ABRAÇADOS NO FOGO – Uma vareta de madeira dura, a sua fricção
numa covinha feita num ramo seco de palmeira, a faísca, eis o Sol refulgente no
horizonte à palma da mão. Um graveto, a brasa, um tição, e se alastra da chama
para as labaredas: não há vida sem fogo, vive no ar. Um elemento cosmogônico,
símbolo sagrado nos rituais dos meus ancestrais. Dizem: de Akasha se originou e
é usado desde então: a luz, o verão, o calor e a expansão, doa vida e preserva;
desagrega, decompõe, dissipa e fermenta, a combustão: queima ao ser aquecido ao
ponto de ignição. Com ele as fogueiras aqueciam no frio, afugentavam animais
selvagens; iluminavam os caminhos e a locomoção nas cavernas; cozinha alimentos,
produz cerâmicas, molda metais, vapor, borracha, tijolos. Dele, outros ditados:
Fênix para o Sul, o Dragão, a Quimera; da salamandra que dele se alimenta: a
justiça e paz, renovação, superação, proteção e amor à natureza. Tatwa Tejas, o
triângulo vermelho dos hindus, Deus-Pai dos Wicca. Daí em diante, da iniciação
à iluminação: hora de comungar de si ao Um, tudo e todos. De todos os
benefícios, trapaceiros prosperam, ignorantes sucumbem. E ao usá-lo para limpar
a terra, as abomináveis queimadas e o desmatamento afetando habitats de plantas
e animais, a extinção – o culto da morte. O que chamam de fim apocalíptico, o crime
insano de atear fogo em vegetações nativas contra a humanidade. De cada um a
soberba ou humildade, abraçados àquele casal tragicamente carbonizado estamos
nós. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS:
A introdução do uso indiscriminado da
queimada, como técnica de preparo dos terrenos para a agricultura, é atribuída
equivocadamente aos povos tribais de floresta. Tanto entre cientistas, quanto
entre leigos, a crença de ser o uso descontrolado do fogo um legado indígena é
tida como verdadeira. Monteiro Lobato foi mais longe, atribuindo a destruição
de recursos naturais pelo fogo ao desprezado caipira, que teria recebido tal
legado do seu ancestral índio. Estas interpretações não levam em conta a
degradação humana, a perda da solidariedade e da mútua ajuda que decorrem, por
sua vez, da perda do domínio do pequeno produtor familiar e do grupo tribal
sobre a terra motivada pela concentração fundiária, que passou, com a
agricultura colonial de exportação, ao controle dos grandes latifúndios,
destruindo as culturas de subsistência e a troca de excedentes, em favor da
monocultura. [...] a diferença entre o uso que os índios e as
culturas de exportação fazem da queimada não é apenas identificável na escala
da área desmatada, mas na sua integração e adequação com o meio: a indígena,
permitindo a recuperação da floresta, promovendo a diversidade e o adensamento;
a não-indígena, queimando e desmatando de forma irreversível. As primeiras levas de seringueiros que
entraram na Amazônia, por terem sido conduzidas pela mão do índio foram menos
predatórias. Os colonos e pecuaristas do último surto de ocupação contaram com
US$ 1 bilhão em incentivos para queimar, e os lotes de colonos que apenas
seriam reconhecidos se fossem queimados, eram considerados pelo Incra como produção, ao contrário do saber
indígena. Os últimos 30 anos, com o avanço descontrolado da fronteira, é que
vieram dar o sinal de alerta até o ponto atual em que o Brasil se encontra por
causa do desmatamento por queimada: entre os dez países mais poluidores do
mundo em emissões de gás carbônico, podendo, segundo cenários apresentados por
estudos do Inpe na última reunião da SBPE,
comprometer a temperatura da região e do planeta. Além disso, corre o risco de savanização de amplas faixas da atual
cobertura florestal, repetindo o passado de destruição da Mata Atlântica. Das
280 milhões de toneladas de carbono emitidas pelo Brasil, grande parte seriam
devidas ao desmatamento por queimadas. O
modo adequado de uso dos recursos naturais pelos índios na floresta tropical
deveria, assim - ao contrário da crença arrogante e preconceituosa -, orientar
a correção dos antigos e dos novos assentamentos, adicionado às contemporâneas
pesquisas agroflorestais e de mercado, privilegiando a agricultura familiar
sustentável, compatibilizando o ecossistema com as necessidades sociais de
milhões de brasileiros.
Trechos
extraídos do estudo O uso do fogo: o manejo indígena e a
piromania da monocultura
(Estudos Avançados, 2000), do professor e pesquisador da USP e da Unesp, Mauro
Leonel.
O FOGO
Imagem:
Fire, art by Kostas
Korovilas.
ORIGEM DO FOGO: Outrora os índios viram o
macaco acendendo o fogo e aprenderam a acendê-lo do mesmo modo.
[...] Ficando só, o macaco atritou com as
mãos um galho com outro e obteve chama e luz. Acendeu lenha, assou o peixe e
depois saboreou. [...].
Trechos
extraídos da obra Os Bororos orientais(EN,
1942), de Antonio Colbacchini e César Albisetti.
O ROUBO DO FOGO: Em priscas eras o urubu-rei
foi dono do fogo. Por isso, os Tembé secavam a carne expondo-a ao calor do sol.
Então resolveram roubar o fogo do urubu-rei. Começaram por matar uma anta.
Deixaram-na estendida no chão e, depois de três dias, o bicho estava podre,
bulindo de vermes. Vendo a carniça lá embaixo, o urubu-rei desceu acompanhado
de seus parentes. Para melhor se banquetearem despiram a vestimenta de penas,
assumindo a forma de gente. Tinham trazido um tição aceso e com ele fizeram
grande fogueira. Cataram os vermes, os envolveram em folhas de mato e assaram.
Os Tembé que se mantinham escondidos, à espreita, tocaram para lá. Mas os
urubus bateram as asas e levaram consigo o fogo para um lugar seguro. Assim, os
índios perderam o trabalho de tantos dias. A seguir, fizeram uma tocaia ao pé
da carniça e um velho pajé ali se escondeu. Os urubus voltaram àquele lugar e
fizeram seu fogo, desta vez bem mais próximo da tocaia. – Quando eu fugir,
levarei comigo um tição aceso! -, disse o pajé consigo mesmo. quando os urubus
despiram sua vestimenta de penas, viraram homens e se puseram a assar os
vermes, ele deu um pulo para a frente e os bichos ficaram espavoridos. Correram
para suas vestes de penas e começaram a vestir-se, atabalhoadamente. O velho
aproveitou-se da confusão, pegou um tição aceso e fugiu. Os pássaros juntaram o
resto do fogo e voaram, levando-o consigo. Então, o pajé ateou fogo em todas as
árvores com as quais hoje se faz fogo e que são: urucuiva, cuatipuruiva, ivira
e muitas outras.
Extraído
da obra Mitos dos índios Tembé do Pará e
Maranhão (Sociologia – ESPSP-MME, 1951), de Curt Nimuendaju Unkel. Veja
mais aqui.
A DANÇA
DE BELTANE
Cenas do Beltane
Fire Festival, um evento anual de artes participativas e drama ritual,
ocorrido em Calton Hill, em Edimburgo, na Escócia. É um evento inspirado nas
tradições gaélicas e no antigo festival celta de Beltane, realizando danças
pagãs e elementais, com exibição deslumbrante celebração do fogo, pela passagem
da primavera para o verão.
&
CORPOS CIDADÃOS DE ISABEL MARQUES
[...] Corpos cidadãos, nesse sentido, não são
apenas aqueles a quem outros outorgam o direito de dançar. O corpo cidadão é um
corpo que escolhe dançar, que pode escolher o que dançar, como dançar. O corpo
que pode escolher, assumindo e refletindo criticamente, sempre, sobre suas
escolhas, pode escolher também como dialogar com o mundo em que vive. Face da
mesma moeda, corpos cidadãos deveriam se comprometer com a construção desse
mundo, dançando. Ao propormos a educação de corpos lúdicos em nossas salas de
aula de dança, propomos também a possibilidade de que esses corpos sejam
capazes de criar e de recriar suas danças e, assim, a sociedade. Ao sugerirmos
a educação de corpos relacionais, acreditamos na possibilidade de olhar, de
perceber e de articular danças entre pessoas. Ao sermos capazes de criticar em
nossos corpos, ou seja, dançando, seremos também capazes de construir e
desconstruir o mundo em que vivemos. Enfim, ao apostarmos na educação de corpos
cidadãos em salas de aula de dança estaremos também apostando na capacidade
dialógica dos corpos que dançam e, assim, na capacidade humana de “sair da
concha” e de estar no mundo com seus corpos.
Trecho
extraído do estudo Notas sobre o corpo e
o ensino de dança (Caderno Pedagógico, 2011), da bailarina, coreógrafa e
professora Isabel Marques, que é
autora de diversos livros na área e diretora da Caleidos Cia de Dança. Veja
mais aqui.
A OBRA DE MARIO VARGAS LLOSA
Você não pode lutar consigo mesmo, pois essa
batalha tem apenas um perdedor.
A obra do
escritor, jornalista e político peruano Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel
de Literatura de 2010 aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.