A FÁBULA DA PRINCESA INFELIZ - Tudo passa e era uma vez. Um menino pobre
filho de viúva de sapateiro que se indispôs com o padrasto indiferente. Todos
me queriam uma profissão útil como o arrependimento do meu pai. Ditavam-me
marceneiro e eu vivia na cabeça com o elfo fêmea que dançava até matar suas
vítimas de exaustão. Meus pés sonhadores perdiam contato com o chão e prestava
atenção à vida que circundava o mundo de cada um: a roupa nova do imperador. Não
desfiz meus sonhos e quebrei o mealheiro de barro, partir para a fortuna: acreditava
em contos de fada e aprendia com as verdades de todos os dias. As amarguras
eram histórias que saltavam da minha pena, a minha varinha de condão. Apenas com
sete moedas de ouro e uma voz de soprano, dancei na frente de uma bailarina famosa,
contei histórias para célebre dramaturgo, findei nas mãos de cruel professor. Os
meus diários muitos e tantos, os dramas poéticos inventados para representar no
teatro, apenas um desejo escondido na minha timidez estarrecedora, a minha
carta de declaração amorosa, a minha perturbada existência de patinho feio que
sonhava com a pequena sereia, suspirando em vão pelo amor de uma mulher. E era Riborg,
o tesouro que deveria ser visto e não ouvido. Para ela escrevi poemas com um
buquê dos tons de Grieg, o seu primeiro amor carregado de rubores, lágrimas e
confusão. Tomei dela na tempestade, podia me tornar qualquer coisa, até a
salvação eterna. E era Jenny! Ah, Rouxinol, Swedish
Nightingale, linda até no sobrenome! A famosa de Der Freischütz de Weber, a Norma de Bellini e protegida de
Mendelssohn, a cantante sonâmbula dos meus sonhos. E vieram as portas abertas
da jovem Louise, o conto de fadas sem respostas. E veio a musa Sophie que me
faria feliz e não guardou minha carta, a borboleta dinamarquesa que não
conseguiu decidir sobre nenhuma das flores até que fosse tarde demais. Tudo era
assim na pintura estática da minha vida de imaturo atrapalhado, repreendido
pelo grego, pelo latim, a criança moribunda que nenhuma menina crescia para
amar. Um garoto que se fez adulto e velho, pobre e feio da rosa, metido a poeta
narigudo, neurastênico, olhos esbugalhados e pés de elefante. Quando apareceu a
oferta de pedidos do rei, eu já ganhava alguma coisa, não precisava mais. Das mulheres
impossíveis de serem conquistadas, sobravam motivos e inspiração para uma nova
fábula: a da princesa infeliz que queria ser a Thumbelina, a rainha das fadas e
não tinha um grão de ervilha sob o colchão. Era uma mimada filha única, bela e
escatológica numa tarde azul para me impressionar e me encher de presentes e
paparicado no seu castelo, de espalhafatosamente me enfeitiçar com seu encanto,
a entrega de corpos estupefatos, a contação de suas histórias, a dissimulação possessiva
dos ciúmes e quase se banhar em prantos e desgraça, acaso findasse e, ao menor
estalo dos dedos, uma bruxa no coração, obtusa e sarcástica com sua gargalhada
de viúva negra, a se alimentar de suas astucias e ardis para me deixar jogado vítima
da paixão. Só me dei conta do seu sorriso com hálito de morte ao não ser
correspondido. Se eu não era um princeso, me fizera de sapo asqueroso. Croc!
Croc! Brek-kek-kek! Coaxava eu a coxear com a lembrança dos seus altivos olhos que
escondiam seu negrume. Fiz apenas parte de sua trama diabólica: ela me convidou
a dar risadas de tudo que vivemos. Ela não sabia o futuro, o mundo dava voltas
e dará. Esta a fábula não está nos meus diários, ficará secreta e junto com a longa
carta azul de Riborg: entre as mãos e sobre o peito. Resto-me só, ninguém para
compartilhar a vida e o amor. Fiel a tudo que estava perdido, triunfo apenas no
retorno à Odense e a minha melhor história era a minha própria vida. Sou meu
abandono desesperado, um contador de histórias que ensaia a sua prece: Meu sangue quer amor, assim como meu coração.
Tudo passou e era uma vez. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
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DITOS & DESDITOS: Não importa que se
nasça num terreiro de patos, desde que se saia de um ovo de cisne. Hoje mergulho
no meu próprio ser, encontro uma ideia para os adultos e narro-a como se fosse
para crianças, mas sem me esquecer de que o papai e a mamãe estão ouvindo. A Deus
e aos homens o meu agradecimento e o meu amor.
Pensamento do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), que amou muitas mulheres e
morreu solteirão. Entre as mulheres da sua paixão estão a soprano sueca Jenny
Lind (1820-1887), a Rouxinol Sueca; a bela Riborg Voigt (1806-1883); e a bela dinamarquesa
Sophie Ørsted (1782-1818), filha mais nova do seu benfeitor. Veja mais aqui e
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A ARTE DE CAMILA SOATO
MÚSICA DE MALLU MAGALHÃES
Pode falar, não importa, o que eu tenho de
torta, eu tenho de feliz. Nem vem tirar meu riso frouxo com algum conselho, que
hoje eu passei batom vermelho. Eu tenho tido a alegria como dom, em cada canto
eu vejo o lado bom! Os problemas da vida são do tamanho que a gente dá a eles. Eu
não levo rancor de nada, mas carrego cicatrizes.
MALLU MAGALHÃES – A
arte da cantora, compositora e instrumentista Mallu Magalhães, curtindo os seus álbuns de 2008, 2009 (Agência de
Música), Pitanga (2011) e Vem (2017). Veja mais aqui.