, em cada período literário, a poesia adquire uma concepção própria. Para se ter uma idéia, na Grécia antiga, a poesia era poièsis, do verbo poiein que significa fazer, indicando o ato que opera a passagem para o ser daquilo que antes não existia e que todo labor humano estava identificado na arte poética. Foi Platão, na antiga Grécia, quem distinguiu a poesia em três formas: a dramática, que era mimética e imitava os homens em ação; a lírica, que não imitava os homens em ação porque era subjetiva; e a épica, ambas anteriores utilizando tanto o diálogo direito, quanto a narração. Conforme Rogel Samuel em seu Manual de Teoria Literária, a poesia lírica "[...] renuncia à coerência gramatical, lógica e formal, pois necessita se libertar para poder ser mais autenticamente momentânea"; a épica "[...] com estilo narrativo onde o poeta narra, descreve e exalta fatos históricos e personagens heróicos"; e a dramática que "[...] encontra sua plena realização no espaço de um palco e num tempo restrito a esse tipo de representação, apoiada por recursos os mais variados...". A partir daí que vieram os tratados de versificação baseados na utilização do material fonológico para finalidades métricas, compreendendo o regramento da silabação e prosódia. Surge, então, o metro que se dividia em silábico, quando o número de sílabas é regulado; e o silábico-prosódico, quando além da contagem das sílabas, certas características são exigidas, tais como a quantidade, a intensidade e tonalidade. Conta-se, ainda, outros tipos métricos intermediários. Com isso, toda uma tipologia de versificação com o passar dos anos foi adotada, tais como o grego e seus hexâmetros; o latino do pentâmetro; o provençal com suas canções, pastorelas e debates; o francês dos decassílabos e alexandrinos rondéis e baladas; o italiano com seus parassílabos madrigais; espanhol com suas redondilhas e jogralescas coplas; o português com suas cantigas; o inglês com seus versos brancos; o alemão com seus versos aliterativos; em suma, como dizem Daniel Delas e Jacaues Filliolet, na sua obra Linguista e Poética, "constituem modelos de combinações métricas e sonoras recomendadas". Na atualidade, Jean Cohen na sua Estrutura da linguagem poética, desta a questão do versão que “[...] continua sendo até hoje o veículo corrente da poesia [...] um processo de poetização" e que "o metro e o ritmo têm a mesma função que a rima: assegurar aquele retorno sonoro que é a essência do verso" .Quanto à rima, Keneth Burke na sua Teoria da forma literária, observa que ela "[...] acentua habitualmente o princípio repetitivo da arte” e que seu atrativo está na forma progressiva desenvolvida, desde que o poeta alcance seus efeitos com estabelecer, em primeiro lugar, e depois alterar, um esquema ritmático. Contrário a esse regramento, surgem, então, os versos livres que são aqueles que não estão sujeitos a uma medida previamente adotada e que não se prende a nenhuma contagem, porque o poeta deixa que a sua inspiração flua à vontade, exprimindo o pensamento à sua maneira. O ritmo, no entanto, existe e está oculto. Usando as ideias de Delas & Filliolet, mencionados anteriormente, a finalidade dessas considerações históricas era mostrar que a mudança da natureza das marcas da poeticidade, ligada à evolução do modo de consumo da poesia, impulsionou uma substancial evolução de formas. Isso ocorre com a emergência do poético visual que implicava no deslocamento da métrica normativa e com a ocorrência da poesia concreta que elimina o verso como unidade rítmico-formal, numa tentativa de ampliar as possibilidades de expressão e comunicação do poema, a partir do ideograma chinês, propondo-se, assim, a utilizar o espaço gráfico como substituto da sintaxe. Mas, afinal, o que seria a poesia, o poema? Assis Brasil, na seu Vocabulário técnico de literatura, assinala que: "Poema é o ´objeto` poético, o texto onde a poesia se realiza, é uma forma, como o soneto que tem dois quartetos e dois tercetos, ou quatorze versos juntos, como é conhecido o soneto inglês. Um poema seria distinto de um texto ou estrofes. Quando essa nomenclatura definitiva é eliminada, passando um texto a ser apresentado em forma de linhas corridas, como usualmente se conhece a prosa, então se pode falar em poema-em-prosa, desde que tal texto (numa identificação sumária e mecânica) apresente um mundo mais ´poético` ou seja, mais expressivo, menos referente à realidade. A distinção se torna por vezes complexa. [...] a poesia pode estar presente quer no poema que é feito com um certo número de versos, quer num texto em prosa, este adquirindo a qualidade poema-em-prosa". Já poesia, Assis Brasil define como: “uma manifestação cultural, criativa, expressiva do homem. Não se trata de um ´estado emotivo`, do deslumbre de um pôr-do-sol ou de uma dor-de-cotovelo; é muito mais do que isso, é uma forma de conhecimento intuitivo, nunca podendo ser confundido o termo poesia com outro correlato: o poema". Daí fica claro que um é o objeto e, o outro, a manifestação. E para não ficar tão simplista, possibilitando maior amplitude, considere-se outras observações, a meu ver, pertinentes. Aristóteles, por exemplo, em sua Poética, tratou sobre o assunto: "[...] não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade. [...] a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e essa o particular. Daqui claramente se segue que o poeta deve ser mais fabulador que versificador; porque ele é poeta pela imitação e porque imita ações". Sobre esta visão aristotélica, Ariano Suassuna, na sua Iniciação à estética, considerou que a poesia, no sentido grego, significa criação: "como espírito criador que se encontra na raiz de todas as artes. [...] A poesia seria o espírito criador que se encontra por trás de todas as artes literárias, sejam estas realizadas através da prosa ou do verso". Assim, poesia é "o ritmo e a imagem, principalmente a metáfora". Ampliando mais a discussão, no que concerne ao que pensam determinados poetas do que seja, na verdade, a poesia. Vejamos pois, o que pensa, por exemplo, Maiakovsky, no seu Como fazer versos: "A poesia começa onde existe uma tendência. (...) A poesia é uma indústria: das mais difíceis e das mais complicadas, mas, apesar disso, uma indústria. Aprender o ofício de poeta não é aprender o modo de preparar um tipo definido e limitado de obras poéticas, mas sim, o estudo dos meios de todo o trabalho poético, o estudo das práticas dessa indústria que ajudam a criar outros. O trabalho do poeta deve ser quotidiano, a fim de melhorar a técnica, e acumular reservas poéticas". T. S. Eliot, em seu Essência da Poesia, por outro lado, defende que: "A poesia pode ter um significado social deliberado e consciente. Podemos observar que a poesia difere de qualquer outra arte por ter para o povo da mesma raça e língua do poeta um valor que não tem para os outros. Nenhuma arte é mais obstinadamente nacional do que a poesia, a poesia que é o veículo do sentimento". E arremata: "A poesia é uma constante lembrança de todas as coisas que só podem ser ditas em uma língua, e que são intraduzíveis". E como tarefa de poeta, Eliot defende que primordialmente e sempre se leve a efeito uma revolução na linguagem, articulada com musicalidade de imagens e de sons. Ezra Pound, em seu A arte da poesia, entretanto, acrescenta: "Cada homem é o seu próprio poeta", defendendo que ninguém será um poeta escrevendo hoje com um jeito de anos atrás e que a linguagem deve ser usada com eficiência. Mas falar de poesia num tempo tão apressado, desumano, insensível, em que tudo beira a mediocridade e a barbárie, prova que o ser humano resiste e se renova. Usemos por conclusão as palavras de Pound sugerindo que o poeta "[...] identifique a assonância e aliteração, rima imediata e retardata, simples e polifônica, tal como se espera de um músico que conheça harmonia e contraponto, assim como todas as minúcias de seus ofícios". E adverte: "nunca se escreveu poesia de boa qualidade usando um estilo de vinte anos atrás, pois escrever dessa maneira revela terminantemente que o escritor pensa a partir de livros, convenções e clichês, e não a partir da vida". Evidencia-se, pois, que a poesia está na vida. E vamos aprumar a conversa aqui e aqui.


Imagem do pintor brasileiro Ismael Nery (1900-1934). Veja mais aqui.

 Curtindo o poema orquestral Danse Macabre (op. 40, 1874), do compositor, pianista e organista francês Camille Saint-Saëns (1835-1921). Veja mais aqui e aqui.

A VOLTA AO AMOR NO ETERNO RETORNO - O político, filósofo, médico, místico e poeta grego, Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.), nascido em Aeragas, hoje Agrigento, na Sicília, cidade colonial grega no litoral sul da Sicília, então parte da Magna Grécia, no Mar Mediterrâneo, é o primeiro filósofo dórico e um dos notáveis defensores da teoria da constituição da matéria de Pitágoras, um profundo teórico da evolução dos seres vivos e considerado o primeiro sanitarista da história. Na política, opôs-se à oligarquia, defendendo a democracia, mas foi desterrado quando do triunfo da reação. Dos eleatas deriva ele a doutrina da eternidade e imutabilidade do ser; mas divide o ser uno dos eleatas e a busca dos jônicos de um único principio das coisas pelos quatro elementos: fogo, terra, água e ar, como no seu poema: Com a terra vemos a terra, com a água, a água, com ar, divino ar, e com fogo, o eterno fogo, com o amor, o amor, a luta com a triste luta; combina ao mesmo tempo o ser imóvel de Parmenides e o ser em perpetua transformação de Heráclito, salvado ainda a unidade e a pluralidade dos seres particulares. Ele julga também real – dos fenômenos e das coisas, mediante a diversa combinação dos quatro elementos. Essa combinação realiza-se mediante duas forças fundamentais e primordiais: o amor e o ódio. O amor conserva misturado e unido tudo, coisas e elementos, que o ódio distingue e divide. A principio domina unicamente o amor e, por conseguinte, a harmonia e a paz, como que numa idade do ouro; depois mistura-se com o amor o ódio, a divisão, donde a origem dos seres individuais que, num predomínio sucesso do ódio, são destruídos. Isso provoca, por reação, uma volta ao amor, recomeçando daí um novo ciclo e, assim por diante, repete-se um eterno retorno de coisas e eventos (Fonte: Historia da filosofia, U. Padovani & L. Castagnola, Melhoramentos, 1978). Veja mais aqui, aqui e aqui.

MESQUINHEZ – No livro Os filhos de Candinha (Martins, 1943) do escritor Mario de Andrade (1893-1945), encontro a crônica Mesquinhez, a seguir transcrita: Temos que distinguir porem. Si é fato que existe em certas classe de sublimadores de vida (poetas, mendigos, etc) sincera incompetência pra viver, não é menos certo que muito individuo se aproveita disso pra não tomar atitude ante os fenômenos sociais. Dado que o artista, o cientista é um ser à parte, pois então vamos nos aproveitar disso. Sistematizam este estado de off-side que é inerente à psicologia deles, e na verdade já não estão apenas à parte mais, criam mas é uma salvaguarda de indiferentismo e até sem-vergonhismo que lhes permite aceitar tudo em proveito pessoaç. Quando Julien Brenda estabeleceu no livro bulhento dele a condição do clerc, ele não esqueceu de especificar bem que a contemplatividade do intelectual às direitas não impedia este de se manifestar a respeito dos movimentos políticos e tomar parte neles. Mas disto os cultos brasilianos não querem saber. Si, entre escritores, ainda existem alguns que, talvez por mais acostumados a pensar, tomam partido, é absurdo como se estabeleceu tacitamente que pintores, músicos, arquitetos, fisiólogos e tisiólogos e teólogos são da neutralidade. Neutralidade? É, eles chamam de neutralidade o quye é muito boa falta de caráter. É a neutralidade que consiste v. g. no governo de Carlos de Campos, em tudo quanto era concerto, qualquer pecinha deste compositor lamentável, aparecer no programa. E me vinham: - “Você compreende, essa música banalíssima, porem nós que pertecemos à classe dos músicos devemos honrar um, sim, um músico que está na presidência do Estadi”. E como a bondade pessoal de Carlos de Campos era mesmo um fato, aquilo rendia bem ao colega. Dele. Este ano um pintor ainda me expunha suas teorias sobre a honradez profissional. Era assim: - “Você compreende (usam e abusam do você compreende arranjador gratuito de cumplicidade) você compreende, tudo isto que eu faço não é minha arte não! Mas é disso que o povo gosta! Estas orquídeas, isso é passadismo do miúdo, mas Fulano, que você sabe a importância dele na Prefeitura, queria por força que eu pintasse orquídeas. Eu pintei e ele comprou! Estou envergonhado de ter um quadro assim na exposição, mas, você compreende, é por causa do nome do comprador. Mais tarde, quando eu não tiver mais cuidados pecuniários, então hei-de fazer a arte que sinto em mim”! e com isto, si receberem a encomenda de uma sinfonia para Mussolini e um retrato de Napoleão a cavalao, fazem. Porque diz-que o assunto não tem importância na obra de arte!... me parece inconstestavel que estamos atravessando um momento muito importante, que pode despertar no povo brasileiro a consciência social – coisa que ele não tem. Ora não só músicos, tisiólogos e fisiólogos, mas até literatos, vou percebendo uma pouca vontade vagarenta em tomar atitude. Parece que estão muito preocupados em cantar a mãe-preta, o seu rincãozinho, a sua religiãozinha, pra tomarem consciência verdadeira do momento que a nacionalidade atravessa, e vai bastante mais além desses lugares-comuns temáticos do novo “modernismo” de agora. No poema de Martin Fierro vem aquela estrofe honesta, que gosto muito: Yo he conocido cantores / que era um gusto escuchar, / mas no quieren opinar / y se divierten cantando; / pero yo canto opinando / que es mi modo de cantar. Eu acho que também temos que cantar opinando agora. Há muito mais nobre virilidade em se ser conscientemente besta que grande poeta da arte pura. Veja mais aqui, aqui e aqui.

RASTRO DE APOLO – No livro Rastro de Apolo (GRD, 1977), do poeta, jornalista, tradutor e biógrafo Gerardo Mello Mourão (1917-2007), destaco o trecho: Oito léguas pelo mesmo pampa triste / o rastreador gaúcho consulta o inconsútil chão / de joelhos / e era / de seus olhos / o adorador e criador de corpos / senhor e servidor / Termina o chão / começa o ar / e onde se acaba / todo elemento / seria um rastro: / do coração de outubro / amadurece ao sol / tua laranja: / boa tarde Calíope / e o pé pentesileu / pisava seu pentâmetro / e uns perdem / e outros acham / artelho e calcanhar e tornozelo / entre solo e sol / Do coração de outubro / saltada a flor: / quem despe um pé / dum escarpim / de cordobán? / Pois busco o rastro / de joelhos / de olhos no chão: / talvez nas águas / nas verdes águas / sobre ele adeje / gaivota sábia / Ao vento de Delfos / boiava a morte / boiava morto / Sebastião Muniz / na fonte de Castália e ali pisaras: / por onde um rastro um dia florescera um corpo / tuas ancas, Mepômene, dançaram / o mel e a lua de teus seios. / Boa noite, Calíope, / por onde? / A morte de Sebastião Muniz viera caminhando / ao tom das harpas guaranis / — ó noite azul, ó estrelas / flutuando no rio / ó noite azul do Paraguai! — a morte / de Passo de Camaragibe e Araripina / aos montes da Tessália / por serras e por mares caminhando — / na praia do Senegal dera uni aceno / e por ali / seu passo sertanejo — e sob aquele céu / serrana e marinheira a Morte / dizia chão e mar e por seu nome / chamava cada chão e cada mar: / virias / defunta Musa / e à sugerida lágrima / uma estrela caíu despedaçada — e ali / talvez ardera o pé do que pisara / e à cadência da lira e ao som / da flauta andara andando / onde / boiava ao vento de Delfos no jornal perdido / a achada morte. / Carrapateira — sertão da Paraíba — / seiscentos habitantes receita orçamentária cem dólares / quatro casas comerciais e um candeeiro / amarelava a luz / nas prateleiras de cachaça de Nezinho Varejão: / Mariana debulha no jacá o milho elementar / debulha Laurentina o rosário penitente: / — "Tu crês, Arsênio, outro país lá em cima?" / — "Não sei — sei que andaram seis léguas — / terão casa? " / João Pedrosa aponta a lua: / no céu só Deus — no mundo o homem / terra pra riba de jeito nenhum — / o céu vive na vida boa / pra nós tudo que vem é bom / eu piso em qualquer chão". / Chicão Gomes — "Deus / não consente, gentes:  a torre de Babel ia até o céu - o povo / fazia a torre / todo mundo lá em cima falando / a mesma língua — Deus não deixou — / como castigo misturou as línguas". /  — "Deus deixa tudo" — Arsênio emborca / outro martelo de aguardente — / "Deus deixa tudo — o mundo é nosso  / quem sabe viver, vive — quem não sabe, / se acaba — a terminação é a cabeça da gente" / Nezinho Varejão: / — "o homem não tem poder, Arsênio, / como o foguete engancha lá? / Se chegar, não baixa, se baixar se machuca / no rochedo de pedra: / tudo é mentira / acredita, Galdino?" / — "Eu ? eu sou do tempo antigo / difícil o homem ir na lua / quando era impossível, meu pai dizia: / "Só se for no mundo da lua" / — Tem destino esse cabra americano" / Galdino se exalta: /  — "o mundo vai acabar, Prefeito, / isto é conversa dos beiradeiros de pé-de-serra / mas o movimento dos homens dá de tudo / morasse na cidade, eu ainda poderia pensar, / lá eu via o movimento mais ou menos" / — "Mas derrubar um boi - você derruba" / — Peguei muito boi nesses pés-de-serra" / Disse Antônio Matias: — "o aparelho / tem que passar do terreno para poder pousar / senão o cabra despenca lá de cima: / a entrada é caso de dificuldade" /  — "Três já precisava coragem - imagine um só" / os homens riem na bodega de Adonias: / "Se o cabra passar da lua vai parar nos / quintos do inferno" / — "Com três é bom — / um diz uma palestra outro diz outra / você — uma viagem de quatro léguas / sozinho é duro / com três montados é melhor" / Arsênio acende o cigarro na lamparina: / — "o americano diz que mandaram um gato / — morreu". / — "Não teve vida de resistência". / Nezinho Varejão: — "gato morre de fome de um dia pro outro" /  — "Gato morre" — sentença de Galdino / Um gesto, alguém limita o cosmos: — / "eles irão passar da chuva? / pois pra riba da chuva / só Nosso Senhor". / — "Contam — conta Adonias — / a gente sobe no avião — olha pra baixo / é céu por todo lado / o cabra não sabe se tem terreno na lua / mesmo a três mil metros da terra brasileira / não sabe". / — "Eu estou aqui / o sol gira — a terra / fica parada" / — "Quando eu era menino vi um avião / o jumento largou as cangalhas / larguei o jumento com dois surrões de farinha / do Engenho Sereno / hoje é diferente / gente está aqui sabe até / que acontece no estrangeiro". / — "Isto é exploração do dinheiro, Galdino". / — "Isto é coisa do Cão / o estudante diz que o mundo gira como a bala / do canhão". / — "A ciência está atrobada, Arsênio, / eles têm muita ciência / muitos acreditam outros não acreditam / depende de Deus" — / — "Quando Deus consente — João Pedrosa — / o homem muda tudo / mas só quando Deus consente / senão não muda nada" — / — "É o homem abaixo de Deus" / — "A lua é um planeta que vive no espaço não tem / moirão nenhum pra segurar, o americano devia / trazer uma banda dela, mas quem manobra é Deus / Nosso Senhor — o homem está invadindo o terreno /  de São Jorge / está desafiando / Deus castiga" /  — "0 homem deve se contentar com o país dele" — / Joana ergue o rosário — / "Mas o homem é igual.a Cabral: / tinha coragem — estava sem destino / acabou descobrindo a terra". /  — "Nosso Senhor não fez a Lua pro homem chegar perto / se quizesse, botava aqui em Piranha, bem pertinho / ai o homem ia de jumento" /  — "Mas ele pára lá na lua para almoçar / ou vem almoçar aqui embaixo / no país dele? / Porque a viagem é comprida, gente" / — "0 Prefeito tem razão: / a Lua não tem terra nem pedra nem nada / só vento brabo e se o homem tivesse juizo não ia lá / a cruviana mata / ele / o americano diz que a Lua joga lajedo de pedra: / acho que é o corisco / a Lua é um planeta sem infinidade / na capital têm um aparelho que vai até o rochedo dela / bem que Deus disse: aqui a minha semelhança — / e fez o homem / Deus é homem calmo / queria que o homem ficasse aqui / o homem está desafiando /Deus castiga". / Antonio Faustino armazena feijão verde na sala / ouve a Voz da América e diz: / — "Deus não existe". / E de repente caiu / dos espaços infinitos sobre / os homens e as mulheres caiu / um silêncio sagrado – vinha /  de Ribeirão das Almas - duas léguas de Carrapateira / e ia subindo entre as ladainhas excelentes / o anjinho morto em seu caixão azul / ia subindo para o céu da tarde azul / ia subindo azul e ia ficando / sobre a estrada subitamente sagrada / o rastro do caixão florido — o rastro / das flores de salsa encarnada. Veja mais aqui.

DO CAMARADA ÀS LEMBRANÇAS DE UM SONHO - A trajetória da atriz de teatro, cinema e televisão Maria Claudia Maciel, começa no início da década de 1970 quando ela participou de diversas peças teatrais, como O camarada Miussov de Karaiev, Vestido de noiva de Nelson Rodrigues, Agora eu conto, entre outras. Em 2004, ela retorna aos palcos com a peça Jung e Lembranças de um sonho, de Luiz Carlos Maciel. No cinema, ela começou ao lado de Renato Aragão no filme Bonga, o vagabundo, seguindo-se Independência ou Morte, O flagrante, Um marido contagiante, Se segura malandro, O coronel e o lobisomem, e Eros, o deus do amor. Por seu trabalho, ela foi eleita uma das mulheres mais lindas das décadas de 1970/80, principalmente quando participou na televisão brasileira em novelas e séries de sucesso. Fica aqui o registro do nosso aplauso de pé. Veja mais aqui.


TRAFIC – A comédia Trafic (As aventuras do Sr. Hulot no tráfego louco, 1971), dirigido pelo cineasta francês Jacques Tati (1907-1982), com roteiro do próprio diretor em parceria com Bert Haanstra e Jacques Lagrange, e música de Charles Dumont, conta a história de um designer de automóveis e de uma agente de publicidade participando do salão de automóvel em Amsterdam, na Holanda, enquanto causam confusões pela autoestrada durante a viagem, denunciando o quão ridículo as pessoas e as coisas realmente são. Bem recebido pela crítica, este filme consagra a genialidade do autor que produziu uma obra para lá de significativa no cenário cinematográfico. De minha parte, é um dos cineastas que mais aprecio e que tenho sempre que posso revisto sua obra. Veja mais aqui.


IMAGEM DO DIA
A arte do artista plástico realista Jeremy Lipking.


Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do programa Some Moments, a partir das 21 hs, no blog do Projeto MCLAM, com a apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Em seguida, o programa Mix MCLAM, com Verney Filho e na madrugada Hot Night, uma programação toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online acesse  aqui.

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