CIDADE DEVASTADA, MEMORAÇÃO – Alagoinhanduba não existe, nunca existiu,
parece. Alguém apenas lembrava vagamente e não sabia como nem causa. Suspeita-se
que seus mortos resistiram ao esquecimento e os fundadores rebelados induziram a
uma indecifrável e aparente vingança em honra dos ancestrais, para cancelamento
das cidades atuais. Ressurretos tramaram com sofreguidão enlouquecer os vivos, feito
invasores da memória, como recidiva - como se os que se foram dali na suposta
tragédia, provocassem suas cobaias vivas no presente, domados para que não se
esquecessem de nada ocorrido. Tudo começou com simples sonho de um morador desconhecido:
um pesadelo com a tribulação remota do lugar perdido no tempo, e entender desperto
como se desde ontem flagelasse os seus e a si. Uma vez possuído pelas
lembranças, contaminação inevitável: ninguém mais se libertava, invadido inadvertidamente
a dar com a língua nos dentes, por narrativas sem fim de fatos revivescentes
entranhados no éter, imersos em nuvens carregadas de recordações incorporadas
ao cotidiano e, vez em quando, escapulindo para influenciar ditos, jeitos e
fazeres onde quer que estivesse e com quem escolhesse aleatoriamente. Os devaneios
alheios se reuniam e mudavam os rumos da ventania vertiginosa para desenterrar
tesouros recônditos e inválidos, denúncia em riste. Em seguida, deu-se o
auto-enlouquecimento do padre no púlpito. Logo outros começaram a proceder com
endoidecimentos similares: um médium numa sessão de mesa branca; um
pai-de-santo no meio de um ritual, tambores e danças; um internauta capturado por
um vírus de computador; e recém-chegados fugando atônitos pelas matas revoltas
desencavadas, homens que se danaram largados por fêmeas pérfidas; mulheres esbeltas
que se envultavam com suas ancas e mamilos nus fenecendo lúbricas de amor por
machos errantes; crianças esmagadas pelo desamor dos pais; jovens que sucumbiam
aos amores não correspondidos; idosos que se matavam ao abandono entre páginas,
folhas e detrito soltos aos ventos; combustões por iras incontroláveis, presidiários
suicidas, viajantes à deriva, confusão de partidas e retornos por ruas giratórias
enoveladas fincando insepultos entre pedras e paralelepípedos, abolindo leis,
destruindo patrimônios, destroçando jardins e praças, demolindo alvenarias e pavimentos
arruinados; pugnas escorregadias, estuários explodidos, mentiras desmascaradas,
milagres ambíguos, escombros, cidades umas as outras amontoadas ali, habitadas
por zumbis que seguiam sem saber para onde, nenhum cumprimento e tanta
hostilidade, desentendimentos e perseguições, inarticulados a se desconhecerem
perdidos às caretas entre cemitérios e purgatórios. Entre eles, um anônimo que
se esquecera de si e de seu próprio nome e passado, a repetir insistentemente:
Fui acometido por uma estranha enfermidade. Eu sabia; os médicos, não. Todos os
exames, nenhum diagnóstico, nada. Eu não estou bem, febril sem febre, doente
sem doença; eufórico sem euforia, tomado completamente, esfacelado pelo
desespero, herdeiro de ruínas que nunca vira, memórias na pele de autômato,
autônomo, ninguém. Como pode? Desisti de compreender, sou a soma de tudo e sou
nada. Mas, não sei quem sou, muitos povoam em mim e sou apenas as lembranças de
Alagoinhanduba. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo
e aqui.
DITOS & DESDITOS:
Híbrido,
hibridismo, hibridação e hibridização são os atributos que mais frequentemente
têm sido utilizados para caracterizar variadas facetas das sociedades
contemporâneas. Essas palavras podem ser aplicadas, por exemplo, às formações
sociais, às misturas culturais, à convergência das mídias, à combinação
eclética de linguagens e signos e até mesmo à constituição da mente humana. [...] o ciberespaço e a cibercultura vieram adquirir
uma natureza híbrida na constituição de espaços que tenho chamado de espaços
intersticiais. [...] Não resta dúvida de que a pluralidade se constitui na marca mais
característica das mídias locativas. [...] além de funcionarem como exemplares mais legítimos
de uma ecologia pluralista da cultura, os projetos de mídias locativas também
funcionam como indicadores precisos dos dois lados antitéticos da psique humana
que foram explorados por Freud. Em um extremo, o lado destrutivo da pulsão de
morte e, no outro extremo, o lado construtivo sob a égide de Eros. É justamente
esse último extremo da gangorra que os projetos estéticos de mídias locativas
buscam explorar contrabalançando as forças contrárias exercidas pelo poder
dissimulado do rastreamento e vigilância ubíquos. É por tudo isso que a
ecologia pluralista das mídias locativas, unificada pelas forças de Eros, entre
outras coisas, está nos incitando a rever e relativizar as teorias cujo
pessimismo monolítico cobriu o ciberespaço e a cibercultura com premonições
negras sobre a obsolescência do corpo, o colapso dos espaços geográficos e a
inexorável perda de significados do passo da vida.
Trechos extraído de A
ecologia pluralista das mídias locativas (II Simpósio Nacionalda ABCiber -
Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 37 • dezembro de 2008), da
professora e pesquisadora Lucia Santaella. Veja mais aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
O CINEMA DE FERNANDO ARRABAL
Fama é um pedaço de nada que o
artista agarra no voo sem saber por quê. Eu sou feio, mas Deus me ama.
Entre
as obras destacadas aqui do do poeta, dramaturgo, roteirista e diretor de
cinema Fernando Arrabal, destacamos desta vez, em primeiro lugar, o
documentário Borges: una vita di poesia (1998),
sobre a obra do escritor argentino Jorge Luis Borges; e o drama ¡Adiós
Babilonia! (1992), contando a história de uma jovem
sonhadora e serial killer, que passeia pelas ruas encontrando vários
personagens estranhos que povoam os subúrbios da cidade grande. Veja
mais aqui, aqui & aqui.
A ESCULTURA
DE BRUNO GIORGI
A arte do escultor e professor Bruno Giorgi (1905-1993). Veja mais aqui.
A OBRA DE LUCIEN SFEZ
Todas as
tecnologias de vanguarda, das biotecnologias à inteligência artificial, do
audiovisual ao marketing e à publicidade, enraizam-se num princípio único: a
comunicação. Comunicação entre o homem e a natureza (biotecnologia), entre os
homens na sociedade (audiovisual e publicidade), entre o homem e seu duplo (a
inteligência artificial); comunicação que enaltece o convívio, a proximidade ou
mesmo a relação de amizade (friendship) com o computador.
&
Outras
de Alagoinhanduba aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui aqui & aqui (Arte de Darel
Valença Lins).