É CADA UMA QUE ME APARECE! – LÁ VAI UMA: FUI DORMIR E ALMA FOI VIAJAR,
VÔTE! – E foi mesmo. Quando dei fé, estava diante de um castelo
suntuoso. A porta abriu-se sem que eu sequer batesse e uma voz me indagou: Sim?
Dei de ombros. Não era ninguém, mas falou: Pode entrar, Kerpimanha lhe aguarda,
venha! Cá comigo: Quem? E a voz invisível: A mãe do sonho! Vixe! Pensei alto ou
esse adivinhou meu pensamento. Destá. Era um ambiente luxuoso indescritivelmente
iluminado. Logo vi mais adiante uma belíssima mulher, tão indescritível quanto linda
e esbelta, olhos vivos, alvíssima como a manhã, cabelos lisos negros sobre os
ombros, assimetria esculturada estonteantemente perfeita, vestes transparentes
sobre o corpo nu e uma das mãos estendidas para mim. Cá com meus botões: Sempre
ouvi dizer que ela era uma velha que descia do céu, o povo inventa cada uma.
Tomou-me uma das mãos e sussurrou: Anabanéri está se aprontando para você.
Quem? Ah, tá. Disseram-me certa vez tratar-se de uma moça sem pernas que descia
com os últimos brilhos das estrelas, percorrendo o caminho do arco-íris. Ela
virou trinco, olhou-me fundo e disse: Pode entrar e aguarde, ela logo
aparecerá. Você foi pontual, será premiado por isso. Hem? Sei não. Mais curioso
que nunca, fiquei no quarto escuro, com certeza uma alcova celestial confortabilíssima
e apaziguadora. Ali fiquei, à espera. Adormeci. Acordei na real com a voz do Harold Rome (1908-1993), solfejando: Pontualidade é uma coisa que, se você segue
à risca, não encontra ninguém para apreciá-la. Não era ele, para meus
espanto era uma coruja irônica, Murucututu – para quem não sabe, a mãe do sono
-, que saiu voando para eu nunca mais dormir. E LÁ VÃO DUAS: ESCATOLOGIA DA PÊGA!– Depois de um sonho deste, usei
do recurso da oniromancia para poder entendê-lo. De nada valeu, dei foi de cara
com o Fred Allen (1894-1956), caçoando:
O neurótico constrói um castelo no ar. O psicótico
mora nele. O psiquiatra cobra o aluguel. Vixe! Será o Coisonário? Nada, era
só o noticiário da tevê dando conta de milícias entre malícias, óleo nas
praias, livros no lixo, a cruzada sectária neopentecostal e o laranjal florido
e impune com améns e despautérios, isso afora carestia, desemprego, desmandos e
desgraceira geral. Será o fim do mundo? Parecer, parece mesmo. Só despencando
pelas tabelas. Até onde? Valha-me. Aonde nós chegamos, se a cretinice parece
não ter limites, haja estupidez! O fundo do poço abissal, topou. Só humor
barato e sem graça está liberado. Precisamos, pelo menos, salvar a piada, ora! E LÁ VÃO TRÊS: ESSE MUNDO ESTÁ MUITO DOIDO –
Barulho desse, não tem sono que chegue! Parece mais que a gente está no
maior canjerê. Isso mesmo, coisa-feita. E tem gente pensando que pra cruzeta
tem proteção! Ora. E dizem: Só se for na base da arruda com alho, cravo,
alecrim, raspas de raízes e chifres, um pouquinho de lixo da encruzilhada para
fazer defumação de cupim com pena de galinha preta, depois um banho de sal
grosso e vamos ver como é que fica – pelo menos é melhor que berreiro de evangélico,
meu! Senão, tomar garapa para afrouxar os nervos. Para mim, melhor mesmo é emendar os bigodes para glosar qualquer outro mote,
levando na caixa dos peitos aquela da cantoria violeira do Zé da Luz: Quando eu pego na
viola / Qui oiço o gemê das prima, / Os verso sai da cachola / Im cachuêra de
rima. Aí, sim. E vamos aprumar a conversa que tem mais lá pra baixo, deixa
rolar! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais abaixo e aqui.
DITOS
& DESDITOS: [...] Lembrava-lhe conversas à mesa, ou em sofás, com pessoas cujas palavras
pareciam pairar sobre coisas mortas e paradas e que jamais faziam soar corda
alguma. E que quando a gente procurava tocar uma corda vibrante, nos olhavam
com a mesma máscara rígida de sempre, fazendo algum comentário tão perfeito na
sua banalidade que a gente sequer conseguia crer que talvez fosse um
subterfúgio. E a solidão, ampliada pelo fato de que na loja sempre se viam os
mesmos rostos, dia após dia, os poucos rostos com quem a gente poderia falar, e
jamais falou, ou jamais poderia falar. Diferente do rosto que passa no ônibus,
parecendo querer exprimir algo, que a gente vê só uma vez e acaba desaparecendo
para sempre. Ela ficava pensando todas as manhãs, na fila do relógio de ponto
no subsolo, distinguindo sem querer, com o olhar, os empregados permanentes dos
temporários, como fora parar ali – respondera a um anúncio, é evidente, mas
isto não explicava o destino – e o que viria depois em vez de um emprego de
cenógrafa. Sua vida era uma série de ziguezagues. [...]. Trecho extraído da obra Carol (L&Pm, 2015), da escritora estadunidense Patricia
Highsmith (1921-1995).
A ÚLTIMA
CARTA DE OLGA BENÁRIO – Amanhã
vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não
posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a
minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente
impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que
nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera poder
pentear-te, fazer-te as tranças – ah, não, elas foram cortadas. Mas te fica
melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte.
Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em
princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entenderemos muito
bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu
fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês? Já volto a sonhar, como
tantas noites, e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso
nisto de novo, a ideia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido
é para mim como a morte. Carlos,
querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me
destes? Corformar-me-ia, mesmo que não pudesse ter-te muito próximo, que teus
olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos,
tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver-me dado a ambos. Mas
o que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como
milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e
feliz te sentes por nossa filha? Querida
Anita, meu querido marido, meu Garoto: choro debaixo das mantas para que
ninguém me ouça, pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para
suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que esforço-me para
despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nos últimas e difíceis
horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta.
De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se
emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do
mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão
porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a
morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela
chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último
momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser
mais forte amanhã. Beijo-os pela última vez. Texto da Última carta escrita pela militante política alemã Olga Benário (1908-1942), que, durante
a sua militância expressou que: “Lutei
pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Preparar-me para a morte não
significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Em
momentos difíceis é preciso pensar em alguma coisa bonita. Iluminar, iluminar,
essa é minha missão e a do sol”. Veja mais aqui.
A CACIMBA, DE ZÉ DA LUZ
Tá vendo aquela cacimba / Lá na bêra do riacho, / Im riba da ribancêra,
/ Qui fica, assim, pru dibaxo / De um pé de tamarinêra? / Pois, um magote de
môça / Quage toda menhanzinha, / Foima, assim, aquela tuia, / Na bêra da
cacimbinha / Tomando banho de cuia! / Eu não sei pru quê razão, / As águas
dessa nacente, / As águas qui alí se vê, / Tem um gosto deferente / Das cacimba
de bêbê… / As águas da cacimbinha / Tem um gôsto mais mió. / Nem sargada, nem
insôça… / Tem um gostim do suó / Dos suvaco déssas môça… / Quando eu vejo essa
cacimba, / Qui inspio a minha cara / E a cara torno a inspiá, / Naquelas águas
quilara, / Pego logo a desejá… / …Desejo, pra que negá? / Desejo ser um caçote,
/ Cum dois óio desse tamanho! / Pra vê, aquele magóte / De môça tumando banho!
ZÉ DA LUZ - Poema do
poeta Zé da Luz (Severino de Andrade Silva, 1904 —1965).
Veja mais aqui & aqui.
A ARTE DE AMANDA BARROS
A arte
da bailarina Amanda Barros, formada na Escola do Teatro
Bolshoi Brasil e que está na Lamondance, em North Vancouver, no Canadá. Veja mais aqui.
A ARTE PERNAMBUCANA
A poesia
da educadora, jornalista,
poeta e ativista feminina Edwiges de Sá Pereira (1884-1958) aqui.
A literatura de Djanira Silva aqui.
Capibaribe, um rio de gente: histórias, causos e lendas do
Capibaribe, de Inácio França aqui.
O teatro
de Fernando Peltier aqui.
Agroecologia:
Hortas do Bem Comum & Felicidade Comunitária aqui.
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