LAURA DE PETRARCA - Nem sempre sincero, escrevo com sinceridade:
esta mulher eu amei mais que o desespero. Quando a vi naquela manhã de abril, sexta-feira
santa na catedral de Avinhão, cabelos aos ventos e a aura do amor, entre a
epidemia da peste e a minha temporada solitária, era o oásis, refrigério do meu
viver. Nela nenhum dia nem nenhuma noite era igual. O desejo de toda a gente e
de todo o lugar, era a mulher dos meus sonhos real e viva entre portas abertas,
trilhas desbravadas, todas as formas e cores do amor: o verde da Natureza, a
chuva de flores, o murmúrio das águas, a sua serenidade de céu maior que a
expressão dos raios solares, mais fascinante que as profundezas oceânicas, mais
tentadora que os mistérios ocultos de tudo, maior que a grandeza infinita das
galáxias. Era ela, a madonna Laura com
seus jovens olhos resplandecentes, casta, modesta, gentil, láurea. Olhava nos
meus olhos e eu todo deserto incendiado, insubmisso a me revirar pela ânsia de tomar
sua mão, tocar-lhe as faces, ouvir a doçura de sua voz, afetos que me eram e são
de uma alegria indescritível e toda derramada nos meus versos exclamatórios,
minha prosa incontida, meu testamento antecipado, o meu desejo de glória:
possuí-la e tê-la entre os meus braços e cantá-la por trezentos e dezessete
sonetos inventados, vinte e nove canções com toda minha inquietude, dissabores,
crises espirituais - o amor a queimar perene no Rerum vulgarium fragmenta, Il Canzoniere, e celebrada nas Rime
sparse, tudo fiz para ela. Nem mesmo a coroação no Capitólio podia aplacar esse
amor, a minha desgraça e as ruinas do mundo. Eu me retirei da vida e na
clausura de Vaucluse, galguei até o Mont Ventoux e a paisagem alpina era ela
amada e rodeada de primavera, a passear pelas ruas da cidade encarcerada, como
se distribuísse felicidade, restituísse a longínqua pátria e apaziguasse a
distância do tempo entre os que chegaram e os que partiram para nunca mais. Era
ela e sempre o alento para meu coração asceta, vencedor e vencido, prisioneiro
do passado, pioneiro do futuro, até me esquecia da corrosão do tempo, da
contingência da morte, tudo ao mesmo tempo, nas lamentações de todas as
vicissitudes do amor. Nada humano me era, então, mais estranho. E tudo isso
perto dela podia e nem quer dizer nada, nem representar nada e eu revia pela
milésima vez a cor do seu sorriso sobrevoado por toda maravilha vital,
estonteante na minha fé inabalável e a maldição da descrença no reino dos
vivos. Era a sua luz difusa que suavizava as tentações do meu coração
atormentado, o que me fazia valer de todo entusiasmo amoroso entre o gozo de
tê-la e o sofrimento de perdê-la, oh, obra-prima do Universo, me refugiava nessa
Mulher sem véus, linda e assimétrica escultura viva, Vênus da carne pecaminosa
do meu prazer, a alma da minha comunhão, que despertava desejos simultâneos e
poderosos, maiores que a mim mesmo, irrefreáveis, indomáveis. E mais eu deveria
louvar perseguindo suas pegadas no pântano do meu peito e ela era aquilo que será
e sugeria coisas de outras coisas, sabe-se lá, o que possui e o que esconde por
trás daquela formosura, a transpor plagas e eu que a vi, jamais esqueci e
permanece na memória com a mesma vitalidade do primeiro dia, rara e bela
enquanto se penteia à janela, para I
Trionfi, tudo para ela, o Lamento do Mago e o meu apelo de paz diante de um
mundo de aventureiros, a minha dor desse mundo no ser reluzente da amada, que
traduzia os ruídos dissonantes de que a verdade não se encontra por aí, mas na
profundeza da alma. Não tenho a capacidade de esquecer, vivi e vivo desde então
o drama do grande amor: vivo nela e para ela na minha solidão com todos os seus
fantasmas e sombras, titubeante diante do simulacro da realidade, enamorado
eterno da mulher amada que habita viva todo meu coração. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] A paixão é essa
forma de amor que recusa o imediato, foge do próximo, quer a distância e
inventa-a de acordo com as necessidades, para melhor se ressentir e exaltar.
Esta definição abrange a maior parte dos verdadeiros romances, embora eu não
aceite de modo nenhum as melhores obras que foi estabelecido incluir neste
género literário, pois, independentemente da sua qualidade enquanto arte, da
sua notoriedade ou do seu alcance humano, incluo apenas obras onde transparece,
dominador, o arquétipo medieval de Tristão. [...]. Trecho
extraído da obra Os mitos do amor (Horizonte, 2001), do
escritor e ambientalista suíço Denis de Rougemont (1906-1985). Veja mais
aqui.
DOIS PERDIDOS NUMA
NOITE SUJA – [...] II ATO (Pano
abre, vão entrando Tonho e Paco. O primeiro traz um par de sapatos na mão nos bolsos,
as bugigangas roubadas. Está bastante nervoso. Paco traz um porrete na mão e
está alegre.) PACO— Belo serviço. TONHO— Você é um miserável! PACO— Não começa
a encher o saco. TONHO — Não precisava bater no cara. PACO — Bati e pronto.
TONHO — Agora a polícia vai pegar no teu pé. PACO — Os tiras não sabem quem
foi. TONHO — O sujeito que levou a porrada sabe. PACO — Ele está estarrado. TONHO
— Vai sarar e te entrega. PACO — Que nada! Aquele se acabou de vez. TONHO —
Deus queira que não. PACO — Poxa, meu! Naquele nem Deus dá jeito. Mandei o desgraçado
direto pras picas. TONHO — E a mulher? Esqueceu da mulher? PACO — Que tem ela?
TONHO — Ela também viu seu focinho. PAGO — E daí? Eu também vi o dela. TONHO —
Ela te entrega pros tiras. PACO — Eu quero que ela se dane. Ela não sabe onde
eu moro. TONHO — Ela descreve o seu tipo e a polícia te acha. PACO — Poxa, tira
não é bidu. Não acham ninguém. TONHO — Não, é? Quero ver quando eles te pegarem.
PACO — Não me aporrinha, seu! A mulher tinha cara de fuinha, deve ser uma
burrona. De corpo ainda quebrava um galho. Mas de cara era um bofe. Não vai
descrever ninguém. TONHO — O único sabido é você. PACO — Eu sou mesmo. TONHO —
Espera pra ver. Vai em cana direto. PACO — Se eu for em cana, quem se estrepa é
você. TONHO — Quem dernibou o cara é que se dana. PACO — E foi legal pra
chuchu. Poff... E o cara caiu que nem um balão apagado. TONHO — Podia ser muito
fácil. Não precisava bancar o valente. PACO — Bancar o valente, o cacete! Dei
pra valer. Sou mau paca. Pra mim, não tem bom. Você viu no parque. O cara se
fez de besta, tomou o dele. TONHO — O cara não fez nada. Tomamos o que
queríamos, era só vir embora. Não precisava bater. PACO — Bati. E daí? Vai se
doer por ele? TONHO — Eu, não. Mas a polícia vai. PACO — Você me torra o saco
com essa história de polícia. TONHO — Natural. PACO — Natural o quê? Você está
é cagado de medo. TONHO — Claro. Eu não quero ser preso. PACO — Cadeia foi
feita pra homem. TONHO — Não pra mim. PACO — Você é rôelhor que os outros?
TONHO — Eu estudei. PACO — Bela merda! Pra levar a vida que você leva, tanto
faz estar preso ou solto. (Pausa.)E tem um negócio: Se um cara fresco como você
vai em cana, está perdido e mal pago. A turma se serve às tuas custas. Logo
vira a Boneca de todos. Mas disso acho que você vai até gostar, porque é bicha
mesmo. TONHO — Tomara que a polícia te pegue logo. PAGO — Já te falei que se me
pegarem o azar é seu. TONHO — O meu negócio é leve. Uns três meses. Agora você
fica apodrecendo lá. PACO — Não sei por que eu vou ficar mais tempo que você.
TONHO — Eu sei. Você usou violência. É perigoso. Fica guardado. PACO — Você é o
chefe. TONHO — Quem tem chefe é índio. PACO — No assalto do parque você era o
chefe. TONHO — Não era chefe de coisa nenhuma. PACO — Claro que era, poxa! Você
ficou aí berrando um cacetão de tempo: (Imita Tonho.) Eu é que mando! Eu é que
mando! Na minha terra quem manda é o chefe. T0NHO — Canalha! PACO — É a mãe.
TONHO — Nojento. PACO — Nojento é você, que quer tirar o ló da seringa.
(Pausa.) TONHO — Deus queira que você não tenha machucado muito o cara. PACO —
Não fica secando. Aquele morreu e fim. TONHO — Você quer que o cara morra? PACO
— Claro, poxa! A porrada que dei foi pra matar. TONHO — Você é um animal. PACO
— Vá à merda! [...]. Trecho do segundo ato da peça teatral Dois
perdidos numa noite suja (Global, 2003), do dramaturgo, ator,
escritor e jornalista brasileiro Plínio
Marcos (1935-1999), escrita em 1966 e adaptada para o cinema por duas
vezes, a primeira em 1970, dirigida por Braz Chediak, e, a segunda, dirigida
por José Joffily, em 2002. O texto é inspirado no conto O terror de Roma,
do escritor italiano Alberto Moravia. Veja mais detalhes aqui, aqui, aqui,
aqui, aqui & aqui.
A ARTE DE ANNIE LEIBOVITZ
O que você vê nas minhas fotos é que eu não tinha medo de
me apaixonar por essas pessoas. Deve haver confiança no que
se acredita. Se você se divide e tenta agradar a todos, é impossível. Não acredito na ideia de que você captura as
pessoas quando as fotografa. O que faço é tirar um pedacinho delas. Se não
tivesse a minha câmera para me lembrar constantemente que estou aqui para fazer
isto, teria descarrilado, penso eu. Teria esquecido a minha razão de existir.
ANNIE LEIBOVITZ - A arte da
fotógrafa estadunidense Annie Leibovitz,
companheira da escritora Susan Sontag que se notabilizou por realizar
retratos cuja marca é a colaboração íntima entre a retratista e retratado. Veja
mais aqui.
A OBRA DE RUMI
Nossa maior grandeza está na suavidade e ternura de nosso coração...
A do
poeta, jurista e teólogo sufi persa Mawlānā Jalāl-ad-Dīn Muhammad Rūmī
(1207-1273) aqui e aqui.
&
LAURA DE PETRARCA
Bendito seja o dia, o mês, o
ano,
A sazão, o lugar, a hora, o
momento,
E o país de meu doce
encantamento
Aos seus olhos de lume
soberano.
E bendito o primeiro doce
afano
Que tive ao ter de Amor
conhecimento
E o arco e a seta a que devo o
ferimento,
Aberta a chaga em fraco peito
humano.
Bendito seja o mísero lamento
Que pela terra em vão hei
dispersado
E o desejo e o suspiro e o
sofrimento.
Bendito seja o canto sublimado
Que a celebra e também meu
pensamento
Que na terra não
tem outro cuidado.
LAURA NOVES – A bela e jovem condessa Laura Noves
(1310-1348), foi o grande amor da vida do poeta italiano Francesco Petrarca
(1304-1374). Para ela, ele inventou o soneto e escreveu mais de três centenas
deles e mais de duas dúzias de canções, reunidos nas suas obras Canzoniere e Trionfi. Veja mais aqui, aqui &
aqui.
AMIGOS DA BIBLIOTECA
Nesta
quarta teve realização mais uma reunião de andamento do grupo associativo Amigos da Biblioteca. Desta feita, debateram
o professor e poeta Janilson Sales
com o diretor da Biblioteca Fenelon Barreto, João Paulo Araújo, acerca da criação da comissão provisória que
comandará o processo instituidor para constituição estatutária. Veja mais aqui,
aqui e aqui.