O BRASIL DE HOJE EM DIA TÃO SEM POESIA – UMA DA VEZ – As manchetes
do noticiário de hoje em dia são tão iguais em tragédias espetacularizadas e
sobrecarregadas da maior estultice, que nem dá mesmo para levar a sério ou
coisa que valha! Ora, eu mesmo já desliguei dos veículos de comunicação de
massa brasileiros faz tempo (um ou outro gato pingado que vale a pena conferir
e isso nos canais alternativos, na tevê, rádio, jornais, tudo a mesma seboseira).
No mais, coisa de baixíssimo nível. Afora o reino da estupidez instaurada pela
trupe do energúmeno Coisonário com suas sandices & minions evangélicos
& milicianos & outros da laia (e que já são manchetes majoritárias para
o nosso mal-estar, apesar de tão risíveis, para não dizer tragicômicas), só
aparece o de sempre: calamidades, violência, lengalenga, corrupção e o que der
para tapar buraco de reportagem lida, escrita ou televisada. E tudo com letras
garrafais bem coloridas. Mesmo assim, tudo acobertando as causas da coisa feita,
só dando conta das consequências. Dá até a impressão que a vida perdeu completamente
a poesia de viver, apesar dos poetas. Afinal, para quê serve mesmo a poesia,
hem? Já dizia Cocteau: Tenho certeza de que a poesia é indispensável,
mas não me pergunte por quê. Está dito. FALAR NISSO, DUAS: Outra coisa. O poeta Dante Alighieri (1265-1321) não era mesmo lá um cara de sorte. Narigudo
feioso, achou, primeiro, de se apaixonar pela belíssima Beatrice Portinari (1266-1290), a Beatriz amada (a Bice, musa
íntima só dele). Na verdade, uma paixão não correspondida que o tornou famoso por
ter sido o mote glosado de sua imortal obra Divina
Comédia. A sua Beatriz findou casando com o filho de um rico banqueiro e o
deixou a ver navios, atravessando infernos e purgatórios. Ela morreu logo após
contrair núpcias com o seu amado, fazendo com o que bardo vivesse, daí por
diante, numa viuvez espiritual. Até que um dia, em sua profunda solidão, ele
achou de desposar uma nobre, a Gemma
Donatti (1265-1342), com quem teve quatro filhos. Ao que parece, ele
aguentou calado o que seria uma reedição piorada do que foi Xantipa para Sócrates durante o matrimônio, pois não há, da parte dele, nada escrito a
respeito de sua vida conjugal nem nada. Porém, críticas impiedosas contra ela foram
desferidas por não menos que Boccaccio,
tratando-a por megera desalmada. Danado, hem? Outros historiadores e biógrafos
confirmam. Se assim é, coitado do Dante. Vamos pra outra! TRÊS, ESSA É PRA FECHAR – Pois é, fechando mesmo esse papo de tempo
sem poesia, nada melhor que trazer uma sacada do Drummond em Dois no Corcovado,
do seu 70 historinhas: Era pra valer. Amanhã
ou depois serão recolhidos – sabemos nós, não eles. Tempo não se mede pelo
relógio, mas pelo vácuo de comunicação, pela expectativa sem segurança. E nessa
situação, insignificante para nós, ilimitada para eles, dois homens descobrem-se
um ao outro. Taí. E vamos aprumar a conversa. Ponto final. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS
& DESDITOS: [...] Assim, para
quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento,
cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama
entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. O amor é uma ocasião sublime
para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo por si mesmo, tornar-se um mundo
para si, por causa de um outro ser: é uma grande e ilimitada exigência que se
lhe faz, uma escolha e um chamado para longe. Pois, nos seio mesmo da paixão,
nunca se deve tratar de "conhecer perfeitamente o outro": por mais
que progridam neste conhecimento, a paixão restabelece constantemente entre os
dois este contato fecundo que não pode se comparar a nenhuma relação de
simpatia e os coloca de novo em sua relação original: a violência do espanto
que cada um deles produz sobre o outro e que põe limites a toda tentativa de
apreender objetivamente este parceiro. É terrível de dizer, mas, no fundo, o
amante não está querendo saber "quem é" em realidade seu parceiro.
Estouvado em seu egoísmo, ele se contenta de saber que o outro lhe faz um bem
incompreensível... os amantes permanecem um para o outro, em última análise, um
mistério. Só aquele que permanece inteiramente ele próprio pode, com o tempo,
permanecer objeto do amor, porque só ele é capaz de simbolizar para o outro a
vida, ser sentido como tal. Assim, nada há de mais inepto em amor do que se
adaptar um ao outro, de se polir um contra o outro, e todo esse sistema
interminável de concessões mútuas... e, quanto mais os seres chegam ao extremo
do refinamento, tanto mais é funesto de se enxertar um sobre o outro, em nome
do amor, de se transformar um em parasita do outro, quando cada um deles deve
se enraizar robustamente em um solo particular, a fim de se tornar todo um
mundo para o outro. [...]. Pensamento da escritora
russa Lou Andreas-Salomé (1861-1937). Veja mais aqui e aqui.
“QUERO APENAS PÃO E TRABALHO. JÁ AGORA
MATA-ME” – A ceifeira portuguesa,
mãe de três filhos, Catarina Eufémia
(Catarina Efigénia Sabino Eufémia - 1928-1954), em uma
greve de assalariadas rurais, foi assassinada pelo tenente Carrajola da GNR em
Baleizão, perto de Beja, no Alentejo, quando explicou que só queriam “pão e
trabalho”. Catarina tinha ao colo o filho de oito meses quando foi baleada à
queima-roupa. Quando as autoridades tentaram fazer o funeral às escondidas, os
populares correram para o local protestando. Seguiu-se um espancamento
violento, incluindo aos familiares da falecida, e o caixão foi levado à pressa
para Quintos, terra do marido de Catarina. Nove camponeses foram acusados de
desrespeito à autoridade e condenados a dois anos de prisão com pena suspensa.
O tenente Carrajola foi transferido para Aljustrel e nunca foi a julgamento. Em
uma decisão judicial, encontra-se que o militar assassino acabou por ter dado
um pequeno toque com a mão na cara da camponesa e a arma disparou sozinha. Contudo,
de acordo com a autópsia, Catarina foi atingida por “três balas, à
queima-roupa, pelas costas, atuando da esquerda para a direita, de baixo para
cima e ligeiramente de trás para a frente, com o cano da arma encostada ao
corpo da vítima. O agressor deveria estar atrás e à esquerda em relação à
vítima”. Depois, o tenente Carrajola foi transferido para Aljustrel, mas
nunca veio a ser sequer julgado em tribunal, falecendo impunemente em 1964. Ela,
por sua vez, transformou-se em símbolo da luta contra a exploração, a repressão
e ao fascismo, a que estavam sujeitos os trabalhadores portugueses durante a
ditadura fascista de António Salazar. Para
ela, entre tantos poemas, este Laivos de Aquentejo, da professora Luísa Vilão Palma: O panal era branco em rendas de suor, como a
cal que a Ti Liberta fervia no azado, ao fundo da rua do monte. O ervaçal no
empedrado. O monte era o rumo dos dias nas tardes calmosas. Deixava a tarimba
ao luzir do buraco, enquanto o cão ansiava a bôla de farelo, impaciente. A
cauda do animal agitava-se na cadência dos passos da mulher. O patrão podia
aparecer a qualquer hora. O cereal amassado a crescer. O forno em labaredas de
coração apaixonado na metáfora do escritor. — Bom dia, Ti Liberta, já soube da
desgraça? -Oh! home, o que dizes tu? O olhar da mulher fraquejou, começou a
toldar-se, fundindo-se na sombra da azinheira solitária que o artista empresta
à tela camponesa as tuas mãos em gesto ritmado no movimento da foice as paveias
soam a queixume de quem implora o pão... hás de fazer do teu lenço vermelho a
única bandeira viva sobre a terra... Sim, a desgraça, ti Liberta. Ela caiu. Ali
mesmo. Entre a terra e o céu. Lá. Pelo Maio calmoso das aceifas escureceu o sol
tardiamente, beijando-lhe a face pela última vez. Lá. Onde a imensidão.
Vagueiam gestos ousados em lágrimas de sangue da mulher. O cereal amassado a
crescer. O forno em labaredas de ódio no retrato da tirania. Ti Liberta, abra
os olhos. Já faz tempo que a ceifeira, na voz de todas as ceifeiras, deixou
rolar a foice entre o trigal, desesperada. Foi por mor do acrescento de uns
tostões à jorna. Ficou tamanho eco no infinito da gente que lutou até à
exaustão. A tua foice, Catarina. Alentejo, vestimos os teus panos. Tu matas-nos
a sede. Veja também o poema da poeta
portuguesa Sophia de Mello Breyner Anderson (1919-2004) aqui.
A POESIA DE LUCILLE CLIFTON
DEIXE QUE HAJA UM NOVO FLORESCER: deixe que haja um novo florescer / nos campos
deixe os campos / se tornarem maduros para os homens / deixe os homens se
manter carinhosos / através do tempo deixe o tempo / ser arrancado à força da
guerra / deixe a guerra ser vencida / deixe o amor acontecer / até o fim.
A LIÇÃO DAS FOLHAS CADENTES: as folhas acreditam que / tal desprendimento
é amor / tal amor é a fé / tal fé é a graça / tal graça é deus. / eu concordo
com as folhas.
POEMA EM LOUVOR À MENSTRUAÇÃO: se há um rio / mais formoso que este / brilhante
como o sangue / borda vermelha da lua se / há um rio / mais fiel que este / voltando
a cada mês / ao mesmo delta se há / um rio / mais bravo que este / vindo e
vindo numa onda / de paixão, de dor se há / um rio / mais antigo que este / filho
de eva / mãe de caim e de abel se há / no universo um rio semelhante se / há
água em algum lado / mais poderosa que este selvagem / água / reza para ele
também flua / em animais / formoso e fieis e antigo / e femininos e bravos.
AS MULHERES PERDIDAS: eu preciso saber os nomes delas / aquelas
mulheres com quem eu podia ter andado / confiante do jeito que os homens andam
em grupos / gingando os braços, e aqueles / outros incomodando as mulheres às
quais teria me juntado / depois de uma longa rodada de conversa fiada / do que
teríamos chamado umas às outras, gargalhando, / fazendo piadas tomando nossa
cerveja? onde estão minhas galeras, / meus times, minhas irmãs deslocadas? / todas
as mulheres que poderiam ter me conhecido, / em que lugar do mundo estão os
nomes delas?
HOMENAGEM AOS MEUS QUADRIS: estes quadris são grandes quadris / eles
precisam de espaço para / mover-se em volta. / eles não cabem em pequenos / lugares
insignificantes. estes quadris / são quadris livres. / eles não gostam de ser
retidos. / estes quadris nunca foram escravizados, / eles vão para onde querem
ir / fazem o que eles querem. / estes quadris são quadris poderosos. / estes
quadris são quadris mágicos. / eu os conheço / por colocar um feitiço no homem
e / fazê-lo rodar como um pião!
LUCILLE CLIFTON - Poemas
da escritora estadunidense Lucille Clifton (1936-2010), herdeira da
tradição afro-americana com poemas feministas e com ênfae no corpo feminino.
&
TRÊS POEMAS DE MARGENS DO MEU RIO, SANDRO
AGRELLI
SOU MEU ESPELHO: Toda vez que me olho, sempre
sou o mesmo. / Qual sol que se põe todo dia, qual a lua que brilha em sua luz.
/ Como as chuvas que caem sobre a terra, sou como Deus que não muda... / Quando
me olho / sou as rochas agudas que apontam ao céu / sou sempre eterno sem
passado / sou o que é meu / sou a única imagem de mim / sou mesmo o que sou /
sem começo e sem fim.
O COITO DA VIAGEM: Como é bonito o infinito /
quem é Poeta é quem vê / mais lindo o seu grito / ecoando de prazer. / Como é
bonito seus olhos na luz da noite / no desejo dos seus lábios vaginais / quando
se perde nas carícias do meu açoite / vibrando na emoção de quem quer mais... /
Bonita é tua língua francesa / no rastro do meu Fênix / que me arde o sangue
/no gozo do nosso fogo...
PÉ QUEBRADO – Uma vez dois Caminhos marcaram
um encontro / e se encontraram. / Se olharam e se gostaram / e com tanta fome e
sede pelo encontro / Um comeu Um / e o Outro comeu o Outro.
SANDRO AGRELLI - Poemas extraídos do livro Margens do meu rio: Poemas e
poesias do filósofo Agrelli (Bagaço, 2019), do poeta, compositor e cantor Sandro Agrelli. Veja mais aqui.
A ARTE DE MILLIE BROWN
Queria usar meu corpo para criar arte. Queria criar algo que viesse de
dentro, que fosse bonito, cru e ao mesmo tempo incontrolável.
MILLIE BROWN – A arte da pintora e artista performática
britânica Millie Brown, que ganhou
projeção mundial com a performance Suspended
by Optimism, realizada em 2014, no Art Basel Miami Beach, quando ela ficou
4 horas pendurada por balões de gás hélio, refletindo sobre viagem astral e o
espaço físico. Já na performance Wilting
Point, realizada numa galeria no Refinery Hotel of New York, ela ficou
deitada em meio a uma cama de flores por 7 dias, sem comida, apenas com água,
enquanto as flores murchavam ao seu redor. Veja mais aqui.
A ARTE PERNAMBUCANA
A poesia do poeta, folclorista, pintor, ator, teatrólogo,
cineasta e militante Solano Trindade
(1908—1974) aqui.
Evangelho na taba de Osman
Lins (1924-1978) aqui.
A língua
dos Três Pppês de Jomar Muniz de Brito aqui.
A lenda
da Emparedada aqui.
A arte
de Ayssa Bastos aqui.
A música
de Fulô Rasteira aqui.
&