quinta-feira, agosto 29, 2019

AMADO NERVO, TEMPLE GRANDIN, RACHEL RIPANI, JIŘÍ RŮŽEK & SISSI TEJE-PRESO


SISSI, A MADAME TEJE-PRESO – Quando deram por falta do imperadoutor Teje-Preso, já passava mais de mês do sumiço dele. É mesmo? Nem notei: O coiso desaparece, mas o fantasma dele fica no quengo da gente, vigiando. Parece mesmo encosto dos brabos. Foi aí que apareceu a notícia: O quê? Como é que é? Pois foi. Ninguém que podia imaginar que aquele poderoso pigmeu de pouco mais de meio metro, com feições hitleristas e de maus bofes, fosse casado. Hem? Tampouco se adivinhava o que havia por trás dos muros altos de sua residência: se gente, bicho, ou o que fosse. É, ninguém entrava nem saía. Pudera, ele apareceu assim de repente num amanhecer calorento em Alagoinhanduba, não se sabendo, ao certo, quem era, de onde vinha e o que estava fazendo ali. Viu-se de imediato, apenas, os encolerizados esporros, que se tratava de um mandão que vinha colocar todos os pontos nos iis na comarca. Foi mesmo. Era o que dava para pensar. Além do mais, ele comparecia aos eventos ou circunstância que fosse, só acompanhado de seus capangas. Por isso, davam-no por irado solteiríssimo – até insinuavam ser ele um enrustido, destá. Tá. Mas, afinal, qual a notícia? A de que a esposa dele faleceu. Esposa? É. Quem? A condessa Sissi Teje-Preso. Mas quem a viu em vida? Foi o doutor Zé Gulu que saindo do seu peculiar mutismo, falou ser ela uma requintada madame, de feições nobres parecidas com a imperatriz Elisabete da Áustria e que, como Sarah Bernhardt, cultivava um ataúde ao lado da cama para seu descanso. Vôte! Como é que ele sabe? Foi o que dela se soube ou ouviu dizer, de alguns poucos achegados dela dali e que contaram a ele. Quem? Ah, sim, o artista plástico Flaru que não falava com ninguém de tão endoidado que era e íntimo em conversas com ela – Nunca ouvi falar! O pianista pinguço e alvoroçado, Cerdavi, solitário que só tinha o doutor Zé Gulu por amigo – Esse, pior ainda! E o poeta excêntrico e azoretado, Teju – Nunca vi mais gordo! Esses eram os únicos que privavam do convívio dela, afora outros visitantes de outras paragens longínquas, tudo artista e só. Eles que testemunharam suas crises místicas e seus acessos de fúria, o deserto ao redor e mergulhada no seu exclusivo mundo fantástico. Apesar de se portar como uma prima-dona despótica e exibicionista, desventrando com chulas e obscenas vociferações, vivia de carão nos lacaios e não se agradar de se misturar às massas. Entretanto, era extremamente educada e graciosa, mitigava sua solidão com música, poesia e exposições de quadros e gravuras. Soube mais dela ser possuidora de uma vastíssima coleção de pinturas e partituras, uma biblioteca de não seis quantos andares cheios de livros, pianos, violinos, cítaras, e que era poliglota, tanto recebia visitas como falava ao telefone nos mais diversos idiomas. Afora os três mencionados, ninguém da localidade jamais havia visto ali suas feições, porte ou nome, sabendo-se da sua graça apenas Sissi. Vivia ela encerrada nos limites do extenso sítio, em momento algum se sabendo se tinha saído ou como havia entrado ali. Se viajasse ou não, saía e voltava tão oculta de sequer quem quer que seja tomasse qualquer conhecimento, nem que suspeitasse de sua própria existência. Disseram que ela perdeu tantos filhos e parentes que resolveu prelibar com uma urna funerária ao lado, antecipando o prazer da vida eterna. Lascou. Sim, e a causa mortis? Desembucha! Pereceu não se sabe de quê, só que morreu de morte morrida, ao que parece, quem ousaria matá-la senão o próprio marido, ninguém é doido, né? Disso não há como saber, nem tirar a limpo. Só que deixou o cônjuge desolado no maior desdouro, ao que ele amaldiçoa noitedia a sua defecção. Coitado do coisa-ruim. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Para mim, o autismo é secundário. Minha primeira identidade é especialista em gado — professora, consultora, cientista. Para manter intacta esta parte da minha identidade, separo regularmente trechos do calendário como “tempo do gado”. O mês de junho? É tempo do gado. A primeira parte de janeiro? Tempo do gado. Não me comprometo com palestras nesses períodos. Certamente o autismo é parte do que sou, mas não deixo que ele me defina. [...] Meu talento para a engenharia devia ter sido a pista. A engenharia não é abstrata, mas concreta. Ela trata de formas. Ângulos. Tem a ver com geometria. [...] Eu era péssima para entender os problemas de física por escrito. Não conseguia nem entender como armar os problemas, porque eles exigiam demais da minha memória de trabalho. Contudo, se tivesse de resolver um problema de física hoje, eu saberia o que fazer. Conseguiria cinco livros escolares, sentaria com um tutor e uma planilha, identificaria cinco exemplos específicos de problemas que usem uma fórmula e exemplos específicos de problemas que usem outra fórmula e no final identificaria os padrões nos problemas. [...] Do ponto de vista da neurociência, controlar as emoções depende do controle de cima para baixo pelo córtex frontal. Se você não controla suas emoções, precisa mudá-las. Se quiser manter o emprego, precisa aprender a transformar a raiva em frustração. Li num artigo de revista que Steve Jobs chorava de frustração. Por isso ele ainda tinha um emprego. Podia ser verbalmente grosseiro com os funcionários, mas, pelo que sei, não saía atirando coisas neles nem agredindo-os. [...] Tudo bem, digamos que acriança autista teve uma educação que identificou e desenvolveu seus pontos fortes. Digamos que esta criança cresceu e entrou num mercado de trabalho que aprecia suas competências particulares. Isso é ótimo para ela. Mas sabe oque mais? Também é ótimo para a sociedade. [...].
Trechos extraídos da obra O cérebro autista: pensando através do espectro (Record, 2015), da doutora de ciência animal e ativista autista estadunidense Temple Grandin, em parceria com Richard Panck Grandin. Sobre a vida e o trabalho dela, o diretor Mick Jackson realizou o telefilme Temple Grandin (HBO, 2010), tratando da prática de tratamento racional de animais, a máquina do abraço e da teoria de pensar em imagens e conectá-las. Veja mais aqui, aqui & aqui.

A ARTE TEATRAL DE RACHEL RIPANI
Como ator, você sempre está defendendo as ideias do autor ou do diretor. Um ator, quando amadurece, tem vontade de colocar suas ideias em cena. Por isso resolvi escrever.
Com a minha família na sala, um primo de 19 anos recém-saído do Exército (Dragões da Independência) me pediu para ver meu quarto novo. Chegando lá, ele me empurrou sobre a cama, me segurou, baixou minha calcinha e me chupou. Eu não tinha ideia do que estava acontecendo, a sensação horrorosa de que tinha algo muito errado, ele tapando minha boca, eu imobilizada. De ponta-cabeça, minha boneca preferida me encarava, e tudo que eu conhecia do mundo mudava radicalmente naqueles minutos. Minha irmã percebeu que estávamos demorando para voltar e subiu, me salvando do que poderia acontecer ainda. Ele me levantou a calcinha, eu frouxa como uma boneca de pano, em silêncio o resto da noite.
A arte da atriz, produtora, diretora e tradutora Rachel Ripani. Veja mais aqui.

A ARTE FOTOGRÁFICA DE JIŘÍ RŮŽEK
A beleza do corpo de uma mulher anda de mãos dadas com os segredos de sua alma e você não pode vê-los separadamente.
A arte do premiado fotógrafo tcheco Jiří Růžek. Veja mais aqui e aqui.

A OBRA DE AMADO NERVO
Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós. Sempre que houver um vazio em tua vida, enche-o de amor. A liberdade costuma vir vestida de trapos; porém, mesmo assim, é muito bela, mais bela do que todas as moedas de ouro e prata. Tão necessário como o pão de cada dia, é a paz de cada dia sem a qual o mesmo pão é amargo. As mais doces palavras são as que se expressam mais com os olhos do que com os lábios.
A obra do poeta mexicano Amado Nervo (1870-1919) aqui