A arte da fotógrafa inglesa Maureen Bisilliat.
A LOUCURA DE ÍSIS – (imagem: arte da fotógrafa inglesa Maureen Bisilliat) Ísis era só o desejo como se fosse um sonho: sorria nua
com a língua de fora deslizando sobre os lábios. Era uma tentação
deliciosamente constante. Bastava eu chegar e me ver, olhar pregado em mim, hora
que fosse e logo se achegava com eterna volúpia, insaciável. Ousava um beijo e me
lambia as faces, a repetir: eu quero! Lambia-me a pele do pescoço, os ombros –
já demovendo minha camisa -, o muque, os braços, e mais se aninhava
ajeitando-se ajoelhada para beijar e esfregar meu sexo requerido a toda hora e
momento, enquanto ainda estava sob a minha calça: eu quero! Adorava ficar
alisando mãos e lábios sobre o volume que se fazia, como se medisse meu pênis
do pé à ponta, a ficar inquieta cada vez que ele dilatava estufado sob sua
pressão: eu quero! Desabotoava a calça e enfiava a mão por baixo da minha
cueca, a puxá-lo carinhosamente e esfregá-lo na ponta do nariz: é isso que eu
quero! Logo beijava, lambia, engolia e não se contentava: dizia que era fome
demais e já morria de sede demais de tanto que o queria nela – eu quero!. Ao me
deixar quase sem sentido de tantas movimentações orais, logo obrigava escravo a
lhe satisfazer todas as vontades: de quatro, de lado, pela frente, por trás,
afogueada demais com sua mineirice gulosa: eu quero! Queria por que queria que
eu escrevesse um poema com a baba do meu sexo por todo seu corpo, ela mesma
saía desenhando letras e versos segurando-o, até, enfim, enfiá-lo por onde mais
aprouvesse. Desta vez, ela queria diferente: deitou-me priápico obediente e se
apossou boca, mãos e músculos a se esfregar, engolindo-o e salivando-o, até que
luminosa exaltada, serviu-se dele como seu trono e gemeu e ruiu, tremeu e
gritou, esfregava a vagina no meu púbis enquanto cavalgava com meu pênis atolado
na sua compulsão anal. Pediu-me por tudo que eu deixasse assim, lambendo meu
peitoril, deslizando no meu ventre e o seu desejo no meu prazer por trás. Desde
esse dia em diante, nunca mais saciou: queria sempre mais. Eu, também. Veja mais abaixo e aqui
e aqui.
DITOS &
DESDITOS - A lógica de hoje é cultural... Como todos os conceitos, o de cultura
depende do momento histórico e de onde você está... Uma coisa que eu acho muito
interessante no conceito de cultura na tradição materialista é que você
apreende sobre a sociedade através da cultura. Ela tem um poder cognitivo. Não
é um conhecimento empírico, é um conhecimento que só as manifestações culturais
podem te dar, porque elas materializam esses significados e valores da
sociedade que são contraditórios. Pensamento da professora Maria Elisa Cevasco, autora das obras Para ler Raymond Williams (Paz e Terra, 2001)
e co-editora de O espírito de Porto
Alegre (Paz e Terra, 2003).
ALGUÉM FALOU: Estou
vivo e uma realidade, ou sou apenas um sonho? Você está aqui por apenas um
instante, e você não deve se levar muito a sério.
Pensamento do escritor estadunidense Edgar Rice Burroughs (1875-1950), que também expressa: Nenhuma
ficção vale a pena ser lida, exceto para entretenimento. Se diverte e é limpo,
é boa literatura, ou algo do gênero. Se cria o hábito da leitura, em pessoas
que não leriam de outra forma, é a melhor literatura. Em um aspecto, pelo menos
os marcianos são um povo feliz, eles não têm advogados. Veja mais aqui.
MEMÓRIA & ESQUECIMENTO – [...] Para que nossa memória se beneficie da dos
outros, não basta que eles nos tragam seus testemunhos: é preciso também que
ela não tenha deixado de concordar com suas memórias e que haja suficientes
pontos de contato entre ela e as outras para que a lembrança que os outros nos
trazem possa ser reconstruída sobre uma base comum. [...] Não é na história aprendida, é na história vivida que se
apoia nossa memória. Por história é preciso entender então não uma sucessão cronológica
de acontecimentos e de datas, mas tudo aquilo que faz com que um período se
distinga dos outros, e cujos livros e narrativas não nos apresentam em geral
senão um quadro bem esquemático e incompleto. [...] Mas na escolha que deles faz, na importância que lhes atribui, o
historiador se deixa guiar por razões que não tem nada a ver com a opinião de
então, porque esta opinião não existe mais; não somos obrigados a levá-la em
conta, não se tem medo que ela venha a se chocar, com um desmentido. Tanto isso
é verdade que ele não pode realizar sua obra senão com a condição de se colocar
deliberadamente fora do tempo vivido pelos grupos que assistiram aos
acontecimentos, que com eles tiveram contato mais ou menos direto, e que deles
podem se lembrar [...]. Trechos extraídos da obra La mémoire collective (PUF,
1968), do sociólogo francês Maurice Halbwachs (1877-1945), examinando as
contribuições da história oral na ênfase que ela permite dar às "memórias
subterrâneas" que, ao aflorarem em momentos de crise engendrando conflitos
e disputas, silenciosamente subvertem a lógica imposta por uma memória oficial coletiva,
bem como analisa a memória de dissidentes soviéticos, de prisioneiros de campos de concentração e de
trabalhadores forçados da Alsácia a fim de explorar os limites entre o
"esquecido" e o "não dito", além do trabalho de
"configuração" da memória. Veja mais aqui e aqui.
HISTÓRIA & MEMÓRIA - [...] A ligação com o passado começa por adquirir formas
inicialmente exasperadas, reacionárias; depois, a segunda metade do século XX,
entre a angústia atômica e a euforia do progresso científico e técnico,
volta-se para o passado com nostalgia e, para o futuro, com temor ou esperança.
Entretanto, na esteira de Marx, os historiadores esforçaram-se por estabelecer
novas relações entre presente e passado. Marx tinha já denunciado o peso
paralisado do passado de um passado reduzido à exaltação das memórias gloriosas
É sobre os povos, por exemplo, o francês: O drama dos franceses, tal como o dos
operários, são as grandes memórias. É necessário que os acontecimentos ponham
fim, de uma vez por todas, a este culto reacionário do passado (1870, p.147),
culto que, no fim do século XIX e início do século XX, foi um dos elementos
essenciais das ideologias de direita e uma das componentes das ideologias
fascistas e nazistas. Ainda hoje, o culto pelo passado alia-se ao
conservantismo social, identificando-o Pierre Bordieu com categorias sociais em
declínio
[...]. A aceleração da história, por
outro lado, levou as massas dos países industrializados a ligarem-se
nostalgicamente às suas raízes: daí a moda retrô, o gosto pela história e pela
arqueologia, o interesse pelo folclore, o entusiasmo pela fotografia, criadora
de memórias e recordações, o prestígio da noção de patrimônio. Também em outros
domínios a atenção pelo passado desempenhou um papel importante: na literatura,
com Proust e Joyce, na filosofia, com Bergson, e, finalmente, numa nova
ciência, a psicanálise. [...] A distinção
passado/presente que aqui nos ocupa é a que existe na consciência coletiva, em
especial na consciência social histórica. Mas torna-se necessário, antes de
mais nada, chamar a atenção para a pertinência desta posição e evocar o par passado/presente
sob outras perspectivas, que ultrapassam as da memória coletiva e da história. De
fato, a realidade da percepção e divisão do tempo em função de um antes e um depois
não se limita, em nível individual ou coletivo, à oposição presente/passado: devemos
acrescentar-lhe uma terceira dimensão, o futuro [...] Pesquisa, salvamento, exaltação da memória coletiva não mais nos
acontecimentos mas ao longo do tempo, busca dessa memória menos nos textos do
que nas palavras, nas imagens, nos gestos, nos ritos e nas festas; é uma
conversão do olhar histórico. Conversão partilhada pelo grande público,
obcecado pelo medo de uma perda de memória, de uma amnésia coletiva, que se
exprime desajeitadamente na moda retrô, explorada sem vergonha pelos mercadores
de memória desde que a memória se tornou um dos objetos da sociedade de consumo
que se vende bem. [...]. Trechos extraídos da obra História e Memória (EdUNICAMP, 2003), do historiador francês Jacques
Le Goff (1924-2014). Veja mais aqui.
FILHA DA DOR - Minha segunda
prisão foi quando eu estava a caminho do Araguaia. Saí de São Paulo, de ônibus,
junto com a Elza Monnerat, que era dirigente do PCdoB. Quando chegamos a
Marabá, ela me levou para um hotel. Quando vimos que o Exército estava na
cidade, ela me deu a instrução para voltar para São Paulo, mas foi tarde
demais. O hotel já estava cerca e, eu fui presa lá, onde passei a noite. Depois
me levaram para o quartel e, de lá, para Belém, Brasília e São Paulo. Comecei a
ser mais torturada em Brasília, no PIC (Pelotão de Investigações Criminais),
porque antes eles não tinham muitas informações a meu respeito. Lá estava lotado
de gente, a cela era imunda, cheia de baratas. Para o interrogatório, eu ia
encapuzada, e eles gritando. E tinha pancadaria, ameaças, choque. Eles também
me humilharam muito por eu ser japonesa. O meu maior medo era voltar para São
Paulo, porque aqui eu sabia que a barra ia pesar. Quando eu voltei, dois meses
depois de ser presa, fui direto para a Oban. Eles me torturaram mais pelo ódio que
sentiam do que para obter informações. Eles sabiam que eu não tinha mais
informação “quente” para oferecer. Passei por muita pancadaria, choque,
xingamento. Diziam que eu era uma traidora, que o Brasil tinha sido generoso
com a minha família, que eu devia estar ajoelhada beijando a bandeira. Depoimento
da artista plástica Rioco Kayano, quando foi presa em 14 de abril de 1972, em Marabá (PA).
Hoje vive em São Paulo e é funcionária aposentada da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (USP), além de produzir painéis e bordados em bairros
de periferia e no sertão de Minas Gerais para moradores de rua e para o
Movimento dos trabalhadores Sem Terra (MST). Veja mais aqui, aqui e aqui.
SCARAMOUCHE - [...] é da natureza humana, suponho, ser fútil e
ridículo. [...] Mas eu gosto da minha loucura. Há uma emoção
nele desconhecida para uma sanidade como a sua. [...] Quando sabemos tudo o que quer que seja,
nunca podemos fazer nada além de perdoar, madame. Essa é a verdade religiosa
mais profunda que já foi escrita. Ele contém, de fato, toda uma religião – a
religião mais nobre que qualquer homem poderia ter para guiá-lo. [...].
Trechos extraídos da obra Scaramouche
(Civilização Brasileira, 1962), do escritor italiano Rafael Sabatini (1875-1950).
PRÍNCIPE NO ROSEIRAL - Escute lá / isto é um poema / não fala de
amor / não fala de cachecóis / azuis sobre os ombros / do cantor que suspende /
os calcanhares / na berma do rochedo / Não fala do rolex / nem da bandeirola / da
federação uruguaia / de esgrima / Não fala do lago drenado / na floresta
americana / Não diz nada sobre / a confeitaria fedorenta / que recebe os
notívagos / para o café da manhã / quando o dia já virou / Isto é um poema / não
fala de comoções / na missa das sete / nem fala da percentagem / de mulheres
que se espantam / com a imagem do marido / aparando a barba no ocaso / Não fala
de tratores quebrados / na floresta americana / não fala da ideia de norte / na
cidade dos revolucionários / Não fala de choro / não fala de virgens confusas /
não fala de publicitários / de cotovelos gastos / Nem de manadas de cervos / Escute
só / isto é um poema / não vai alinhar conceitos / do tipo liberdade igualdade
e fé / Não vai ajeitar o cabelo / da menina que trabalha / com afinco na caixa
registadora / do supermercado / Não vai melhorar / Não vai melhorar / isto é um
poema / escute só / não fala de amor / não fala de santos / não fala de
Deus / e nem fala do lavrador / que dedicou 38 anos / a descobrir uma visão / quase
mística / do homem que canta / e atravessa / a estrada nacional 117 / para
chegar a casa / ou a algum lugar / próximo de casa.
Poema da escritora portuguesa Matilde Campilho.