MADAME HORTENSE - Ah, Hortense, era eu muito jovem quando meu
pai me presenteou uma caixa de tintas, comprada de um mascate. Ao ver-me
dedicado à arte, tentou dissuadir-me a pensar no futuro: com gênio você morre;
com dinheiro se vive. Ele manteve-se inflexível e não admitia amizades ociosas nem sonhos. E admoestava como eu poderia aperfeiçoar o que a natureza já havia
feito tão divinamente, a me chamar de estúpido, muito estúpido. Para mim, a
natureza não se incomodava com o banco do meu pai. No balcão eu somava cifras,
carimbos e cédulas, e eu distribuindo moedas ao acaso, esbanjava. Eu tinha um
propósito e a ele me dediquei: ultrapassar a natureza na magia das cores. No
mais, não servia para um descuidado, desenfreado, irascível, a burocracia do
mundo. Eu derramava baldes de cores sobre o vazio, a vida era um mundo de sonho
gigantesco: um sonho além do meu alcance. Lamentava comigo que as grandes
visões eram para aqueles que viam, eu nunca tive esses olhos. Já tinha a cor,
faltava-me a forma. E eu copiava os que eram melhores do que a natureza! Sabia
que tudo era um cilindro ou um cubo isolado, a solidez da cor. A compoteira e o
lampejo da eternidade, as casas, os rios, montanhas, árvores, relvas, gente!
Enfim, tudo que vivemos. No meu isolamento, o meu desespero e pesadelo cruel.
Fui muito injuriado, poucos me toleravam. Surgiu, então, você, a linda moça de
Saligney que um dia conheci na Académie Suisse. Era tempo de eclosão da guerra
franco-prussiana. Fomos para o sul, para L’Estaque, para nos esconder de meu
pai. Ah, linda encadernadora de Paris que posava para vários artistas. Vivemos
da mesada mínima que meu pai mandava e a minha família não existia: meu pai me
queria advogado e ameaçava cortar a mesada acaso soubesse de nós. Essa nossa
farsa quase duas décadas. Só o meu papagaio que me reverenciava! Este sim, o
meu crítico de arte. Aos demais, um pote de merda para os professores de
artifícios, os artistas da moda só se enfeitavam como uma cambada de advogados,
não valiam um tostão. Eu violava todos os princípios e proporções femininas das
banhistas nuas e todos se escandalizavam. Minha visão imperfeita era o universo
de Aix-em-Provence onde nasci e eu ocultava o que jamais conseguia alcançar. Tive
que abandonar minhas obras nos campos, acaso alguém quisesse. Uma porção de
idiotas que as tomavam e as escondiam nos sótãos, comida para ratos. No porão
da minha casa, elas estavam estragadas junto com uma gaiola quebrada, um urinol
rachado e uma velha seringa. Aos diabos os que me glorificaram e injuriavam,
não era a fama. Estou farto, não me importa a opinião dos outros. Todos me
perseguem com suas garras. Asnos e velhotas estúpidas, cuspo todos, até meus
antigos mestres. Para todos, assoou o nariz e saio. Tenho apenas meus
instintos, malgrado as palavras amargas que ecoa de todos. Para mim me basta
que todos fiquem como uma maçã. Sou um desgraçado, penosamente insatisfeito,
incapaz de expressar a intensidade que palpita dentro de mim, não possuo o
poder de ver. Sempre fui o retrato vivo do fracasso. Até o meu melhor amigo me
tratava por defunto, tornou-se um idiota inchado de dinheiro. E você, a minha
modelo, todos os seus momentos em desenhos, aquarelas e uma infinidade de
pinturas e os nossos dias míticos, o meu ponto de vista rotativo - apesar de
você só gostar da Suíça e limonada. A sua cabeça era como uma porta a quem meus
amigos chamavam La Boule. A você, minha reverência. Não sei se triunfei, sei
que sou o que consegui ver. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] O amor
nos diz a mesma coisa que a morte... somos convidados pelo amor a sairmos de
nós mesmo, a ultrapassarmos nossas próprias forças, a darmos esta coisa em nós
que nós não conhecemos. Ele é o contrário do ciúme, corolário da posse, do ter.
essa possessão ciumenta é o contrário do amor, pois que tende a reduzir nosso
parceiro a nossas próprias dimensões; tende a destruir nele o que é
irredutivelmente diferente de nós. Enquanto o amor é abertura ao outro, aposta
sobre as suas possibilidades sem fim de metamorfose e de criação. [...] A poesia
e o amor são, com efeito, as formas mais imediatamente apreensíveis da
transcendência do ser.
[...] Se o porvir não pertence senão aos que são capazes de ter fé no amor, é
que a experiência do amor é experiência do absoluto: a que nos faz,
conjuntamente, tomar consciência de nossos limites e de nosso poder de os
transpor. [...]. Trechos de O amor, extraído da obra Palavra de homem (Difel, 1975), do
filósofo francês Roger Garaudy (1913-2012). Veja mais aqui e aqui.
O TEATRO DE EUGENE O’NEILL
A
solidão do homem é o seu medo da vida. A vida é uma cela solitária cujas paredes são espelhos. Não existe
presente ou futuro - apenas o passado, que acontece vezes sem conta - agora. Os
fatos não significam nada, não é? O que tu queres acreditar, essa é a única
verdade. O amor nunca tem razões e a falta de amor
também não. Tudo é milagre. A curiosidade matou o gato, mas a satisfação
trouxe-o de volta. Qualquer tolo sabe que trabalhar no duro nalguma coisa que
quer concretizar é a única forma de ser feliz. Somente
no mar somos realmente livres
EUGENE O’NEILL - O pensamento do premiadíssimo escritor e
dramaturgo estadunidense Eugene
O’Neill (1888-1053),
Prêmio Nobel de 1936, autor de peças teatrais como Além do horizonte
(1920), Desejo sob ulmeiros (1925), A fonte (1923), A juventude não é tudo
(1933), Dias sem fim (1933), Longa viagem noite adentro (1941), entre outras. Veja
mais aqui e aqui.
A ARTE DE DOONA BAE
A arte da fotógrafa e atriz sul-coreana Doona Bae. Veja mais aqui.
A OBRA DE PAUL CÉZANNE
Torno-me mais lúcido confrontado com a natureza: é na cor que o universo
se encontra conosco. Quando eu preciso julgar uma arte, eu levo minhas pinturas
e as deixo próximas a um objeto feito por Deus, como uma árvore ou uma flor. Se
os dois lados combatem, elas não são arte. A arte é uma harmonia paralela à
natureza. Não se trata de pintar a vida, trata-se de fazer viva a pintura. Na
arte sou como louco.
PAUL CÉZANNE - A arte do pintor francês Paul Cézanne (1839-1906), na expressão
de sua obra, Madame Cézanne, da sua esposa, a modelo francesa Marie-Hortense
Fiquet Cézanne (1850-1922). Veja mais aqui.