SISSI, A MADAME TEJE-PRESO – Quando
deram por falta do imperadoutor Teje-Preso, já passava mais de mês do sumiço
dele. É mesmo? Nem notei: O coiso desaparece, mas o fantasma dele fica no
quengo da gente, vigiando. Parece mesmo encosto dos brabos. Foi aí que apareceu
a notícia: O quê? Como é que é? Pois foi. Ninguém que podia imaginar que aquele
poderoso pigmeu de pouco mais de meio metro, com feições hitleristas e de maus
bofes, fosse casado. Hem? Tampouco se adivinhava o que havia por trás dos muros
altos de sua residência: se gente, bicho, ou o que fosse. É, ninguém entrava
nem saía. Pudera, ele apareceu assim de repente num amanhecer calorento em
Alagoinhanduba, não se sabendo, ao certo, quem era, de onde vinha e o que
estava fazendo ali. Viu-se de imediato, apenas, os encolerizados esporros, que
se tratava de um mandão que vinha colocar todos os pontos nos iis na comarca. Foi
mesmo. Era o que dava para pensar. Além do mais, ele comparecia aos eventos ou
circunstância que fosse, só acompanhado de seus capangas. Por isso, davam-no
por irado solteiríssimo – até insinuavam ser ele um enrustido, destá. Tá. Mas,
afinal, qual a notícia? A de que a esposa dele faleceu. Esposa? É. Quem? A
condessa Sissi Teje-Preso. Mas quem a viu em vida? Foi o doutor Zé Gulu que
saindo do seu peculiar mutismo, falou ser ela uma requintada madame, de feições
nobres parecidas com a imperatriz Elisabete da Áustria e que, como Sarah Bernhardt,
cultivava um ataúde ao lado da cama para seu descanso. Vôte! Como é que ele
sabe? Foi o que dela se soube ou ouviu dizer, de alguns poucos achegados dela
dali e que contaram a ele. Quem? Ah, sim, o artista plástico Flaru que não
falava com ninguém de tão endoidado que era e íntimo em conversas com ela –
Nunca ouvi falar! O pianista pinguço e alvoroçado, Cerdavi, solitário que só
tinha o doutor Zé Gulu por amigo – Esse, pior ainda! E o poeta excêntrico e
azoretado, Teju – Nunca vi mais gordo! Esses eram os únicos que privavam do
convívio dela, afora outros visitantes de outras paragens longínquas, tudo
artista e só. Eles que testemunharam suas crises místicas e seus acessos de
fúria, o deserto ao redor e mergulhada no seu exclusivo mundo fantástico. Apesar
de se portar como uma prima-dona despótica e exibicionista, desventrando com
chulas e obscenas vociferações, vivia de carão nos lacaios e não se agradar de
se misturar às massas. Entretanto, era extremamente educada e graciosa,
mitigava sua solidão com música, poesia e exposições de quadros e gravuras. Soube
mais dela ser possuidora de uma vastíssima coleção de pinturas e partituras,
uma biblioteca de não seis quantos andares cheios de livros, pianos, violinos,
cítaras, e que era poliglota, tanto recebia visitas como falava ao telefone nos
mais diversos idiomas. Afora os três mencionados, ninguém da localidade jamais
havia visto ali suas feições, porte ou nome, sabendo-se da sua graça apenas
Sissi. Vivia ela encerrada nos limites do extenso sítio, em momento algum se
sabendo se tinha saído ou como havia entrado ali. Se viajasse ou não, saía e
voltava tão oculta de sequer quem quer que seja tomasse qualquer conhecimento,
nem que suspeitasse de sua própria existência. Disseram que ela perdeu tantos
filhos e parentes que resolveu prelibar com uma urna funerária ao lado,
antecipando o prazer da vida eterna. Lascou. Sim, e a causa mortis? Desembucha!
Pereceu não se sabe de quê, só que morreu de morte morrida, ao que parece, quem
ousaria matá-la senão o próprio marido, ninguém é doido, né? Disso não há como
saber, nem tirar a limpo. Só que deixou o cônjuge desolado no maior desdouro,
ao que ele amaldiçoa noitedia a sua defecção. Coitado do coisa-ruim. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Para mim, o autismo
é secundário. Minha primeira identidade é especialista em gado — professora,
consultora, cientista. Para manter intacta esta parte da minha identidade, separo
regularmente trechos do calendário como “tempo do gado”. O mês de junho? É tempo
do gado. A primeira parte de janeiro? Tempo do gado. Não me comprometo com palestras
nesses períodos. Certamente o autismo é parte do que sou, mas não deixo que ele
me defina. [...] Meu talento para a engenharia devia ter sido
a pista. A engenharia não é abstrata, mas concreta. Ela trata de formas.
Ângulos. Tem a ver com geometria. [...] Eu era péssima
para entender os problemas de física por escrito. Não conseguia nem entender
como armar os problemas, porque eles exigiam demais da minha memória de trabalho.
Contudo, se tivesse de resolver um problema de física hoje, eu saberia o que
fazer. Conseguiria cinco livros escolares, sentaria com um tutor e uma
planilha, identificaria cinco exemplos específicos de problemas que usem uma
fórmula e exemplos específicos de problemas que usem outra fórmula e no final identificaria
os padrões nos problemas. [...] Do ponto de vista
da neurociência, controlar as emoções depende do controle de cima para baixo
pelo córtex frontal. Se você não controla suas emoções, precisa mudá-las. Se
quiser manter o emprego, precisa aprender a transformar a raiva em frustração.
Li num artigo de revista que Steve Jobs chorava de frustração. Por isso ele
ainda tinha um emprego. Podia ser verbalmente grosseiro com os funcionários,
mas, pelo que sei, não saía atirando coisas neles nem agredindo-os. [...] Tudo bem, digamos que acriança autista teve
uma educação que identificou e desenvolveu seus pontos fortes. Digamos que esta
criança cresceu e entrou num mercado de trabalho que aprecia suas competências
particulares. Isso é ótimo para ela. Mas sabe oque mais? Também é ótimo para a
sociedade. [...].
Trechos extraídos da obra O cérebro autista: pensando através do espectro (Record, 2015), da
doutora de ciência animal e ativista autista estadunidense Temple Grandin, em parceria com Richard Panck Grandin. Sobre a vida
e o trabalho dela, o diretor Mick Jackson realizou o telefilme Temple Grandin (HBO, 2010), tratando da
prática de tratamento racional de animais, a máquina do abraço e da teoria de
pensar em imagens e conectá-las. Veja mais aqui, aqui & aqui.
A ARTE TEATRAL DE RACHEL
RIPANI
Como ator, você sempre está defendendo as
ideias do autor ou do diretor. Um ator, quando amadurece, tem vontade de
colocar suas ideias em cena. Por isso resolvi escrever.
Com a minha família na sala, um primo de 19
anos recém-saído do Exército (Dragões da Independência) me pediu para ver meu
quarto novo. Chegando lá, ele me empurrou sobre a cama, me segurou, baixou
minha calcinha e me chupou. Eu não tinha ideia do que estava acontecendo, a
sensação horrorosa de que tinha algo muito errado, ele tapando minha boca, eu
imobilizada. De ponta-cabeça, minha boneca preferida me encarava, e tudo que eu
conhecia do mundo mudava radicalmente naqueles minutos. Minha irmã percebeu que
estávamos demorando para voltar e subiu, me salvando do que poderia acontecer
ainda. Ele me levantou a calcinha, eu frouxa como uma boneca de pano, em
silêncio o resto da noite.
A arte
da atriz, produtora, diretora e tradutora Rachel
Ripani. Veja mais aqui.
A ARTE FOTOGRÁFICA
DE JIŘÍ RŮŽEK
A beleza
do corpo de uma mulher anda de mãos dadas com os segredos de sua alma e você
não pode vê-los separadamente.
A OBRA DE AMADO NERVO
Aqueles que amamos nunca morrem, apenas
partem antes de nós. Sempre que houver um vazio em tua vida, enche-o de amor. A
liberdade costuma vir vestida de trapos; porém, mesmo assim, é muito bela, mais
bela do que todas as moedas de ouro e prata. Tão necessário como o pão de cada
dia, é a paz de cada dia sem a qual o mesmo pão é amargo. As mais doces
palavras são as que se expressam mais com os olhos do que com os lábios.
A obra do poeta mexicano Amado Nervo (1870-1919) aqui