sexta-feira, fevereiro 14, 2020

LUCILLE CLIFTON, LOU SALOMÉ, CATARINA EUFÉMIA, MILLIE BROWN & SANDRO AGRELLI


O BRASIL DE HOJE EM DIA TÃO SEM POESIA – UMA DA VEZ – As manchetes do noticiário de hoje em dia são tão iguais em tragédias espetacularizadas e sobrecarregadas da maior estultice, que nem dá mesmo para levar a sério ou coisa que valha! Ora, eu mesmo já desliguei dos veículos de comunicação de massa brasileiros faz tempo (um ou outro gato pingado que vale a pena conferir e isso nos canais alternativos, na tevê, rádio, jornais, tudo a mesma seboseira). No mais, coisa de baixíssimo nível. Afora o reino da estupidez instaurada pela trupe do energúmeno Coisonário com suas sandices & minions evangélicos & milicianos & outros da laia (e que já são manchetes majoritárias para o nosso mal-estar, apesar de tão risíveis, para não dizer tragicômicas), só aparece o de sempre: calamidades, violência, lengalenga, corrupção e o que der para tapar buraco de reportagem lida, escrita ou televisada. E tudo com letras garrafais bem coloridas. Mesmo assim, tudo acobertando as causas da coisa feita, só dando conta das consequências. Dá até a impressão que a vida perdeu completamente a poesia de viver, apesar dos poetas. Afinal, para quê serve mesmo a poesia, hem? Já dizia Cocteau: Tenho certeza de que a poesia é indispensável, mas não me pergunte por quê. Está dito. FALAR NISSO, DUAS: Outra coisa. O poeta Dante Alighieri (1265-1321) não era mesmo lá um cara de sorte. Narigudo feioso, achou, primeiro, de se apaixonar pela belíssima Beatrice Portinari (1266-1290), a Beatriz amada (a Bice, musa íntima só dele). Na verdade, uma paixão não correspondida que o tornou famoso por ter sido o mote glosado de sua imortal obra Divina Comédia. A sua Beatriz findou casando com o filho de um rico banqueiro e o deixou a ver navios, atravessando infernos e purgatórios. Ela morreu logo após contrair núpcias com o seu amado, fazendo com o que bardo vivesse, daí por diante, numa viuvez espiritual. Até que um dia, em sua profunda solidão, ele achou de desposar uma nobre, a Gemma Donatti (1265-1342), com quem teve quatro filhos. Ao que parece, ele aguentou calado o que seria uma reedição piorada do que foi Xantipa para Sócrates durante o matrimônio, pois não há, da parte dele, nada escrito a respeito de sua vida conjugal nem nada. Porém, críticas impiedosas contra ela foram desferidas por não menos que Boccaccio, tratando-a por megera desalmada. Danado, hem? Outros historiadores e biógrafos confirmam. Se assim é, coitado do Dante. Vamos pra outra! TRÊS, ESSA É PRA FECHAR – Pois é, fechando mesmo esse papo de tempo sem poesia, nada melhor que trazer uma sacada do Drummond em Dois no Corcovado, do seu 70 historinhas: Era pra valer. Amanhã ou depois serão recolhidos – sabemos nós, não eles. Tempo não se mede pelo relógio, mas pelo vácuo de comunicação, pela expectativa sem segurança. E nessa situação, insignificante para nós, ilimitada para eles, dois homens descobrem-se um ao outro. Taí. E vamos aprumar a conversa. Ponto final. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] Assim, para quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento, cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo por si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser: é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para longe. Pois, nos seio mesmo da paixão, nunca se deve tratar de "conhecer perfeitamente o outro": por mais que progridam neste conhecimento, a paixão restabelece constantemente entre os dois este contato fecundo que não pode se comparar a nenhuma relação de simpatia e os coloca de novo em sua relação original: a violência do espanto que cada um deles produz sobre o outro e que põe limites a toda tentativa de apreender objetivamente este parceiro. É terrível de dizer, mas, no fundo, o amante não está querendo saber "quem é" em realidade seu parceiro. Estouvado em seu egoísmo, ele se contenta de saber que o outro lhe faz um bem incompreensível... os amantes permanecem um para o outro, em última análise, um mistério. Só aquele que permanece inteiramente ele próprio pode, com o tempo, permanecer objeto do amor, porque só ele é capaz de simbolizar para o outro a vida, ser sentido como tal. Assim, nada há de mais inepto em amor do que se adaptar um ao outro, de se polir um contra o outro, e todo esse sistema interminável de concessões mútuas... e, quanto mais os seres chegam ao extremo do refinamento, tanto mais é funesto de se enxertar um sobre o outro, em nome do amor, de se transformar um em parasita do outro, quando cada um deles deve se enraizar robustamente em um solo particular, a fim de se tornar todo um mundo para o outro. [...]. Pensamento da escritora russa Lou Andreas-Salomé (1861-1937). Veja mais aqui e aqui.

“QUERO APENAS PÃO E TRABALHO. JÁ AGORA MATA-ME” – A ceifeira portuguesa, mãe de três filhos, Catarina Eufémia (Catarina Efigénia Sabino Eufémia - 1928-1954), em uma greve de assalariadas rurais, foi assassinada pelo tenente Carrajola da GNR em Baleizão, perto de Beja, no Alentejo, quando explicou que só queriam “pão e trabalho”. Catarina tinha ao colo o filho de oito meses quando foi baleada à queima-roupa. Quando as autoridades tentaram fazer o funeral às escondidas, os populares correram para o local protestando. Seguiu-se um espancamento violento, incluindo aos familiares da falecida, e o caixão foi levado à pressa para Quintos, terra do marido de Catarina. Nove camponeses foram acusados de desrespeito à autoridade e condenados a dois anos de prisão com pena suspensa. O tenente Carrajola foi transferido para Aljustrel e nunca foi a julgamento. Em uma decisão judicial, encontra-se que o militar assassino acabou por ter dado um pequeno toque com a mão na cara da camponesa e a arma disparou sozinha. Contudo, de acordo com a autópsia, Catarina foi atingida por “três balas, à queima-roupa, pelas costas, atuando da esquerda para a direita, de baixo para cima e ligeiramente de trás para a frente, com o cano da arma encostada ao corpo da vítima. O agressor deveria estar atrás e à esquerda em relação à vítima”. Depois, o tenente Carrajola foi transferido para Aljustrel, mas nunca veio a ser sequer julgado em tribunal, falecendo impunemente em 1964. Ela, por sua vez, transformou-se em símbolo da luta contra a exploração, a repressão e ao fascismo, a que estavam sujeitos os trabalhadores portugueses durante a ditadura fascista de António Salazar. Para ela, entre tantos poemas, este Laivos de Aquentejo, da professora Luísa Vilão Palma: O panal era branco em rendas de suor, como a cal que a Ti Liberta fervia no azado, ao fundo da rua do monte. O ervaçal no empedrado. O monte era o rumo dos dias nas tardes calmosas. Deixava a tarimba ao luzir do buraco, enquanto o cão ansiava a bôla de farelo, impaciente. A cauda do animal agitava-se na cadência dos passos da mulher. O patrão podia aparecer a qualquer hora. O cereal amassado a crescer. O forno em labaredas de coração apaixonado na metáfora do escritor. — Bom dia, Ti Liberta, já soube da desgraça? -Oh! home, o que dizes tu? O olhar da mulher fraquejou, começou a toldar-se, fundindo-se na sombra da azinheira solitária que o artista empresta à tela camponesa as tuas mãos em gesto ritmado no movimento da foice as paveias soam a queixume de quem implora o pão... hás de fazer do teu lenço vermelho a única bandeira viva sobre a terra... Sim, a desgraça, ti Liberta. Ela caiu. Ali mesmo. Entre a terra e o céu. Lá. Pelo Maio calmoso das aceifas escureceu o sol tardiamente, beijando-lhe a face pela última vez. Lá. Onde a imensidão. Vagueiam gestos ousados em lágrimas de sangue da mulher. O cereal amassado a crescer. O forno em labaredas de ódio no retrato da tirania. Ti Liberta, abra os olhos. Já faz tempo que a ceifeira, na voz de todas as ceifeiras, deixou rolar a foice entre o trigal, desesperada. Foi por mor do acrescento de uns tostões à jorna. Ficou tamanho eco no infinito da gente que lutou até à exaustão. A tua foice, Catarina. Alentejo, vestimos os teus panos. Tu matas-nos a sede. Veja também o poema da poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner Anderson (1919-2004) aqui.

A POESIA DE LUCILLE CLIFTON
DEIXE QUE HAJA UM NOVO FLORESCER: deixe que haja um novo florescer / nos campos deixe os campos / se tornarem maduros para os homens / deixe os homens se manter carinhosos / através do tempo deixe o tempo / ser arrancado à força da guerra / deixe a guerra ser vencida / deixe o amor acontecer / até o fim.
A LIÇÃO DAS FOLHAS CADENTES: as folhas acreditam que / tal desprendimento é amor / tal amor é a fé / tal fé é a graça / tal graça é deus. / eu concordo com as folhas.
POEMA EM LOUVOR À MENSTRUAÇÃO: se há um rio / mais formoso que este / brilhante como o sangue / borda vermelha da lua se / há um rio / mais fiel que este / voltando a cada mês / ao mesmo delta se há / um rio / mais bravo que este / vindo e vindo numa onda / de paixão, de dor se há / um rio / mais antigo que este / filho de eva / mãe de caim e de abel se há / no universo um rio semelhante se / há água em algum lado / mais poderosa que este selvagem / água / reza para ele também flua / em animais / formoso e fieis e antigo / e femininos e bravos.
AS MULHERES PERDIDAS: eu preciso saber os nomes delas / aquelas mulheres com quem eu podia ter andado / confiante do jeito que os homens andam em grupos / gingando os braços, e aqueles / outros incomodando as mulheres às quais teria me juntado / depois de uma longa rodada de conversa fiada / do que teríamos chamado umas às outras, gargalhando, / fazendo piadas tomando nossa cerveja? onde estão minhas galeras, / meus times, minhas irmãs deslocadas? / todas as mulheres que poderiam ter me conhecido, / em que lugar do mundo estão os nomes delas?
HOMENAGEM AOS MEUS QUADRIS: estes quadris são grandes quadris / eles precisam de espaço para / mover-se em volta. / eles não cabem em pequenos / lugares insignificantes. estes quadris / são quadris livres. / eles não gostam de ser retidos. / estes quadris nunca foram escravizados, / eles vão para onde querem ir / fazem o que eles querem. / estes quadris são quadris poderosos. / estes quadris são quadris mágicos. / eu os conheço / por colocar um feitiço no homem e / fazê-lo rodar como um pião!
LUCILLE CLIFTON - Poemas da escritora estadunidense Lucille Clifton (1936-2010), herdeira da tradição afro-americana com poemas feministas e com ênfae no corpo feminino.
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TRÊS POEMAS DE MARGENS DO MEU RIO, SANDRO AGRELLI
SOU MEU ESPELHO: Toda vez que me olho, sempre sou o mesmo. / Qual sol que se põe todo dia, qual a lua que brilha em sua luz. / Como as chuvas que caem sobre a terra, sou como Deus que não muda... / Quando me olho / sou as rochas agudas que apontam ao céu / sou sempre eterno sem passado / sou o que é meu / sou a única imagem de mim / sou mesmo o que sou / sem começo e sem fim.
O COITO DA VIAGEM: Como é bonito o infinito / quem é Poeta é quem vê / mais lindo o seu grito / ecoando de prazer. / Como é bonito seus olhos na luz da noite / no desejo dos seus lábios vaginais / quando se perde nas carícias do meu açoite / vibrando na emoção de quem quer mais... / Bonita é tua língua francesa / no rastro do meu Fênix / que me arde o sangue /no gozo do nosso fogo...
PÉ QUEBRADO – Uma vez dois Caminhos marcaram um encontro / e se encontraram. / Se olharam e se gostaram / e com tanta fome e sede pelo encontro / Um comeu Um / e o Outro comeu o Outro.
SANDRO AGRELLI - Poemas extraídos do livro Margens do meu rio: Poemas e poesias do filósofo Agrelli (Bagaço, 2019), do poeta, compositor e cantor Sandro Agrelli. Veja mais aqui.

A ARTE DE MILLIE BROWN
Queria usar meu corpo para criar arte. Queria criar algo que viesse de dentro, que fosse bonito, cru e ao mesmo tempo incontrolável.
MILLIE BROWN – A arte da pintora e artista performática britânica Millie Brown, que ganhou projeção mundial com a performance Suspended by Optimism, realizada em 2014, no Art Basel Miami Beach, quando ela ficou 4 horas pendurada por balões de gás hélio, refletindo sobre viagem astral e o espaço físico. Já na performance Wilting Point, realizada numa galeria no Refinery Hotel of New York, ela ficou deitada em meio a uma cama de flores por 7 dias, sem comida, apenas com água, enquanto as flores murchavam ao seu redor. Veja mais aqui.

A ARTE PERNAMBUCANA
A poesia do poeta, folclorista, pintor, ator, teatrólogo, cineasta e militante Solano Trindade (1908—1974) aqui.
Evangelho na taba de Osman Lins (1924-1978) aqui.
A língua dos Três Pppês de Jomar Muniz de Brito aqui.
A lenda da Emparedada aqui.
A arte de Ayssa Bastos aqui.
A música de Fulô Rasteira aqui.
O município de Sirinhaém aqui, aqui & aqui.
&
ABICINE – Oficina de Cineclube, inscrições abertas na Biblioteca Fenelon Barreto aqui & aqui.