quarta-feira, fevereiro 12, 2020

PATRICIA HIGHSMITH, ZÉ DA LUZ, OLGA BENÁRIO, ANTÔNIO NÓBREGA & AMANDA BARROS


É CADA UMA QUE ME APARECE! – LÁ VAI UMA: FUI DORMIR E ALMA FOI VIAJAR, VÔTE! – E foi mesmo. Quando dei fé, estava diante de um castelo suntuoso. A porta abriu-se sem que eu sequer batesse e uma voz me indagou: Sim? Dei de ombros. Não era ninguém, mas falou: Pode entrar, Kerpimanha lhe aguarda, venha! Cá comigo: Quem? E a voz invisível: A mãe do sonho! Vixe! Pensei alto ou esse adivinhou meu pensamento. Destá. Era um ambiente luxuoso indescritivelmente iluminado. Logo vi mais adiante uma belíssima mulher, tão indescritível quanto linda e esbelta, olhos vivos, alvíssima como a manhã, cabelos lisos negros sobre os ombros, assimetria esculturada estonteantemente perfeita, vestes transparentes sobre o corpo nu e uma das mãos estendidas para mim. Cá com meus botões: Sempre ouvi dizer que ela era uma velha que descia do céu, o povo inventa cada uma. Tomou-me uma das mãos e sussurrou: Anabanéri está se aprontando para você. Quem? Ah, tá. Disseram-me certa vez tratar-se de uma moça sem pernas que descia com os últimos brilhos das estrelas, percorrendo o caminho do arco-íris. Ela virou trinco, olhou-me fundo e disse: Pode entrar e aguarde, ela logo aparecerá. Você foi pontual, será premiado por isso. Hem? Sei não. Mais curioso que nunca, fiquei no quarto escuro, com certeza uma alcova celestial confortabilíssima e apaziguadora. Ali fiquei, à espera. Adormeci. Acordei na real com a voz do Harold Rome (1908-1993), solfejando: Pontualidade é uma coisa que, se você segue à risca, não encontra ninguém para apreciá-la. Não era ele, para meus espanto era uma coruja irônica, Murucututu – para quem não sabe, a mãe do sono -, que saiu voando para eu nunca mais dormir. E LÁ VÃO DUAS: ESCATOLOGIA DA PÊGA!– Depois de um sonho deste, usei do recurso da oniromancia para poder entendê-lo. De nada valeu, dei foi de cara com o Fred Allen (1894-1956), caçoando: O neurótico constrói um castelo no ar. O psicótico mora nele. O psiquiatra cobra o aluguel. Vixe! Será o Coisonário? Nada, era só o noticiário da tevê dando conta de milícias entre malícias, óleo nas praias, livros no lixo, a cruzada sectária neopentecostal e o laranjal florido e impune com améns e despautérios, isso afora carestia, desemprego, desmandos e desgraceira geral. Será o fim do mundo? Parecer, parece mesmo. Só despencando pelas tabelas. Até onde? Valha-me. Aonde nós chegamos, se a cretinice parece não ter limites, haja estupidez! O fundo do poço abissal, topou. Só humor barato e sem graça está liberado. Precisamos, pelo menos, salvar a piada, ora! E LÁ VÃO TRÊS: ESSE MUNDO ESTÁ MUITO DOIDO – Barulho desse, não tem sono que chegue! Parece mais que a gente está no maior canjerê. Isso mesmo, coisa-feita. E tem gente pensando que pra cruzeta tem proteção! Ora. E dizem: Só se for na base da arruda com alho, cravo, alecrim, raspas de raízes e chifres, um pouquinho de lixo da encruzilhada para fazer defumação de cupim com pena de galinha preta, depois um banho de sal grosso e vamos ver como é que fica – pelo menos é melhor que berreiro de evangélico, meu! Senão, tomar garapa para afrouxar os nervos. Para mim, melhor mesmo é emendar os bigodes para glosar qualquer outro mote, levando na caixa dos peitos aquela da cantoria violeira do Zé da Luz: Quando eu pego na viola / Qui oiço o gemê das prima, / Os verso sai da cachola / Im cachuêra de rima. Aí, sim. E vamos aprumar a conversa que tem mais lá pra baixo, deixa rolar! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] Lembrava-lhe conversas à mesa, ou em sofás, com pessoas cujas palavras pareciam pairar sobre coisas mortas e paradas e que jamais faziam soar corda alguma. E que quando a gente procurava tocar uma corda vibrante, nos olhavam com a mesma máscara rígida de sempre, fazendo algum comentário tão perfeito na sua banalidade que a gente sequer conseguia crer que talvez fosse um subterfúgio. E a solidão, ampliada pelo fato de que na loja sempre se viam os mesmos rostos, dia após dia, os poucos rostos com quem a gente poderia falar, e jamais falou, ou jamais poderia falar. Diferente do rosto que passa no ônibus, parecendo querer exprimir algo, que a gente vê só uma vez e acaba desaparecendo para sempre. Ela ficava pensando todas as manhãs, na fila do relógio de ponto no subsolo, distinguindo sem querer, com o olhar, os empregados permanentes dos temporários, como fora parar ali – respondera a um anúncio, é evidente, mas isto não explicava o destino – e o que viria depois em vez de um emprego de cenógrafa. Sua vida era uma série de ziguezagues. [...]. Trecho extraído da obra Carol (L&Pm, 2015), da escritora estadunidense Patricia Highsmith (1921-1995).

A ÚLTIMA CARTA DE OLGA BENÁRIOAmanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças – ah, não, elas foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entenderemos muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a ideia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte. Carlos, querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes? Corformar-me-ia, mesmo que não pudesse ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver-me dado a ambos. Mas o que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha? Querida Anita, meu querido marido, meu Garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça, pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que esforço-me para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nos últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã. Beijo-os pela última vez. Texto da Última carta escrita pela militante política alemã Olga Benário (1908-1942), que, durante a sua militância expressou que: “Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Em momentos difíceis é preciso pensar em alguma coisa bonita. Iluminar, iluminar, essa é minha missão e a do sol”. Veja mais aqui.

A CACIMBA, DE ZÉ DA LUZ
Tá vendo aquela cacimba / Lá na bêra do riacho, / Im riba da ribancêra, / Qui fica, assim, pru dibaxo / De um pé de tamarinêra? / Pois, um magote de môça / Quage toda menhanzinha, / Foima, assim, aquela tuia, / Na bêra da cacimbinha / Tomando banho de cuia! / Eu não sei pru quê razão, / As águas dessa nacente, / As águas qui alí se vê, / Tem um gosto deferente / Das cacimba de bêbê… / As águas da cacimbinha / Tem um gôsto mais mió. / Nem sargada, nem insôça… / Tem um gostim do suó / Dos suvaco déssas môça… / Quando eu vejo essa cacimba, / Qui inspio a minha cara / E a cara torno a inspiá, / Naquelas águas quilara, / Pego logo a desejá… / …Desejo, pra que negá? / Desejo ser um caçote, / Cum dois óio desse tamanho! / Pra vê, aquele magóte / De môça tumando banho!
ZÉ DA LUZ - Poema do poeta Zé da Luz (Severino de Andrade Silva, 1904 —1965). Veja mais aqui & aqui.

A ARTE DE AMANDA BARROS
A arte da bailarina Amanda Barros, formada na Escola do Teatro Bolshoi Brasil e que está na Lamondance, em North Vancouver, no Canadá. Veja mais aqui.

A ARTE PERNAMBUCANA
A música do artista e músico Antônio Nóbrega aqui, aqui & aqui.
A poesia da educadora, jornalista, poeta e ativista feminina Edwiges de Sá Pereira (1884-1958) aqui.
A literatura de Djanira Silva aqui.
Capibaribe, um rio de gente: histórias, causos e lendas do Capibaribe, de Inácio França aqui.
O teatro de Fernando Peltier aqui.
Agroecologia: Hortas do Bem Comum & Felicidade Comunitária aqui.
O cordel do poeta Pica Pau aqui & aqui.
O município de Pesqueira aqui & aqui
&
Pintando na Praça aqui, aqui, aqui & aqui.