TODO DIA É DIA DA MULHER – UMA DE VERA COM OUTRA ROSA: Vera ia e
vinha nem aí pros fius e psius. Na dela, jeitosa e impunemente: sorria o Sol,
animava a passarinhada, a cidade se alvoroçava toda. Havia quem não simpatizasse:
as invejosas acusavam-na de Bruxa das Pancs: Olhela, já vai toda amostrada! Os rejeitados resmungavam: Eita, lá
vai toda cu doce, vixe, que maldição! Quem nunca sonhou tê-la por posse
exclusiva ainda não nasceu ou tinha morrido antes dela desabrochar pra vida. Inacessível
para os dali, os desocupados faziam de tudo para chegar junto, desafiavam sua
inteligência. E ela, toda Rosa Parks:
Eu gostaria de ser lembrada como uma
pessoa que queria ser livre… para que outros também pudessem ser livres. Acredito que estamos aqui no planeta Terra
para viver, crescer e fazer o possível para tornar este mundo um lugar melhor
para que todas as pessoas desfrutem de liberdade. Ô minha filha, em que
planeta você vive, hem? Essa parece mais que vive no mundo da Lua, só sendo! E
as más línguas: Metida, ela se acha toda tuda! DUAS, PASSANDO NA CARA: Como sempre, os incultos amundiçados na
maior refrega, maior discórdia: cada um, por si, dono da razão. E lá vão tirar
a limpo o assunto com o doutor Zé Gulu
que, invariavelmente, chama a turma na grande: Tá! E como você quer ser
lembrado? Eu? Sim. Ah, depois que eu morrer quero lá saber o que vão pensar de
mim, doutor! E você? Ah, se vivo sou enjeitado, depois de morto podem se
lascar. Cada um dava seu parecer: depois de bater as botas, babau. Que se
danem! E o senhor? O doutor Zé Gulu ajustou os ósculos com o indicador no pau
da venta, pigarreou e sapecou: Como dizia Ayn Rand, O mundo que você anseia pode
ser conquistado. Existe, é real, é possível, é seu. E saiu, assim, na sua,
sem mais nem menos. Hem? Quem foi que ele falou? Sei lá, entendi patavina. Nunca
entendo o que ele diz. Ah, mas é doutor Zé Gulu, meu! Ah, tá. Os presentes,
então, entreolharam-se e anuíram: Esse doutor é meio biruta, né? Abilolado
demais. Num diz coisa com isso ou aquilo. Oxe, bote doidice, leu demais dá nisso:
endoida! Eu, hem? TRÊS: APRENDER O QUE
NÃO SABE - Rapaz, eu já passei da idade de aprender. Escola é coisa pra
essa meninada ter jeito de gente, tudo uns maleducados, sem modos. Pois é, eu
mesmo fui pra escola, decorei que só e esqueci tudo. Num é que eu também: de
que adiantou levar palmatória, decorar tabuada, os tempos dos verbos, não vi
serventia até hoje! A minha professora era carrasca! Ah, não era pior que a
minha: chata e cricri. E os livros? Nunca gostei disso, coisa de ler é pra
baitola ou aluado. E a gente mesmo assim passava de ano, sabendo de tudo. Hoje
os tempos são outros, valeu de nada, aprendi com a vida, essa a melhor escola. Pois
digo eu: se eu descobrisse quem inventou estudo, eu mandava matar na hora!
Nessa hora aparece a imagem de Amy Lowell
na tevê e o locutor dizendo: Os livros
são mais do que livros, eles são a vida, o coração e o núcleo dos séculos
passados, a razão pela qual os homens trabalharam e morreram, a essência e a
quintessência de suas vidas. Eita, que é isso aí na tevê? Sei lá. Eu vi mas
não enxerguei. Nem eu. Isso é lá conversa pra boi dormir, ora. É. Vamos tomar a
ideira que está ficando tarde. Vambora. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS
& DESDITOS: [...] Ela
trabalhava agora o dia inteiro e a criança ficava dormindo, no chão, em cima de
um velha coberta acolchoada. Quando chorava, a mulher interrompia o trabalho,
descobria o seio e sentava-se no chão para o amamentar. O sol caia sobre ambos,
o sol tardio dos fins de Outono que conserva o ardor do Verão até que o frio do
Inverno o afugenta, e sob os seus raios, a mulher e a criança, tão morenas como
a gleba, pareciam duas estátuas de terra. A poeira dos campos polvilhava os
cabelos da mulher e a macia cabeça negra do menino. Mas do grande seio da
mulher, fluía, branco como a neve, o leite que alimentava a criança, e enquanto
um era sugado do outro manava leite como de uma fonte. E ela deixava-o correr.
Havia leite de sobra para o menino, por mais insaciável que ele fosse, chegando
até para muitas crianças; e, orgulhosa da sua abundância, O-lan deixava-o
correr descuidada. E tinha cada vez mais. Às vezes levantava o peito e deixava
o leite correr para o chão, para não sujar a roupa, e perdia-se na terra,
formando no chão uma mancha mais escura, mole e untuosa. O menino estava gordo,
sadio, e absorvia a vida inesgotável que a mãe lhe dava. [...] Havia um sinistro presságio na estranha
serenidade daqueles dias em que a terra os abandonava. Só para a petiza não
havia receios. Tinha à sua disposição os dois robustos seios da mãe, que até aí
chegavam bem para satisfazê-la. [...]. Trechos extraídos da obra Terra bendita (Livros do Brasil, 1956), da
escritora e sinologista Prêmio Nobel de Literatura de 1938, Pearl Buck
(1892-1973). Veja mais aqui.
A POESIA DE AMMY LOWELL
OPALA: És gelo e fogo, / Teu toque queima minhas mãos como a neve. / És frio e
chama. / És o carmesim da amarílis. / O prateado das magnólias tocadas pela
lua. / Quando estou contigo / Meu coração é um tanque gelado / Cintilando com
tochas agitadas.
DÉCADA: Quando vieste, tu eras igual ao vinho e ao mel / E teu gosto incendiou
minha boca com sua doçura. / Agora tu és como o pão manhã, / Suave e agradável.
/ Apenas te degusto, já que conheço teu sabor / Embora eu esteja completamente
saciada.
UMA OFERENDA QUEIMADA: Porque não havia vento, / O fumo das tuas
cartas pairou no ar / Por muito tempo; / E a sua forma / Era a forma do teu
rosto, / Minha Amada.
AMMY LOWELL – Poema da poeta estadunidense Amy Lowell
(1874-1925), condecorada postumamente com o Prêmio Pulitzer de Poesia, em 1926.
Ela foi integrante do Movimento Imagista de Ezra Pound.
&
POEMAS DE INES LEMPECK
MARESIA: quando sua maré enche / esvazia-se de certezas /
ventania que devassa / em cada célula / uma interrogação / e quando troca de
lua / se enche de estranhamentos / quando sua maré baixa / a onda reversa / deixa
na superfície da pele / minúsculos sobreviventes / resquícios da viração / então
na calmaria respira / afrouxa o nó dos sustos / esvazia os poros de medos / faz
preenchimento de desejos / sem prazos nem validades.
FLOR DA
PELE: Abre-te sol / no verão tropical / gringos na praia / purpurina no metrô /
ombro vermelho / calor à flor da pele / corpo molhado / flor no chão / pedras
na calçada.
III - o dia segue / os sonhos passam / acima dos
ombros / voando como nuvens / num entra e sai / pelas
orelhas atentas / suprema vertigem / olhares de horizonte.
IV - Há também / o tsunami do bem / sol e mar / alquimia
intensa / num eterno poetar.
V - Travessa na mão / livros na sacola / pés no
chão / poemas na imaginação.
INES LEMPECK – Poema da poeta e psicóloga Ines Lempek, especialista em Psicanálise e Cultura pela
UnB, participando de antologias, oficinas, revistas literárias e blogs. Ela é
autora do livro de poemas O avesso do clima (Bestiário, 2019).
A ARTE DE BRIGITTE CARNOCHAN
Muitas das minhas lembranças mais claras são sobre comida
pós-guerra - como tomates crescendo na horta comunitária que meu avô recuperou
após a guerra. Havia também morangos naquele jardim que amadureciam no meu
aniversário e galinhas no quintal e o vendedor de batatas chegando nna rua com
seu carrinho, e as lembranças de finalmente ter idade suficiente e levar um
balde para a loja onde estávamos alinhados para receber a ração de leite. Em
minha memória, parece haver uma abundância de comida, mas, de fato, era
racionamento severo e muitas pessoas com muita fome, como em outras partes da
Europa e do Reino Unido.
BRIGITTE CARNOCHAN - A arte
da artista visual estadunidense Brigitte Carnochan que produz uma grande variedade de
trabalhos fotográficos desde o final dos anos 90, começando com a investigação
dos gêneros clássicos de flores e nus. Sua arte frequentemente combina
elementos de pintura que os impregnam com uma luz semi-espiritual. Mais
recentemente, seu trabalho investigou as complexidades ocultas de sua própria
família, com um pai que estava no exército alemão durante a Segunda Guerra
Mundial. Suas fotografias usaram elementos de seu passado para criar colagens
de fotos que são mapas de memórias. Veja mais aqui.
TODO DIA É DIA DA MULHER PERNAMBUCANA
Imagem: Mameluca woman, do pintor e desenhista
holandês Albert Eckhout (1610-1665).
MEMÓRIA:
Adriana de Holanda (1542-1645), colonizadora
de Pernambuco que, juntamente com seu marido Christoph Lins, estabeleceu-se em
Porto Calvo, na região onde hoje é o estado de Alagoas, fundando sete engenhos
de cana-de-açúcar e vivendo por mais de cem anos de idade.
A música
do instrumentista, cantor e compositor Dominguinhos (José Domingos de
Morais – 1941-2013), o documentário Dominguinhos (2014) & Veredas
Nordestinas (Continental, 1989), o dvd Ao vivo em Nova Jerusalém (Globo
Nordeste, 2009) e cd/DVD Iluminado (Biscoito Fino, 2010) aqui e aqui.
A guerrilheira perfumada: crônicas do amor diário, do jornalista e escritor Ronildo Maia Leite (1930-2009)
aqui & aqui
Água, Vida Água, do poeta e ativista
cultural João de Castro aqui.
Circo Itinerante aqui.
&
OFICINAS ABI