A DANÇA DE SETE VÉUS DOS OLHOS DO SOL - Ela
dançava desde menina como a filha mais velha do chapeleiro e seus três irmãos,
num bailado infantil herdado da mãe no jeito exótico, como se descendente de
uma antiga tribo asiática que emigrou para as terras escocesas ou irlandesas. Era
ela Margaretha olhos do dia nos dissabores familiares, a separação dos pais, a
morte da mãe, dores e fantasias. Era ela Gertruida olhos de Sol a chamar
atenção de transeuntes com seus cabelos negros de beldade mediterrânea e
adolescente, passeando na escola para professoras até ser expulsa libertina
para morar com seu tio. Era ela Zelle e os seus grandes olhos de exuberante
cigana diante de um anúncio a seguir para Java e um golpe deteriorando tudo, o
marido alcoolizado, os filhos envenenados em Medan. Era ela Lady McLeod, modelo
inconstante e imprevisível difamada em Paris pelas danças balinesas, abandonada
pelo cônjuge na perda da filha e a fama cortesã à beira do fracasso. Era ela
fatal Vênus oriental profanando coreografia sagrada, uma princesa javanesa esbelta,
degradada e cheia de perfumes e joias, com seus braços labirínticos por voos malaios
e véus translúcidos, entre a mentira e a imaginação: a dança erótica e exótica
dos romances secretos, e o sari caindo para deleite ofuscante do seu charme
físico e o milagre acontecia do seu belo corpo, um convite da silhueta
voluptuosa do apetite sexual pelos mil feitiços dos seus encantos, as mil
remexidas dos seus quadris inquietos. E ela mergulhou na vida como quem ama
pela última vez, com seus marcantes dotes físicos por aventuras nas selvas
misteriosas, poses teatrais insinuantes para delírio e êxtase hipnótico das plateias.
Era ela sacerdotisa ninfomaníaca e nua, sacra dançarina dos brâmanes – a dança
é a poesia e cada gesto uma palavra de liberdade diante do altar de Vishnu. E uma
mão segurava uma flor impulsiva com o passaporte recusado pelos ingleses, a
desmoronar com a guerra; na outra, um capacete prussiano cheio de bombons para
dissuadir os inexoráveis algozes. Era eu soldado vendado para não sucumbir à
nudez Salomé de sua túnica aberta na penitenciária de Saint-Lazare. Sabia que
era fêmea ostensiva de incomum sensualidade, a se contorcer levitando com seus
passos felinos e a se arremessar esguia, solta e provocante para a caçada do
seu jeito faminto e maleável com as mil delicias de sua carne. Era ela uma impostora
ardilosa que espionava com seus toques sutis o meu sexo febril e me alisava
como quem, ao tato de tapete mágico, apalpava conferente com suas provocantes
carícias inflamáveis, toda minha virilidade enrijecida para incêndio do prazer
devastador. Ela se esbaldava nos meus músculos e se conformava inquieta sobre o
meu corpo usurpador, a me infernizar liquefeita com suas obsessões de pernas
entreabertas, a se aninhar submissa ofegante, com seu corpo ardente seminu de
angelical pecadora, gemendo de manha e pronta para ser maculada e a perder o
controle excêntrico no repetido enlace da paixão carnal. Era ela que me beijava
a depor entre os mil beijos de sua boca faminta, lambia e delatava com as mil
rajadas de sua língua felatriz inquieta e intrusa no meu ferro em brasa para
sua flagelação sorridente. Era ela mãos agitadas na fricção da tempestade para
que arruinados em polvorosa, eu pudesse massacrar a maciez de sua pele imantada
pelas mil curvas do seu corpo incendiário. E eu me perdia pelos mil voos dos
seus braços labirínticos, pelos mil passos de suas pernas em festa, pelas mil
conquistas do seu ventre vulcânico de quem indefesa culpada e ré excitante
apreciava correr perigo orgíaco na lustrosa prisão das cobertas da cama, pronta
para pagar os pecados diante de mim, seu tribunal e batalhão, a condená-la
vergada sob meu jugo, enquanto inocente demais nas mil e uma noites dos seus
orgasmos siderais, era privada dos sentidos a cumprir a pena dos prazeres e eu
a disparar o meu rifle com todos os tiros do gozo no coração do seu sexo, e
ceifá-la nua, linda e lua conquistada diante do busto de Marianne. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] Quis distrair-me,
penetrar na conversa, tomar parte no assunto, não abandonar o amigo, prestar
atenção às suas frases e opiniões, apoiá-lo ou divergir, mas nada consegui.
Palavras que em qualquer outro momento me despertam e agitam – fome, miséria,
injustiça, opressão, liberdade, direito, saúde, alegria – naquele instante eram
fluidas, sem cor e ressonância. Minha vontade desaparecera ante a eloquência do
apelo dos pés. [...] Por que veio ela com seu sapatinho branco, todo branco e todo aberto,
criar nova personagem no espetáculo que meus olhos já começavam a definir e
classificar? Onde vai assim, leve, leve, como se voasse? [...] Por que delirava eu? Como caíra naquele
estranho mundo de pés? Começara manso e simples meu delírio, [...]. Mas crescera tanto [...], obrigava-me agora a adivinhar cada vez mais
[...] Quando cheguei à sala das mulheres,
no Pavilhão dos Primários, logo meus ouvidos se encheram do ruído dos pés.
[...]. E o ruído incessante: eram
tamancos, tamancos que andavam entre quatro pequeninos pedaços de chão.
[...] Considero-me uma mulher
profundamente feliz, sei o que sou porque cedo tomei posse de meu destino e
pela estrada escolhida caminho sem desfalecimentos [...]. Trechos de Apelos dos pés, extraídos da obra Aruanda/Banho de cheiro (Secult, 1989),
da escritora, jornalista, pesquisadora e militante política Eneida de Moraes (1904-1971), autora de
obras como Promessa em azul e branco (1957), História do carnaval carioca
(1958), entre outras.
GORJALA
É um gigante preto e feio, que habita as serras penhascosas. Sua
ferocidade lembra a de Polifeno, de Homero, do qual é um descendente criado na
imaginação sertaneja. Anda com suas passadas imensas pelas ravinas, escarpas e
grotões. Quando encontra um indivíduo qualquer, mete-o debaixo do braço e vai
comendo-o as dentadas! Outrora, quando um explorador desaparecia nos lugares
intransitáveis, desconhecidos, por ter tombado num despenhadeiro profundo ou
por ter sido devorado pelos índios, os seus companheiros afirmavam que o
Polifeno Gorjala o devorara a dentadas... Os seringueiros da Amazônia conhecem
o Gorjala sob a forma do gigante batalhador, encouraçado de casco de tartaruga,
chamado Mapinguari.
GORJALA – Lenda extraída da obra Ao som da Viola – folclore (Leite Ribeiro, 1921), do
advogado, professor, museólogo, folclorista e escritor cearense Gustavo Barroso (1888-1955). Veja mais
aqui e aqui.
MATA HARI, A DANÇARINA DOS SETE VÉUS
Minhas danças são pura espiritualidade.
MATA HARI – A arte da dançarina exótica holandesa Margaretha
Gertruida Zelle (1876-1917), conhecida como Mata Hari – que em malaio significa Olhos de Sol. Ela
foi acusada de espionagem e condenada à morte por fuzilamento, durante a
Primeira Guerra Mundial. Toda sua vida foi discutida e levada para as mais
diversas linguagens artísticas. No cinema, encontrou-se o drama filme mudo Mata Hari (1927), dirigido por Friedrich
Feher; o filme Mata Hari (1931),
dirigido por George Fitzmaurice, com Greta Garbo no papel
principal, descrevendo seus últimos dias de vida; o drama/romance Mata Hari – A Agente 21 (1964), dirigido
por Jean-Louis Trintignant e estrelado por Jeanne Moreau; a comédia Casino Royale (1967), em que James Bond
apaixona-se por ela tem uma filha, a Mata Bond; o drama/thriller Mata Hari (1985), dirigido por Curtis
Harrington, com a atriz holandesa Sylvia Kristel; o filme Mata Hari (2013), dirigido por David Carradine; e o musical Mata Hari (2016), dirigido por Jeff
Tudor. Em livro, encontra-se edições como The Unexpurgated Diary of Mata
Hari (Carroll & Graf Pub, 1984); o livro Mata Hari: The True Story (Hardcover,
1986), com a sua biografia contada por Russel Warren Howe; o livro Mata Hari: a amante fatal (Rosa dos
Tempos, 1997), de Julie Wheelwright; o livro Mata Hari: sa véritable histoire (2003), do historiador Philippe
Collas; o livro Femme fatale: love, lies, and the unknown life of mata hari (Harper
Perennial, 2008), de Pat Shipman; o livro Assinado, Mata
Hari (Record, 2011), de Yannick Murphy, revela facetas menos conhecidas da
suposta espiã do início do século XX; o livro Mata
Hari: the controversial life and legacy
of world war i’s most famous spy (CreateSpace, 2016), de Charles River; e o livro The Spy:
a novel of Mata Hari (Vintage,
2017), de Paulo Coelho. Também um artigo intitulado
The execution of Mata Hary - Eye Witness
to History – (International News Service, 1917/1987), do jornalista
britânico Henry Wales, detalhando o momento dramático do seu fuzilamento,
dramático momento, descrevendo a expressão de seu rosto, a maneira como caiu e
a disposição final de seu corpo no chão. Por fim, a mostra Mata
Hari: - o
mito e a donzela (2017), marcando o seu
centenário no Museu da Frísia, em Leeuwarden - (Holanda) -, sua
cidade natal. Todas as obras e estudos levam à sua inocência e que ela foi
vítima, por sua ambição e beleza, de uma armação das autoridades francesas. O
seu corpo não foi sepultado, foi dissecado e usado para as aulas de anatomia
dos alunos da Faculdade de Medicina Francesa. A sua cabeça foi embalsamada,
permaneceu no Museu de Criminosos da França até 1958, ano em que desapareceu,
supostamente roubada por um admirador. Veja mais aqui e aqui.
A OBRA DE LYGIA CLARK
O erótico vivido como profano e a arte vivida
como sagrada se fundem numa experiência única. Trata-se de misturar arte com
vida. Eis-me aí qual testemunho da minha obra já formulada, agora o testemunho
já não é ela, mas sim eu-obra-pessoa humana.