DELMIRA SEMPRE – Naquela tarde fatal de julho, revivi o que
Nena me dera em sua meninice de poeta precoce do calor de imigrantes italianos,
da sua claustrofobia materna exagerada e do seu corpo em plena eletricidade.
Era eu Eros em Montevideo, o sexo férvido e o seu livro branco. Nas canções da
manhã o erotismo fluía e revi o que Tonita havia disposto para o meu prazer, a me convocar Romeu no
epicentro de incontrolável Julieta querente, com nossas vestes desabotoadas,
nossas trincheiras desfeitas e eu tombando exaltado com a sua palidez de quem
morria de gozo, nua, descalça, e eu raspando o fundo do tacho de sua delícia. Seus
seios nus roçavam os meus e me inflamava para esganá-la enfiando meu sexo
gotejante em suas súplicas de não abandoná-la nunca mais, escancarada e vadia,
enlouquecida às batidas do coração a sair pela boca voraz, acelerada, sobejando
meu ombro a gemer os suores do nosso tumulto, a nos buscar entrelaçados para
não mais deixá-la sozinha ao relento das noites intermináveis. Remontei
naquela vespertina circunstância, ao que Joujou se fez meu espelho e escorremos confundidos por
nossos caldos e cheiros nos gestos e enloquecemos mais de mil vezes, na
obsessão pelo amor irracional, pleno e demasiado, e você a se transmudar nas muitas
mulheres, com suas infinitas formas de amar. Quantas aspirações imoderadas e
barulhentas, você a arte esplêndida na face de anjo celestial, sedutora inocência autoproclamada
libertária e o nosso louco amor de sempre no dia que se perdia pela tarde dos nossos
cálices vazios e o epílogo na sua militância feminina. Nada mais eu queria além
da loira esguia e bela de olhos azuis, a poeta amante nua e linda sempre alma
uruguaia arrebatada, o confessional diário poético e seu íntimo resguardado a se
desnudar sem reservas nem pudor para mim e em mim, entre o sonho e a vigília, na
fome do coração de seu epistolário e nas confissões e ímpetos, no
clamor da carne cantante em busca de abrigo de amores reais, indiferente à mitopeia
alheia, só minha e ao meu inteiro dispor. Desabamos juntos e renascemos do nada, nossos tempos pelo
meio do caminho tornaram-se restos do que fomos e do que poderíamos ser sem
testemunhas ou juízos. Desfizemos o medo de nos perdermos entre horrores
gratuitos e as lembranças esgarçadas, enquanto à beira do penhasco, nos servíamos
do poder de voar pela ventania, crucificados pela paixão desenfreada com seus
sonhos em constelações que trazíamos na ponta da língua, a lamber-nos no doce mel
de nossas entregas. O pássaro sincero transcendeu seu encanto por milagre: o
bico em suas mãos mergulhava úmido na sua carne de lago em chamas, porque seu
corpo era só uma fita na cobra longa vibrando voluptuosa eternamente desnudada,
corpalma e por confissões secretas reiteradas e
reveladoras. E acordávamos com o susto de que nada mais existiria
entre nós, enquanto o amor queimava aqui dentro como um incêndio que jamais se
extinguiria. E nada mais restava entre arames farpados, só o mundo apodrecendo ao
redor para que fôssemos vivos e o tempo ajustando as coisas, tomara, e não foi
bem assim. Apostei no futuro e o presente passou. Abri o peito porque minhas
veias clamavam sangrando as feridas do abandono e as nódoas da incompletude: a
sua ausência. E foi naquela tarde fatal de julho, nenhuma poesia na Rua dos
Andes, um episódio nos olhos de agora e o resíduo de tudo que vivemos na lua
cheia de todas as noites ardentes, além de toda duração que não poupavam as nossas
singulares e obscenas manhãs esbagaçadas de sexo indisciplinado e sussurros
mundanos por jorros e latejamentos de abraços e dança louca a nos ulcerar
bêbados e nus no delírio devasso do planeta inteiro. Era tudo mentira, agora sei.
Supunha real o que era só fumaça e eu fervia com a verdade que eu era e não de
você. A vida, enfim, me cumulou com as dores, duas vidas e uma só morte. Nada mais
nos aconteceria. Mandou-me embora e eu sai antes de ficar tão tarde demais para
cobrir as faces com as mãos às lágrimas e poemas que se perderam. Você era a
poesia. Contudo, naquela tarde fatal de julho, nada mais que o tramado nas
núpcias desacertadas pelos ciúmes e incompreensões, posse e dano, os encontros
clandestinos. Apesar do desenlace mais
que malogrado, nada se explicava, amores secretos nos parágrafos manuscritos e
dramáticos, os quereres além da conta, o indizível sofrimento insuportável, o
insensível desfecho terminante e definitivo, diante da ferocidade do desejo na
angustiante solidão: um pedido de socorro inaudível no torvelinho da loucura
transbordante. E deu no que deu. E se debatia ousada em seu orgulho desastrado
ao abismo das paixões devoradoras. Se não sabia, a vida é muito estranha, de
fato. Muito estranha. E o amor não é passatempo: é muito mais que viver e
morrer todos os dias. Quem sabe amanhã, noutra vida. É tudo muito triste agora,
nada mais. Fui expulso dos seus versos, não há o que entender, nem interessa
mais, só um adeus que não houve. Se eu perguntasse, ninguém responderia. Jamais
eu seria agressão, nem revide, nem seria capaz desferir o que emergisse da
morte. Mas, não. Afastou-se, foi para seu destino, eu sabia. Todo seu. E saiu
de cena e não mais, o escândalo e a lápide. Diante do cenário, arranquei os
dias anteriores, joguei fora a esperança. Mesmo assim, você ainda vive em mim
no Rosário de Eros da minha
eterna paixão sem adeus e para nunca mais. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] Quando comecei a trabalhar como cientista no
final dos anos 1970 e início dos anos 1980, a vida era diferente para as
mulheres. Éramos uma exceção. As pessoas não sabiam lidar conosco. Isso
complicava a vida porque o fato de eu ser mulher era algo incomum. [...] Acontece que os genes que identificamos nas
moscas também desempenhavam um papel muito importante nos vertebrados. Esse foi
um avanço revolucionário que fez as pesquisas com moscas afetarem o
desenvolvimento humano [...] As mulheres querem
apenas metade do mundo que nos pertence. As pessoas não podem mais deduzir que as
mulheres são exceções e em princípio não servem para trabalhar na ciência. Em
todos os campos, existem mulheres que são no mínimo tão boas quanto os homens.
Não há mais dúvidas sobre isso. A esse respeito, sou
muito firme comigo mesma, severa se você quiser. Procuro fazer coisas por
mérito próprio e não por relacionamento pessoal [...] procuro ser objetiva com as pessoas [...]. Trechos da entrevista concedida pela bióloga
alemã, Ph.D. em Biologia Genética e Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, 1995, Christiane Nusslein-Volhard, concedida
ao LabaCiências/UFF (2018), aos jornalistas Natalia Feirosa e Luiz Andrade, durante
o Congresso Internacional de Genética em Foz do Iguaçu, Brasil. Ela criou a
Fundação CNV, em 2004, a qual oferece bolsas para que mães no começo de suas
carreiras em ciências naturais possam dar continuidade às suas pesquisas. A
respeito ela expressa que: [...] A ideia
da fundação veio quando eu comecei a me perguntar sobre o pequeno percentual de
mulheres na ciência e como isso poderia ser melhorado. A diferença mais
importante, claro, entre homens e mulheres é que as mulheres têm filhos. Quando
você tem uma família, sobra menos tempo para se dedicar a uma pesquisa. É
inevitável que isso requeira tempo e energia. [...] Escolhemos as vencedoras com base em suas conquistas e no que elas nos
dizem sobre suas pesquisas. Não é um projeto social. Foi criado para dar
suporte à carreira de mulheres talentosas. [...].
DOIS POEMAS DE DELMIRA AGUSTINI
OUTRA ESTIRPE: Eros,
eu quero guiar-te, Padre cego... / peço a tuas mãos todo-poderosas / espalhado
em fogo seu corpo excelso / sobre meu corpo desmaiado em rosas! / A elétrica
coroa que disperso / brinda o nectário de um jardim de Esposas; / aos seus
abutres na minha carne entrego / todo um enxame de palomas rosas. / Dá às
serpentes de seu abraço, cruéis, / o meu talo febril... Absinto, méis, / derrama
de suas veias, de sua boca... / Deitada assim, sou sulco ardente / onde pode
ser nutrida a semente / da outra Estirpe sublimemente louca!
FERA DE AMOR: Fera
de amor, eu sofro fome de corações. / De pombos, de abutres, de corços ou
leões, / não há manjar mais tentador não há mais grato sabor; / havia já
viciado minhas garras, meu instinto, / quando erguida na quase ultraterra de um
plinto / me fascinou a estátua de um antigo imperador. / E cresci de
entusiasmo, pelo tronco de pedra / ascendeu meu desejo de fulminante hera até o
peito, nutrido pela neve, ao que parece; / e clamei ao impossível coração... A escultura
sua glória custodiava sereníssima e pura, / com seus pés no Ontem e o Amanhã na
frente. / Perene meu desejo, no tronco de pedra / permanece preso como
sangrenta hera; / e desde então mordo sonhando um coração / de estátua, presa
suma para minha garra bela; / não é nem carne, nem mármore: uma pasta de
estrela / sem sangue, sem calor e sem palpitação... / Com a essência de uma
sobrehumana paixão!
DELMIRA AGUSTINI – A poesia da poeta uruguaia Delmira Agustini
(1886-1914), autora de obra como El Libro Blanco (1907), Cantos de la
Mañana (1910), Los Cálices Vacíos (1913), Correspondencia íntima
(1969) e Poesias completas (1924) incluindo El Rosario de Eros, Los
Astros del Abismo e poemas
esparsos. Ela teve um casamento com Enrique Job Reyes, embora tenha correspondido com poetas,
a exemplo de Ruben Darío e Manuel Ugarte. Ela foi assassinada em Montevideo, no
dia 6 de julho de 1914, pelo então ex-marido que lhe desferiu dois tiros na
cabeça e depois se matou. Sobre a vida e obra da poeta, encontrei o cinebiografia
Demain? (Amanhã, 2012), dirigido por Christine Laurent, que conta a vida da
poeta uruguaia e sua poesia que explorava a sensualidade feminina, às vésperas
da Primeira Guerra Mundial, quando a jovem passa a ser reconhecida, se casa e
passa a viver angustiada entre o marido, a família e uma amiga. Veja mais aqui.
A ARTE DE KAREL
APPEL
Quando você envelhece como pintor e tem as oportunidades,
o talento e a boa sorte e recebe tudo para envelhecer, então é fantástico,
porque a mesma pincelada que você coloca é mais madura e mais comovente do que
foi quando você era jovem.
KAREL
APPEL – A arte do pintor, designer,
artista gráfico, escritor e escultor neerlandês Karel Appel (1921-2006),
co-fundador do grupo CoBra, em 1948. Veja mais aqui, aqui e aqui.
O ATIVISMO DE ROSA PARKS
Eu gostaria de ser lembrada como uma pessoa que queria ser livre… para
que outros também pudessem ser livres.
A militância da ativista estadunidense Rosa
Parks (1913-2005), símbolo do movimento dos direitos civis
negros dos Estados Unidos, tornando-se famosa pelo movimento denominado Boicote aos ônibus de Montgomery e da
luta antissegregacionista. Veja mais aqui e aqui.