A SOLIDÃO DE ESPINOZA – Nasci marrano, eu e todos os meus;
nacionalidade contraditória, problemática. Sempre me vi apartado do mundo e dos
judeus. Por meu nome abençoado, o sonho do meu pai era um rabino e eu em conflito
entre a verdade e a prosperidade, heterodoxia distante do dinheiro e do dogma,
a vida de indagações. Às voltas com a Bíblia, o Talmud, a poesia clássica e a
ciência moderna, do primeiro amor, fui negado - como era mesmo o nome dela...
era... não lembro. Era um poema, bela, bela, bela. Recitei e esqueci. O amor é
a alegria acompanhada de uma causa exterior. Ela preferiu outro, eu não era
gentio nem rico. As minhas ideias me levaram à sinagoga: queriam comprar o meu
silêncio e a minha fé à ortodoxia. Recusei e fui submetido a intenso e
malicioso interrogatório. Acusaram-me discípulo de Juan del Prado e eu
indignado com a flagelação, banimento e suicídio de Uriel, o enforcamento público de Van den Ende e o assassinato de
Witt. Fui excomungado, deserdado, acusado de ateu, um blasfemador, traidor, elemento
nocivo à república. E Sócrates morreu por seus semelhantes. Contrário a superstição
religiosa, política e filosófica – nunca teria o medo dos males e castigos, a
esperança dos bens e recompensas: a cruz cristã é só dor e castigo. Reduzi-me a
um leproso moral, expulso das tribos de Israel: o mar por uma estreita fenda na
parede da prisão. Recolhi-me a uma água furtada no subúrbio e passei a polir
lentes: bicho de seda no casulo. Encerrado à minha solidão, tinha apenas o movimento
das aranhas – não me destruam as teias, por favor. A minha crença sempre foi a dos
antigos profetas hebreus: o mistério de Deus, os seus múltiplos atributos e a
poesia da vida: Aquele que tudo penetra perpétua e completamente. Que espécie
de mundo é esse, quem nos pôs aqui e por quê: infinito, eterno, omnioperante,
sempiterno, completo. Sabia que a maior vitória é a grandeza da alma, a
interafinidade vital, a regra de ouro: o amor faz desaparecer o sofrimento da
morte. Não é possível a alegria e o amor com as ruínas da razão, os desatinos
da imaginação. Para quem ama o efêmero, a felicidade é perecível; e para me
amar tenho que amar o outro, melhor fruído quanto mais repartido: só ajudo a
mim ajudando os outros. A felicidade é mútua. Essa a razão pela qual recusei a
fortuna de De Vries por duas vezes, a sua anuidade e a pensão de Luís XIV –
nunca lisonjearia quem eu não admirasse -, nem mesmo a cadeira da Universidade:
preferia morrer de fome a não falar a verdade. Com sempre soube, somos vermes
rastejantes diante do Todo: onde tudo é e está o Eterno Artista que tece a teia
bramante e vive dentro de nós e em cada folha da relva, cada torrão da terra,
cada flor a desabrochar, cada criatura viva, e dispõe para desfrute de todos: a
verdadeira essência da democracia. Mais ainda: o destino é maior do que se
supõe. Não posso ferir o outro sem que me fira: uma injúria que sai da minha
boca arranca meus próprios olhos. Uma guerra traz outra, nada tenho com
ambições, rivalidades e ódio. Quase fui linchado por conta do meu pensamento
universal, meu coração cheio de simpatia. Vivi meus últimos dias num quarto de
Haia e não me salvei da obscuridade, ainda bem. Eu via a eternidade: nascemos
para sermos felizes, de um sonho a outro, de uma estrela a outra e ao infinito.
Sou circunstância e meio, um dente da roda na máquina cósmica. Sou apenas uma
página no livro de tudo e todos. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] Quando criança, eu fui babá de filhinho de
madame, você sabe que criança negra começa a trabalhar muito cedo. Teve um
diretor do Flamengo que queria que eu fosse para casa dele ser uma
empregadinha, daquelas que viram cria da casa. Eu reagi muito contra isso então
o pessoal terminou me trazendo de volta para casa [...] É por aí que a gente deve entender que esse
papo de que a miscigenação é a prova da “democracia racial” brasileira não está
com nada. Na verdade, o grande contingente de brasileiros mestiços resultou de
estupro, de violentação, de manipulação sexual da escrava. Por isso existem os
preconceitos e os mitos relativos a mulher negra: de que ela é mulher fácil, de
que é boa de cama [...] Nossa
situação atual não é muito diferente daquela vivida por nossas antepassadas:
afinal, a trabalhadora rural de hoje não difere muito da “escrava do eito” de
ontem; o mesmo poderia dizer-se da vendedora ambulante, da “joaninha” da
servente ou da trocadora de ônibus de hoje, é a escrava de ganho de ontem. [...]
O 13 de maio trouxe benefícios para todo
mundo, menos para massa trabalhadora negra [...]. Trechos extraídos de E a trabalhadora negra, cumé que fica
(Mulherio, 1981), da antropóloga,
filósofa e escritora Lélia Gonzalez (1935-1994),
que ainda se expressa no trecho extraído De Palmares às escolas de samba,
estamos aí (Mulherio, 1982): [...] Estamos cansados de saber que nem na escola, nem nos livros onde mandam
a gente estudar, não se fala da efetiva contribuição das classes populares, da
mulher, do negro, do índio na nossa formação histórica e cultural. Na verdade,
o que se faz é folclorizar todos eles. E o que é que fica? A impressão de que
só homens, os homens brancos, social e economicamente privilegiados, foram os
únicos a construir este país. A essa mentira tripla dá-se o nome de sexismo,
racismo e elitismo. E como ainda existe muita mulher que se sente inferiorizada
diante do homem, muito negro diante do branco e muito pobre diante do rico, a
gente tem mais é que mostrar que não é assim, né? [...].
A MÚSICA DE ANA CAÑAS
Mulheres estão se conscientizando, se unindo. É importante debater e
questionar essas pautas. Instinto da mulher é tolhido e esmagado.
ANA CAÑAS – Curtindo os álbuns Amor e caos (2007), Hein?
(2009), Volta (2012), Tô na vida (2015) e Todxs (2018), da cantora e compositora Ana Cañas, que é formada em Artes Cênicas pela ECA/ISP e participou
do elenco do longa-metragem Amores urbanos (2016), da diretora Vera Egito. Veja
mais aqui.
A ARTE DE PATRICK MEADOWS
A arte
do ilustrador, quadrinista, muralista e artista visual estadunidense Patrick Meadows.
Veja mais aqui.
A OBRA DE ESPINOZA
[...] Pela decisão dos anjos e julgamento dos
santos, excomungamos, expulsamos, execramos e maldizemos Baruch de Spinoza...
maldito seja de dia e maldito seja de noite; maldito seja quando se deita e
maldito seja quando se levanta; maldito seja quando sai, maldito seja quando
regressa... Ordenamos que ninguém mantenha com ele comunicação oral ou escrita,
que ninguém lhe preste favor algum, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo
teto ou a menos de quatro jardas, que ninguém leia algo escrito ou transcrito
por ele [...].
Trecho da excomunhão,
promulgada pela comunidade judaixa de Amsterdam, a 27 de julho de 1656, contra
o filósofo racionalista holandês Baruch Espinoza
(1632-1677). Veja mais aqui, aqui e aqui.
&
AMIGOS DA BIBLIOTECA
Realizou-se
na última sexta, dia 18 de outubro, mais uma reunião de debate da minta
estatutária de Amigos da Biblioteca,
da qual participou Silvana Neves, João Paulo Araújo & Ricardo Cordel. Veja
mais aqui & aqui.