OS AMORES DE BRAHMS - Ah, o amor, esse divino sentimento, tão
contraditório quanto, não há como entender. Queria mesmo
escrever com a mesma intensidade que amo, isso para mim é o amor. Mesmo para
quem nasceu por conta de um pudim bem assado no forno pelos feitiços mágicos
da culinária de minha mãe e o talento fracionário de meu pai, o amor é
inevitável. Já que possuía o diapasão absoluto e davam-me por criança prodígio,
foi o amor que me fez um vagabundo prendado a crescer entre damas profissionais
e a exaltação das paixões, um jovem suscetível. Do amor não há quem passe
impune, incólume, absolvido. Depois que se sabe, só quando passa. Como a nobre
e bela Clara, paixão proibida, a
minha obsessão e o Concerto para piano em Ré menor - tornei-me um reservado
introspectivo, ela havia mexido mesmo comigo, as Variações e a Fuga de Haendel.
Ah, Clara eterna, em mim até o meu
último instante. A confiança perdida é difícil de recuperar. Ela não cresce
como as unhas. É preciso estar pronto, sempre pronto para o amor, porque ele
apronta das suas. Mas ninguém está livre do amor, como nas serenatas os meus
dedos carinhosos sobre os cabelos negros e macios de Agathe e o Sexteto de
Cordas em Sol maior, Ave Maria, canções, eu a amava e precisava dela, mas não
podia carregar as correntes. Traduzia a emoção em canto, embevecido com o coro
feminino de Hamburgo e as lindas cantoras vienenses, a voz encantadora de
Ottile, o fascínio filantropo de Elizabeth e as canções folclóricas e o amor no
rosto encantador de Bertha: ela escondia nossas cartas que eram como se fossem
beijos dados e roubados, e eu lhe dei a minha canção de amor: o Wiegenlied. Nem Hermine,
nem nenhuma. Nunca me despedi e nenhuma delas se despediu de mim: a vida é como
pegar o trem errado no regresso e eu nem havia começado a me expressar entre um
e outro flerte ocasional com mulheres bonitas. E se houver alguém a quem
eu não tenha insultado, peço perdão: sou um pied pieper na dança alegre dos corações femininos, um urso aos
resfôlegos e grunhidos, ultrajando senhoras e amigos, tal Hércules nos
trabalhos da alma e o suor da fronte criadora: tudo que é humano é sujeito à vaidade e se não há empenho e arte, será só
uma coisa qualquer sacudida ao vento. Criar não é nada demais, complicado é
jogar o supérfluo debaixo da mesa. Da mulher a música vaga no ar e é preciso
ter cuidado para não pisá-las nem desperdiçá-las, maior cuidado e dedicação. É preciso
buscar os sentimentos profundos, os pensamentos mais nobres, no alto da montanha, no
fundo do vale, eu as saúdo mil vezes e sempre. É delas a minha alegria e
tristeza, meu dia e minha noite, minha vida e a minha morte. Sou nocauteado por
elas, um menino que se diverte com a música alegre da polifonia selvagem de
seus corpos mágicos, seus tantos momentos de real beleza, suas entregas
verdadeiras. Elas me ensinaram a viver enquanto crio, sou delas porque nelas
aprendi a amar. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] Babette
chegara exaurida e com olhar esgazeado, como um animal sendo caçado, mas em seu
novo ambiente de cordialidade logo adquiriu a aparência de uma criada confiável
e respeitável. Antes, parecera uma mendiga; agora, mostrava-se uma
conquistadora. As feições serenas e o olhar firme e profundo tinham qualidades
magnéticas; sob seus olhos, as coisas se moviam, sem fazer ruído, para o lugar
apropriado [...] Mostraram a Babette
como preparar o bacalhau seco e uma sopa de cerveja com pão; durante a
demonstração, o rosto da francesa ficou absolutamente impassível. Mas em uma
semana Babette preparava bacalhau seco e sopa de cerveja com pão tão bem quanto
qualquer um nascido e criado em Berlevaa [...] E acontecia de Martine ou Philippa falarem com Babette e não obterem
resposta e ficarem se perguntando se ao menos ela ouvira o que haviam dito.
Encontravam-na na cozinha, os cotovelos fincados na mesa e as têmporas nas
mãos, perdida no estudo de um pesado livro negro que secretamente suspeitavam
ser um livro de orações papista. [...] Em
momentos como esses percebiam que Babette era profunda e que no abismo de seu
ser havia paixões, havia lembranças e desejos sobre os quais nada sabiam
[...] Pobre?, disse Babette. Sorriu para
si mesma ao ouvir isso. Não, nunca vou ser pobre. Já lhes disse que sou uma
grande artista. Uma grande artista, madames, nunca é pobre. Temos algo,
madames, a respeito do qual as outras pessoas não fazem a menor idéia [...].
Trechos do conto A festa de Babette,
obra-prima da escritora dinamarquesa Karen
Blixen (1885-1962), levado para o cinema em 1987, com direção de Gabriel
Axel, contando a fuga de uma refugiada da Comuna de Paris para um vilarejo, ela
se emprega na casa de solteironas que são filhas de um rigoroso pastor. As irmãs
não podem contratá-la e ela se oferece a trabalhar de graça. Após viver por
catorze anos com elas, fica sabendo da fortuna que foi contemplada e, ao invés
de voltar à França, pede permissão para preparar um jantar em comemoração ao
centésimo aniversário do pastor. Da autora, um pensamento expressivo: O amor, para os muito jovens, é algo cruel.
Bebemos nessa idade por sede, ou para embriagarmo-nos; é só mais tarde na vida
que nos ocupamos da individualidade de nosso vinho. Veja mais aqui e aqui.
O AMOR DE JOÃO DE
CALAIS & CONSTÂNCIA - [...] João
de Calais, filho de um rico mercador de Calais, é arrastado por uma tempestade
para a ilha de Orimânia, onde, na cidade de Palmânia, resgata um cadáver, que
os cães dilaceram por ser devedor insolvável. Paga o resgate de duas moças, que
um pirata conduzia, e casa-se com uma delas, Constância. Em Calais, o pai
reprovou o matrimonio, e João de Calais fez-se ao mar, deixando a esposa e o
filhinho, e levando um retrato de ambos na sua nau. Chegando à Sicília, em
Palermo, o rei reconheceu no retrato a princesa, sua filha, que tinha sido
raptada por piratas. João regressa a Calais, com o príncipe Florimundo, para ir
buscar a mulher. De volta a Palermo, Florimundo atira ao mar, com ciúmes. As
correntes marinhas levam-no para uma ilha, onde vive dois anos, e é conduzido
magicamente por um homem misterioso a Palermo, justamente quando Constança é
obrigada a casar-se com o primo Florimundo. João faz-se reconhecer, e o
príncipe é justiçado. Na festa das bodas reaparece o homem misterioso, exigindo
a metade do filho de João, e este, que prometera dar a metade do que mais
amasse, cede. O homem recusa e diz ser a alma do morto, que os cães rasgaram em
Palmânia. [...]. Resumo da novela francesa Les jornées amusantes (Laemmert, 1840), da escritora e dramaturga
Madame de Gomez – Madeleine-Angélique Poisson (1684-1770),
extraída do Dicionário do folclore brasileiro (Global, 2001), do historiador,
antropólogo, advogado e jornalista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986).
Veja mais aqui & aqui.
A ARTE DE RENÉE GUMIEL
Danço na minha idade, porque a dança e o
teatro são a essência da minha vida. Consegui vencer meus dissabores — vida e
morte, morte e vida: meu desejo do corpo, da alma e do cérebro me leva à
mudança, me dá humildade e descubro o princípio da sabedoria. É o desejo que
determina o movimento e as imagens.
RENÉE
GUMIEL – A arte da bailarina, coreógrafa
e atriz francesa Renée Gumiel (1913-2006), considerada a precursora da dança
moderna no Brasil e que trabalhou os últimos anos da sua vida no Teatro Oficina,
participando do processo de criação, dançando e interagindo em diferentes
situações nas quatro montagens da peça Os sertões. Veja mais aqui e aqui.
A OBRA DE BRAHMS
Quando a gente vê uma
mulher bonita durante muito tempo, uma mulher que é, ao mesmo passo, graciosa,
terna e pura, não pode deixar de sentir-se inspirado diante do espetáculo. A paixão
não é natural na humanidade. É sempre uma exceção, uma excrescência. Sê calmo
na alegria, sê calmo na aflição.